A mulher está naturalmente mais preparada para aceitar e suprir a total dependência do bebê
Foto: Christian Parente
O novo integrante da casa precisa de cuidados em tempo integral e impõe uma mudança brusca na rotina, atraindo todos os holofotes para si. É aí que muitos homens (e até algumas mulheres) começam a migrar do encantamento inicial para uma emoção bem menos positiva: o ciúme. A professora Estér Gomes Martins, 34 anos, de São Paulo, conhece bem esse roteiro. “Meu marido, Júnior, sempre foi muito apegado a mim e não aceitou bem a ideia de dividir as atenções, ainda que fosse com o próprio filho, conta ela. Sobrou sofrimento para todo mundo. Júnior era só reclamações e amargura e, nos primeiros anos de Cauã, mantinha-se distante. Mais tarde, quando o menino questionou por que o pai não brincava com ele como o tio fazia com o primo, é que a ficha caiu e Júnior se empenhou em reverter a situação.
Saindo do escanteio
Embora a primeira reação da mãe seja sentir-se injustiçada diante da disputa de atenção por parte do pai, não dá para culpar apenas a ala masculina. Muitas mulheres vivenciam a chegada do bebê com tanta intensidade que deixam o marido de lado. O homem entende que não tem nenhum papel a desempenhar em relação à mulher e ao filho e se sente excluído, diz o psicoterapeuta e psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, autor do livro Ciúme – O Lado Amargo do Amor (Ágora). Essa percepção, segundo ele, pode desencadear atitudes negativas, como raiva da criança e afastamento da família.
O descompasso entre pais e mães tem origem também no fato de que a mulher está naturalmente mais preparada para aceitar e suprir a total dependência do bebê. Desde a primeira boneca, começamos a nos familiarizar com a ideia. Sem contar os nove meses de gravidez. “A gestação é um exercício para a maternidade. Nela, a mulher vive alegrias, temores, angústias, e amadurece, à medida que aprende a lidar com mudanças que estão fora do seu controle, como as do corpo”, afirma a psicoterapeuta Lidia Aratangy, autora de Novos Desafios da Convivência (Rideel). Ao longo desse período, a chegada do bebê torna-se algo absolutamente concreto para ela, enquanto o homem a percebe apenas como uma abstração. “Para eles, a paternidade se impõe em um repente, no momento em que o pequeno é colocado nos seus braços”, diz ela.
Para complicar, os pais de primeira viagem precisam digerir sozinhos a nova situação. Afinal, todos em volta estão ocupados com as questões (e paparicos) da criança. O caminho, garantem os terapeutas, é incentivar o envolvimento paterno. E aí você entra em ação. O ideal é começar desde a gravidez. Convidar o marido para acompanhá-la nas consultas de pré-natal e nos exames de ultrassom é uma atitude que cria abertura para, depois, envolvê-lo nas idas ao pediatra e na rotina do filho. “O fato de ficarem grávidos juntos diminui o risco de o homem se sentir posto de lado e, consequentemente, ter ciúme da criança”, ensina Antonio Carlos Amador Pereira, psicoterapeuta e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Se essa ponte não foi criada lá atrás, é preciso jogo de cintura para mudar a situação, abrindo espaço para a participação dele nos cuidados com o bebê, mas sem forçar a barra nem ser impositiva. Mesmo porque tem hora em que só o colo da mãe resolve. Evite também bancar a mamãe sabe-tudo. Conhece aquela história de que homem não faz as coisas tão bem (nem tão rápido) e que, portanto, é melhor se virar sozinha? Esqueça! E, uma vez que deixou uma tarefa nas mãos dele, controle o impulso de corrigi-lo. “Senão, o pai desanima com tanta crítica. Deixá-lo agir do jeito dele não vai prejudicar a criança e ainda a ensina que há várias formas de agir em uma mesma situação”, garante Lidia.
Desejos desencontrados
Além da insegurança em relação à própria importância na família, o medo de ser rejeitado como homem é outro estimulador do ciúme masculino. Aconteceu com o marido de Kátia Batista, 35 anos, diretora de uma fábrica em São Paulo e mãe de Marcela, hoje com 4 anos. No começo, ele era só mimos, mas, conforme as mudanças se impunham, a menina passou de queridinha a presença incômoda. “Marcelo não era duro nas palavras, mas fazia coisas como colocar minhas mãos sobre a própria cabeça para que eu fizesse cafuné nele quando me via acariciando nossa filha”, diz Kátia. Mais do que a atenção, agora dividida, ela percebeu que o ponto de desequilíbrio no casamento era a falta de sexo. “Vínhamos de um momento íntimo excelente e ele não gostou de reduzirmos as transas a uma vez na semana… quando dava.”
O fato é que, nesse período, homem e mulher vivenciam o desejo de maneiras diferentes e, às vezes, até conflitantes. A rotina de mãe é exaustiva, desgasta física e emocionalmente. Para o pai, as solicitações são mais sutis, com tréguas entre as crises de choro, as trocas de fralda e as longas mamadas. “É natural então que ele esteja muito mais disposto e interessado em transar do que a mulher”, diz Santos. Mais uma vez, restabelecer a cumplicidade é indispensável para a relação ir em frente. Kátia, por exemplo, muniu-se de paciência para mostrar ao marido que também estava renunciando a momentos e necessidades, mas que se tratava de uma fase transitória. Deu resultado. Depois da conversa, Marcelo baixou a guarda, revelou-se menos impaciente e até prestativo.
Longe dos holofotes
Embora sejam raras, também há situações em que o ciúme parte da mãe. Nesse caso, depois de no ve meses sendo alvo dos cuidados do marido e da família, pode acontecer de ela se sentir incomodada quando o marido demonstra encantamento pelo filhote. A baixa autoestima, reforçada pelas mudanças do corpo, leva a mulher a imaginar que perdeu o lugar. “A mãe deve reforçar dentro de si duas percepções importantes. A primeira: a admiração do pai pelo bebê nada mais é do que uma extensão dos sentimentos dele por ela. A outra é que mãe e filho não disputam a mesma posição. Então, não há motivo para entrar em um clima de competição, culpar a criança nem colocar o amor do homem à prova”, completa Lidia. Se parece impossível enxergar a situação de forma positiva, a ajuda de um terapeuta é bemvinda. Mesmo porque, quando o bebê estiver com cerca de 2 anos, o ciúme materno pode ser agravado pela sensação de estar em segundo plano também na vida da criança. A partir dessa idade, o pequeno depende menos dos cuidados exclusivos da mãe e tende a se aproximar do pai. Agora que está descobrindo o mundo e ganhando autonomia, a criança quer uma companhia que a incentive a desenvolver suas habilidades. “Por serem menos superprotetores, os homens transmitem maior confiança na capacidade dos filhos de vencer obstáculos e aí levam vantagem”, explica Lidia. Mas sempre há lugar para todos na relação. “O segredo é se livrar do peso das comparações e entender que receber uma atenção diferente não significa ser menos importante”, completa Pereira. Com isso, três nunca é demais. É fantástico!