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A reforma que as mulheres querem na Saúde

A reforma proposta por CLAUDIA explica aos parlamentares as mudanças imprescindíveis para construirmos uma sociedade equilibrada

Por Patrícia Zaidan, Denise Pellegrini e Iracy Paulina | Consultoria técnica: Marina Ganzarolli, advogada
Atualizado em 3 Maio 2017, 10h16 - Publicado em 3 Maio 2017, 09h37
 (Lucas Cobucci/CLAUDIA)
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Este dossiê, preparado por CLAUDIA, aponta o que é preciso mudar no país para que as mulheres tenham cidadania plena. Sem os avanços, aposentar mais tarde significaria novos prejuízos às brasileiras. Trata-se de uma reflexão sobre especificidades de gênero, o que, não raro, escapa aos legisladores, que atuam como se homens e mulheres tivessem direitos iguais. Não têm. Mesmo com o projeto de reforma da Previdência do governo abrandado pelo relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA), a injustiça persiste.

As brasileiras se aposentariam aos 62 anos, os homens aos 65, com todos contribuindo por quatro décadas. Chegar aí custará dez anos de suor a mais para elas (um terço além dos 30 anos que precisam recolher hoje). Eles contribuem por 35 e pagariam cinco anos a mais (um sexto). Junta-se a isso as tarefas da casa e da família, que a mulher ainda não conseguiu dividir com o homem.

Listamos seis áreas nas quais é fundamental buscar progressos. A reforma sugerida por CLAUDIA vai além da que será votada a partir deste mês na Câmara dos Deputados e depois no Senado. O dossiê explica aos parlamentares as mudanças imprescindíveis para construirmos uma sociedade equilibrada.

Abaixo, a reforma que as mulheres querem na SAÚDE.

O aborto é a quinta causa de morte materna no país. E a criminalização dele é um dos motores dessa realidade. Para a socióloga Maria José Rosado, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e uma das coordenadoras do grupo Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), “não há cidadania para quem, proibido de interromper um processo em seu corpo, coloca a própria vida em risco”. Há dificuldade até nos casos admitidos por lei – gravidez por estupro e risco de morte para a mulher – e, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso de anencefalia do feto. “Só 37 serviços, no país inteiro, executam o procedimento, segundo o Censo do Aborto Legal de 2015”, ressalta Debora Diniz, pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis). Além disso, ocorrem obstáculos no atendimento. “Frequentemente, as mulheres são submetidas a regimes de suspeição sobre se estariam enquadradas em um dos casos de aborto legal, especialmente quando são vítimas de violência”, observa Diniz. Mudar esse quadro e enfrentar outros desafios na saúde requer coragem. Vejamos:

DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO

A palavra está com o STF, que analisa liminar encaminhada pelo PSOL e pela Anis pedindo a legalização da prática. “Como justificativa, apontamos o fato de que a criminalização do aborto viola o direito das mulheres à dignidade, cidadania, vida, igualdade, liberdade, saúde, planejamento familiar e o de não ser discriminada, não sofrer tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, previstos na Constituição Federal”, observa Diniz. Ela explica que, se a proposta for aprovada pelo STF, “mulheres não serão ameaçadas ou presas por precisar tomar uma decisão reprodutiva tão delicada e íntima como essa”. Não só isso: “O país terá de criar uma política pública que regulamente o funcionamento dos serviços de saúde para que atendam plenamente à demanda. E ainda capacitar os profissionais para o acolhimento integral a essas mulheres, livre de estigma e discriminação”, completa a antropóloga.
Para Rosado, uma das condições fundamentais à saúde materna – além de acesso às formas de contracepção – é a mulher poder decidir pelo aborto. “A ilegalidade, que obriga a prática da interrupção da gravidez clandestina, mata muitas e impede tantas outras de engravidar novamente”, afirma. Ela se refere ao fato de que as intervenções malfeitas levam a infecções e à esterilidade.

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A percepção da população sobre o assunto tem avançado, segundo pesquisa realizada neste ano pelo Ibope Inteligência, a pedido do CDD, que ouviu 2 002 pessoas com 16 anos ou mais, em 143 municípios. Para 64% delas, a decisão sobre o aborto deve ser exclusivamente da mulher, enquanto 9% a atribuem ao marido – o que soma 73%. Apenas 12% deixaram a definição nas mãos das instituições (Judiciário, Igreja, Presidência da República e Congresso Nacional).

A expressiva diferença, segundo o CDD, demonstra uma tendência de reconhecimento por parte da opinião pública de que a interrupção de uma gravidez indesejada é uma escolha de âmbito privado, que o Estado deveria respeitar. Cabe às instituições suspender a legislação restritiva que criminaliza a mulher. Embora essa parcela significativa de brasileiros considere que a decisão sobre o aborto deve ser delas, no Congresso há forte resistência ao tema. Um levantamento feito pela professora Flávia Biroli, do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB), revela que, entre 2000 e 2015, parlamentares apresentaram 32 projetos que restringem a interrupção legal ou aumentam ainda mais a punição para quem interrompe a gravidez. Apenas dois projetos descriminalizariam a prática.

CONTRACEPTIVOS ACESSÍVEIS

A pesquisa Barômetro Latino-Americano, realizada em cinco países, sobre o acesso das mulheres a métodos contraceptivos modernos, mostra os pontos em que precisamos avançar. Realizada pela Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF), ela contou aqui com a parceria da organização Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia). Na avaliação sobre o desenvolvimento de políticas e estratégias, o Brasil e a Argentina conseguiram uma pontuação intermediária (48,50%), atrás de México (59,40%) e Colômbia (54,40%) e à frente do Chile (46,50%).

Segundo os pesquisadores, as cinco nações apresentam falhas importantes na aplicação das políticas traçadas. Principalmente em relação à atribuição de verbas específicas para implementá-las e também na garantia de que cheguem a cidades médias e pequenas e às regiões rurais ou marginalizadas. Para sanar essas barreiras, Jacqueline Pitanguy, coordenadora executiva da Cepia, avalia que é preciso atacar dois eixos. Em um deles, o poder público (federal, estadual e municipal) deve melhorar o acesso à informação sobre planejamento familiar e métodos contraceptivos, além de agir para que camisinhas femininas e masculinas, pílulas e anticoncepcionais injetáveis cheguem à população. “Muitas vezes, eles ficam estocados até perder a validade por uma deficiência de gestão”, conta ela.

A mudança cultural precisa vir junto, como detectou o levantamento do IPPF, ao avaliar o item educação e treinamento dos profissionais dos serviços de saúde. Mesmo existindo diretrizes médicas, crenças e convicções pessoais interferem na atuação de muitos profissionais. “Notamos que uma parte dos agentes de saúde impede o acesso da mulher à contracepção com base na moral e na religião. Dizem às meninas que elas são muito novas para usar contraceptivos, por exemplo”, afirma Pitanguy. “Ou, por obscurantismo, negam a chamada pílula do dia seguinte por acreditarem que ela é abortiva”, completa. Nesse sentido, o documento do IPPF recomenda ao Brasil melhorar a capacitação dos profissionais de saúde.

COMBATE À VIOLÊNCIA E À MORTE NO PARTO

Não atingimos, em 2015, a meta dos objetivos do milênio, das Nações Unidas (ONU), que se refere à redução de 75% na mortalidade materna. Estacionamos em 49%. O Ministério da Saúde havia estipulado que, para o cumprimento, seria necessário reduzir a taxa de 141 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos (estimada em 1990) para 36. Mas, segundo o Datasus, a taxa ficou em 69 mortes a cada 100 mil nascidos vivos em 2013 – o dado mais recente. É o que mostra o estudo Evolução Temporal e Espacial das Taxas de Mortalidade Materna e Neonatal no Brasil (entre 1997 e 2012), conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o Instituto Vital Brasil e a americana Georgia Southern University.

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O principal obstáculo apontado pelos pesquisadores é a deficiência na qualidade do atendimento de saúde durante a gravidez e o parto. Como demonstra o estudo, os indicadores de mortalidade materna e neonatais “refletem os contrastes sociais e a baixa capacidade do sistema de saúde do Brasil de fornecer assistência médica adequada a toda a população”. O levantamento destaca alguns esforços do Ministério da Saúde, entre eles a criação de programas como a Rede Cegonha, em 2011. Mas, ao analisar os dados, os pesquisadores notaram grandes discrepâncias regionais: nos estados do Norte e Nordeste, as gestantes morriam (e continuam morrendo) mais no parto do que no Sudeste e Sul, onde, de acordo com o levantamento, a rede de assistência é mais bem estruturada.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda oito consultas pré-natais. Muitos estados estão longe disso. A pior situação é a do Maranhão, onde 69% das mulheres fazem menos de sete consultas. A realidade é semelhante no Acre (68,21%), Amapá (67,25%), Amazonas (63,67%), Pará (60,16%) e Bahia (55,47%). A falta de um pré-natal adequado é sentida principalmente pelas parcelas vulneráveis da população. “As negras morrem mais por causas evitáveis. Muitas vezes não encontram onde fazer o exame de pressão, que previne a eclampsia”, diz Lucia Xavier, coordenadora técnica da organização Criola.

Mais um grave desrespeito: a violência obstétrica, que atinge uma em cada quatro gestantes, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo. “Essas agressões ocorrem durante o parto e o pós-parto, quando a mulher está fragilizada e sem condições de se defender. São atitudes e procedimentos que, em geral, os profissionais consideram normais ao processo”, observa Raquel Marques, presidente da ONG Artemis, dedicada ao tema.

No Mapa da Violência Obstétrica, plataforma disponibilizada no site da entidade (artemis.org.br) para colher denúncias, constam registros de abusos e violências sofridos em todo o país. As mulheres relatam violência psicológica, como comentários humilhantes e constrangedores sobre a condição feminina, por cor, raça, etnia, idade, escolaridade, condição socioeconômica, estado civil, número de filhos, entre outros. Há menções de procedimentos desnecessários e dolorosos – como empurrar a barriga da gestante para forçar a saída do bebê – ou de realização de episiotomia e cesariana indiscriminadamente. Ocorrem negativas de analgesia, contrariando portaria da Anvisa de 2008. E, ainda, há casos em que a mulher é amarrada durante o parto. No caso das parturientes presas, o procedimento desumano de deixá-las algemadas nesse momento foi proibido apenas recentemente, pela Lei nº 13.434, sancionada em abril deste ano.

Uma forma de combater a violência obstétrica é atuar para que o corpo médico que atende a gestante acate as recomendações que ela própria declarar em seu Plano de Parto. O documento é uma recomendação da OMS e deve conter indicações do que a gestante aceita e também o que ela concorda que seja feito antes, durante e após o parto. Com ela e seu filho.

CLIQUE AQUI PARA FAZER O DOWNLOAD DO DOCUMENTO COMPLETO: A REFORMA DAS MULHERES

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