Uma pandemia no caminho do sonho de ser mãe
Com tratamentos de reprodução assistida suspensos por tempo indeterminado por conta da pandemia, mulheres precisam fazer a dura escolha de adiar a gravidez
O ano de 2020 tinha tudo para ser aquele em que Gabriela e Daniel Queiroz, ambos aos 37 anos, realizariam o sonho de aumentar a família. Juntos há sete anos, após algumas tentativas de engravidar naturalmente, o casal decidiu em meados do ano passado pela reprodução assistida. “Como estou me aproximando dos 40, minha ginecologista nos orientou a procurar um serviço de reprodução humana para investigar quais seriam as causas da falta de sucesso”, explica Gabriela, gerente de relacionamento médico. Isso bem antes do início da pandemia do novo coronavírus.
Diabética desde a adolescência, ela suspeita que a doença autoimune possa ter influenciado em seu caso, porém nunca chegou a descobrir exatamente o que lhe impedia de engravidar. Após fazer uma série de exames e analisar as opções que tinha à sua disposição, ela e o marido optou pela inseminação artificial. Com mais chances de sucesso e considerado pelos médicos menos invasivo, o procedimento consiste na injeção do sêmen diretamente no útero da mulher, em óvulos que estão prontos para ser fecundados, explica a Cláudia Gomes Padilla, médica especialista em reprodução humana da Huntington Medicina Reprodutiva.
Após duas tentativas com a técnica da inseminação sem engravidar, o casal partiu para a fertilização em vitro. “Apesar de eu estar produzindo óvulos e ter uma reserva ovariana boa, pela minha idade e minha condição, talvez a qualidade desses óvulos estivesse comprometida, diziam os médicos. Então poderíamos tentar uma terceira inseminação ou já optar por um tratamento que considerei mais assertivo”, diz Gabriela. Realizada fora do corpo da mulher, a técnica in vitro consiste na seleção dos melhores óvulos e espermatozoides para serem unidos na fecundação e assim formar o embrião que, posteriormente, será colocado no útero da paciente.
No dia 10 de março, dias antes do início das medidas de isolamento social, Gabriela passou pelo procedimento de coleta de óvulos e da fertilização. Pouco tempo depois, quando estava prestes a descobrir quantos embriões teria, soube que precisaria decidir se daria continuidade ao processo de transferência embrionária em meio à pandemia ou faria o congelamento dos embriões. “Tive que pensar muito com a razão e não com o coração. Por ter 37 anos, conviver com o diabetes tipo 1 há 25 e saber que a gravidez é um período que causa um déficit imunológico no organismo da mulher, decidi esperar”, conta ela.
Por ordens da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, todos os tratamentos estão suspensos por tempo indeterminado. Casos urgentes de pacientes oncológicas ou que, por estarem com a reserva ovariana comprometida, não podem esperar por muito mais tempo são avaliados individualmente. Cláudia Padilla relata que na clínica em que trabalha estão sendo realizados atendimentos à distância as mulheres que já haviam realizado o tratamento e engravidado ou que estão na fase das primeiras consultas. A procura pelos procedimentos também diminuiu. “Pacientes que tinham consultas marcadas cancelaram, porque só voltarão a pensar em engravidar depois da pandemia. A maioria tem preferido esperar. Mas, claro, existem aquelas que estão bastante aflitas, que ficam ansiosas e mandam mensagem para a gente toda semana querendo iniciar tratamento”, conta Cláudia.
Responsável por prestar acompanhamento psicológico para as pacientes que estão no processo de reprodução assistida, a psicóloga Helena Montagnini explica que, de modo geral, a maioria dos procedimentos possuem um forte impacto emocional nas mulheres. “Ter que buscar uma clínica para engravidar pode já ser difícil, pois a gravidez não ocorreu do jeito esperado. Depois o processo também é desgastante, mescla muitas esperanças, mas também muitas frustrações.”
Assim, a pandemia se tornou mais um empecilho no caminho para a realização de um sonho. E o pior, um empecilho que não possui previsão de quando será superado. “É natural que os casais fiquem angustiados e precisem de um apoio emocional nesse momento tão delicado”, diz Helena, recomendando a utilização de serviços online de terapia, além do apoio de familiares e amigos. É o que tem feito Gabriela, que se voltou também para a religião e a meditação; ela diz que isso tem a ajudado a manter a calma para lidar não apenas com o adiamento de seu sonho, mas com o isolamento social como um todo.
“Quando falamos sobre a interrupção do tratamento e da falta de certeza sobre quando tudo irá recomeçar, parece que ficamos de mãos atadas. Mas é importante que não se fique totalmente tomado pela paralisia do sofrimento, além de não perder de vista que é algo provisório e que todos os tratamentos serão retomados”, acrescenta a Helena, alertando para a necessidade de manter a esperança. “Existem muitas pessoas que estão reorganizando rotinas, aprendendo a fazer coisas novas para evitar só pensar no que está sendo perdido. O sofrimento está aí, tudo bem, mas é preciso viver além e apesar disso”.