A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu dez prioridades para o ano de 2019. A lista inclui o combate a doenças crônicas e infecções transmissíveis (como ebola, dengue, gripe e aids), atenção a locais vulneráveis, melhora do acesso aos serviços básicos de saúde, uso racional de antibióticos e incentivo à vacinação.
Segundo cálculos da OMS, as vacinas previnem de 2 a 3 milhões de mortes no mundo por ano. Se a cobertura tivesse maior alcance, poderia evitar mais 1,5 milhão. Contudo, a relutância ou a recusa à imunização podem agravar esse cenário. Doenças que estavam a caminho da erradicação voltaram a atacar, como o sarampo, cuja incidência aumentou 30% no mundo. O Brasil registrou 10 mil casos até janeiro e pode perder o certificado de eliminação da doença, concedido pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) em 2016.
Reconhecido internacionalmente pelo amplo programa de imunização, que disponibiliza 26 vacinas contra doenças infecciosas, e por apresentar uma das melhores coberturas vacinais do planeta, nosso país viu cair a prevenção de 17 doenças em dois anos consecutivos. A aplicação da vacina tríplice viral (que protege contra sarampo, caxumba e rubéola) caiu de 95% da população em 2016 para 85% em 2017; a que combate poliomielite (paralisia infantil) baixou de 84% em 2016 para 78% em 2017.
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A fim de reverter esses números, o Ministério da Saúde lançou uma campanha de vacinação em agosto de 2018 que atingiu a meta, preconizada pela OMS, de imunizar 95% do público-alvo. “Não podemos vacilar”, alerta a pediatra Monica Levi, coautora de Vacinar, Sim ou Não? (MG Editores). “Enquanto a doença não estiver erradicada do globo, ter cobertura vacinal baixa é deixar as portas abertas para o seu ressurgimento.”
De acordo com a médica, a hesitação em vacinar vem da insegurança, do medo de efeitos colaterais e de outros supostos riscos disseminados por notícias falsas, boatos e argumentos sem comprovação científica, propagados sobretudo pelas redes sociais. No ano passado, o Ministério da Saúde criou o serviço Saúde sem Fake News e divulgou um número de WhatsApp (61 99289 4640) para onde as pessoas podem encaminhar textos e imagens e checar sua veracidade.
Em um mês, chegaram 416 mensagens com notícias falsas, entre as quais a suposta proibição da vacinação contra o HPV. “É fácil assustar as pessoas”, diz um dos maiores especialistas em vacina, o pediatra americano Paul A. Offit. “Muito mais difícil é tranquilizá-las.”
A seguir, esclarecemos dúvidas frequentes sobre vacinação. Afinal, informação falsa faz mal à saúde.
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1- A melhor imunidade é a natural, que se adquire pegando a doença?
Em geral, o contato com a doença estimula maior produção de anticorpos do que a vacina. Mas o preço pode ser alto. “Quem, em sã consciência, correria o risco de expor seu filho a meningite, poliomielite, difteria, sarampo, coqueluche ou outras enfermidades potencialmente muito graves – quando não fatais – para ter uma imunidade mais prolongada?”, questiona Monica Levi.
A maioria das vacinas atuais produz imunidade duradoura e eficiente sem a ameaça dos sintomas. A do sarampo, por exemplo, tem eficácia de 97%. Já na do HPV, os níveis de anticorpos ultrapassam os produzidos ao entrar em contato diretamente com o vírus. “Ainda que a criança seja saudável, ela não está imune a contrair doenças graves que poderiam ser prevenidas por meio de vacina”, alerta a infectologista Rosana Richtmann, do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia.
O vírus da febre amarela é extremamente agressivo. Há adultos jovens que sobrevivem à doença, mas necessitam de transplante de fígado depois. A bactéria meningococo, causadora de meningite, ataca sobretudo crianças saudáveis, e em torno de 60% delas ficam com sequelas neurológicas, motoras, na audição ou visão. “Vacina para arrependimento não existe”, acrescenta a infectologista.
2- A vacina de rotavírus pode levar à alergia ao leite?
“A suspeita não foi confirmada, mesmo porque os imunizantes não contêm proteína do leite de vaca em sua composição”, diz Monica Levi. Como uma primeira leva dessa vacina foi relacionada a maior risco de obstrução intestinal, o laboratório preferiu tirá-la de circulação. Avaliadas com mais rigor, as duas versões posteriores demonstraram eficácia e segurança contra o rotavírus, uma das principais causas de mortalidade infantil em países pobres. Desde sua inclusão no Programa Nacional de Imunização, em 2006, não se ouve mais falar em morte de criança por diarreia no Brasil. Por isso, as sociedades médicas recomendam seu uso rotineiro.
3- Faz mal receber mais de uma ao mesmo tempo?
Até os 2 anos, a criança recebe pelo menos 20 injeções contendo mais de 30 imunizações. Essa ideia de sobrecarga pressupõe que os pequenos são imaturos para responder de forma eficaz e segura ao número de antígenos administrados – as substâncias que estimulam o sistema de defesa a produzir anticorpos. Porém, a ciência tem mostrado o contrário. Todos os dias as crianças são expostas a um número elevadíssimo de antígenos com a poeira doméstica, a poluição, os alimentos industrializados. E o sistema imune responde. “Se 11 vacinas fossem aplicadas simultaneamente, somente 0,1% do sistema imune seria utilizado”, calcula Monica. É desnecessário, portanto, pular ou adiar doses.
4- É perigoso tomar na gravidez?
Nem sempre. A tríplice bacteriana, que previne tétano, difteria e coqueluche, tem sido fornecida às futuras mamães para proteger os recém-nascidos especialmente contra a coqueluche, que provoca uma tosse seca chata na maioria das pessoas, mas em bebês até 6 meses pode ocasionar a morte.
“Quando a mãe é vacinada, o filho fica protegido pelos anticorpos dela enquanto não pode receber ele próprio a vacina”, informa Rosana Richtmann. “Já a imunização contra gripe evita que a gestante entre em trabalho de parto prematuro.” O que se desaconselha para as grávidas são as vacinas com microrganismos atenuados, como a da febre amarela, a não ser em casos específicos, depois de os médicos pesarem bem os prós e contras.
5 – O conservante à base de mercúrio causa reações adversas?
O timerosal é um conservante empregado em frascos de múltiplas doses para impedir a contaminação do recipiente. Não está presente nas doses isoladas. “A quantidade utilizada é pequena e não tóxica. Não há indícios convincentes de que essa fração seria responsável por danos neurológicos e psicológicos ou traga prejuízo ao desenvolvimento”, diz Rosana. Para ela, pior é a exposição a esse metal na vida moderna. Rios e mares contêm muito mais mercúrio, que vem com os peixes até a nossa mesa.
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6- Vacinas provocam autismo?
Em 1998, o cirurgião britânico Andrew Wakefield culpou a vacina tríplice viral (contra sarampo, rubéola e caxumba) de causar autismo. Assustados, os pais pararam de imunizar os filhos. Depois se constatou que os resultados da pesquisa de Andrew, feita com apenas 12 crianças, foram fraudados porque o médico pretendia patentear uma nova vacina tríplice para concorrer com a existente. Ele teve sua licença médica cassada na Grã-Bretanha. Dezenas de outros trabalhos científicos não comprovaram a relação entre vacinas e autismo.
7- Elas podem desencadear doenças autoimunes?
Alguns imunizantes foram associados a moléstias em que o sistema de defesa interno ataca as estruturas do próprio corpo. Acusou-se a vacina contra hepatite B de levar ao aparecimento de esclerose múltipla, doença inflamatória do sistema nervoso central que prejudica a transmissão de impulsos nervosos entre os neurônios. A vacinação obrigatória de adolescentes nas escolas francesas foi suspensa. Verificou-se depois que a aplicação de mais de 1 bilhão de doses no mundo não resultou no aumento da incidência dessa ou de outras enfermidades neurológicas.
Permanece a dúvida quanto à síndrome de Guillain-Barré, em que anticorpos atacam os nervos periféricos, ocasionando inflamação e paralisia aguda, reversível com tratamento. Essa condição surge depois de processos infecciosos; daí se questionou se imunizantes, como a tríplice viral ou a vacina da gripe, serviriam de gatilho para ela. Concluiu-se que seria um evento bastante raro. “Mas, diante da possibilidade, é melhor consultar um médico antes de cogitar nova dose se teve a síndrome até seis semanas depois de ter sido vacinado”, orienta Rosana.
8- As que utilizam vírus vivos fazem a pessoa adoecer?
A maioria das vacinas usa microrganismos mortos, inativados, que não causam enfermidade, como as de gripe, pneumococo, hepatite A e B, HPV e meningite. “O que pode acontecer no caso da gripe é a pessoa adoecer porque foi exposta ao vírus antes de ter tomado a vacina ou adquirido a proteção (demora duas semanas para agir) ou apresentar sintomas respiratórios causados por outro agente infeccioso”, explica Rosana.
Algumas vacinas utilizam fragmentos do microrganismo (o vírus atenuado), como as da febre amarela, tríplice viral, catapora, BCG (contra tuberculose), dengue, rotavírus e herpes-zóster. Com elas, é maior a probabilidade de efeitos adversos – inclusive sintomas que imitam os causados pela doença –, especialmente em pessoas com imunidade baixa, que só devem recebê-las com autorização médica.
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9- Há riscos de efeitos colaterais severos após a imunização?
Como qualquer medicamento ou procedimento médico, as vacinas têm contraindicações e podem causar reações, em geral leves e facilmente controláveis. As mais comuns são dor, vermelhidão e inchaço no local da picada. Pode haver ainda febre, dor no corpo e mal-estar, quase sempre transitórios. “Esses efeitos não se comparam aos danos causados por essas doenças contagiosas”, diz a pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.
10- Quem tem alergia a ovo não deve tomar?
O imunizante contra gripe já foi contraindicado para alérgicos a ovo por ser cultivado dentro da casca e usar como substrato a clara e a gema. Resíduos que restassem ali poderiam causar respostas alérgicas graves. “Entretanto, com o avanço da tecnologia, a quantidade de proteína presente nas doses é insuficiente para provocar reações”, explica Rosana. Por esse motivo, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos liberou a vacina também nesses casos.
11- Vacinar é uma decisão particular?
Não exclusivamente. “Quando deixo de vacinar meu filho, estou colocando não só ele em risco mas também a comunidade em que se insere”, adverte Isabella. Aumenta a probabilidade de que outras pessoas adoeçam. A alta cobertura (acima de 95%) traz benefício indireto ao grupo, ou seja, mesmo quem não pode se vacinar ou não responde bem à imunização fica protegido pela baixa circulação do vírus.