Sou ginecologista há muitos anos. Já ouvi incontáveis relatos de mulheres descrevendo as ondas de calor e os suores noturnos da menopausa – ou, como chamamos tecnicamente, sintomas vasomotores. Sempre procurei ouvir com atenção, compreender e oferecer tratamento. Mas, até pouco tempo atrás, essa compreensão era, inevitavelmente, teórica. Eu sabia o que eram os fogachos… Mas não sabia como era tê-los.Recentemente, durante um simpósio sobre o tema, vivi algo inédito: experimentei, de forma simulada, as ondas de calor. Usei um colete desenvolvido especificamente para isso, para que homens pudessem sentir na pele e se conscientizar do que é ter um fogacho. E posso dizer, sem exagero, que essa vivência mudou a minha forma de enxergar o que tantas mulheres enfrentam diariamente.A sensação começou de repente, no tronco, como se alguém tivesse acendido um aquecedor dentro de mim. Em segundos, o calor subiu para o rosto, invadindo a cabeça, acompanhado de um desconforto que não é apenas físico — é também mental. É como se o corpo dissesse: “Pare tudo, algo está acontecendo”. E, de fato, é impossível ignorar.Quando senti, percebi o quanto isso pode interromper qualquer atividade. Imagine estar no meio de uma reunião, escrevendo um relatório, dando uma aula… E, sem aviso, ser tomado por um calor intenso, suor e desconcentração. Aconteceu comigo, perdi o raciocínio. É um incômodo que não pede licença. Ele simplesmente chega, e chega forte. Eu pude tirar o colete e o mal-estar passou. Mas as mulheres não têm essa opção.Agora, multiplique essa experiência por várias vezes ao dia, todos os dias, durante semanas, meses ou até anos. Pense no impacto sobre o sono, quando a pessoa acorda suada e desconfortável, e depois não consegue voltar a dormir. Pense no humor, na paciência, na energia para enfrentar o dia.Eu, que sempre busquei valorizar o relato das minhas pacientes, hoje valorizo ainda mais. Porque não é apenas um sintoma: é algo que pode afetar profundamente a qualidade de vida, a produtividade no trabalho, a concentração, as relações pessoais e até a autoestima.Essa vivência me fez refletir sobre duas coisas. Primeiro: nunca devemos banalizar o que as mulheres sentem. O que para quem está de fora pode parecer “só um calorzinho” é, na verdade, um evento que mexe com o corpo e a mente. Segundo: empatia é uma ferramenta clínica poderosa. Quando entendemos de verdade o que o outro vive, nossa abordagem muda. Passamos a tratar não apenas a condição, mas a pessoa.Ondas de calor e suores noturnos, se não tratados, podem causar danos a longo prazo, como aumentar o risco cardiovascular e a perda cognitiva. Para lidar com esses sintomas, a terapia de reposição hormonal (TRH) é uma das abordagens mais adotadas. Porém, há uma crescente necessidade por tratamentos não hormonais – medicamentos que ainda aguardam autorização regulatória no Brasil.Saí dessa experiência com uma certeza: precisamos falar mais sobre menopausa, combater o estigma e oferecer tratamento adequado. E, para meus colegas médicos — especialmente os homens —, deixo um convite: escutem com atenção, perguntem mais, valorizem cada relato. Porque agora eu posso dizer: eu senti na pele uma pequena amostra do que elas sentem. E é desafiador. Muito desafiador.* Marcelo Steiner é ginecologista especializado no Climatério e em Planejamento Familiar pela Faculdade de Medicina do ABC e Emory University (EUA).Assine a newsletter de CLAUDIAReceba seleções especiais de receitas, além das melhores dicas de amor & sexo. E o melhor: sem pagar nada. Inscreva-se abaixo para receber as nossas newsletters:Acompanhe o nosso WhatsAppQuer receber as últimas notícias, receitas e matérias incríveis de CLAUDIA direto no seu celular? É só se inscrever aqui, no nosso canal no WhatsApp. Acesse as notícias através de nosso app Com o aplicativo de CLAUDIA, disponível para iOS e Android, você confere as edições impressas na íntegra, e ainda ganha acesso ilimitado ao conteúdo dos apps de todos os títulos Abril, como Veja e Superinteressante.