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O que o Google Brasil está fazendo para combater a desigualdade de gênero no ambiente de trabalho

Em entrevista exclusiva, Laszlo Bock, líder de Operações de Pessoas do Google Brasil, garante: "não há diferença salarial entre homens e mulheres fazendo o mesmo trabalho na nossa empresa"

Por Cynthia de Almeida
Atualizado em 31 out 2016, 11h31 - Publicado em 3 dez 2015, 15h07
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Pelo sexto ano consecutivo, o Google foi eleito a melhor empresa para se trabalhar nos Estados Unidos pela consultoria Great Place to Work. A ironia é que, embora reconhecida por sua excelência na gestão de pessoas, a companhia ainda é, na verdade, “o melhor lugar para uma maioria de homens trabalhar”: eles são 70% contra 30% de mulheres no quadro geral; 82% contra 18% em posições de tecnologia : 78% versus 22% em cargos de liderança. Um paraíso corporativo para os meninos.

Os dados são fresquinhos e nem tinham sido divulgados quando conversei por telefone com Laszlo Bock, o seu líder de Operações de Pessoas, o cargo top de Recursos Humanos da empresa, que acaba de lançar aqui no Brasil, pela Editora Sextante, o livro Um Novo Jeito de Trabalhar – O que o Google faz de diferente para ser uma das empresas mais criativas e bem-sucedidas do Mundo. As estatísticas sobre sua demografia interna eram inéditas mas não surpreendentes. Desde que, em uma atitude pioneira e corajosa, o Google se dispôs a revelar seu “Censo de Diversidade”, no ano passado, houve grande estardalhaço mas pouca evolução no cenário. Em termos de gênero, as mulheres conquistaram 1% a mais de cargos de tecnologia entre 2014 e 2015.

Foi sobre esse gap, que infelizmente não é diferente do de qualquer empresa de tecnologia do Vale do Silício, na Califórnia, onde estão instalados, e o que o Google tem feito para diminuí-lo que falamos na entrevista abaixo.

O que você diria para uma garota Millenial que sonha hoje em trabalhar para o Google?

Em primeiro lugar eu diria: por favor, junte-se a nós. Vamos adorar tê-la conosco, estamos contratando muitas pessoas e precisamos de você. Em seguida, eu deixaria claro que há dois caminhos para o Google: o da tecnologia/engenharia e todos os outros (vendas, finanças, recursos humanos). Os dois caminhos são diferentes . Para o lado tecnológico, as mulheres tem que estudar ciências da computação. Para todas as outras, não apenas para o Google, mas para se tornar atraente para as empresas inovadoras, elas devem saber quais são hoje os atributos mais procurados em um candidato: ter habilidade cognitiva, ou seja, capacidade de aprender, o que é mais importante do que seu QI. Deve saber liderar de forma colaborativa (abrir mão do poder do jeito antigo de liderar pelo comando), ter humildade, ( fundamental para reconhecer os erros e aprender) , senso de propriedade (agir como se a empresa lhe pertencesse).

O que vocês vem fazendo para acelerar o processo da diversidade de gênero e trazer mais mulheres para suas áreas de tecnologia?

Parte do desafio está nas escolas de tecnologia, onde a proporção de mulheres ainda é muito menor que a dos homens (10 a 20% em Ciências da Computação). Estamos fazendo alguns movimentos e investindo muito dinheiro no sentido de incrementar esse contingente. Um deles é trabalhar para que as meninas sejam estimuladas para entrar na área de STEM (ciências, engenharia, tecnologia e matemática) e participar de programas e mentorias para garotas nas universidades. A outra coisa é tratar de tornar o Google um ambiente mais amigável e convidativo para as mulheres. Há alguns anos nós lançamos aqui um programa sobre o preconceito inconsciente (unconscious bias ). Mais de 30 mil funcionários se submeteram ao programa que hoje é parte do treinamento de todo gestor.

Que tipo de atitudes vocês buscam mudar com o programa?

Temos pesquisas que mostram, por exemplo, que os homens dão menos pausas entre uma frase e outra do que as mulheres. Ou seja, abrem menos possibilidades de intervenções em suas falas. Isso diminui a chance de as mulheres se manifestarem, não porque sejam menos assertivas mas porque esperam mais tempo para começar a falar. Outro exemplo é que enquanto os homens costumam dar respostas mesmo quando elas sejam totalmente erradas, mulheres tendem a esperar para falar quando estão certas e seguras. O que nós fazemos não é impor uma mudança de atitude nos homens ou mulheres, mas simplesmente mostrar que isso acontece, fazer com que as pessoas tomem consciência. E queiram mudar.

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Vocês estão corrigindo as diferenças salariais entre homens e mulheres?

Não há diferença salarial entre homens e mulheres fazendo o mesmo trabalho no Google, ao contrário do que ocorre de uma forma geral nos Estados Unidos. Nós eliminamos completamente essa diferença logo na contratação, tratando de elevar os salários das mulheres e não o dos homens na entrada. Eles vem já com essas diferenças e se todas as empresas agirem assim, poderemos eliminar o gap de pagamento em 10 anos.

Como vocês avaliam a eficiência desses programas?

Em primeiro lugar nós medimos a retenção, e vemos quantas mulheres permanecem aqui . Um dia eu estava no chuveiro e pensei que deveríamos aumentar a licença que os funcionários teriam para ficar mais tempo com as suas crianças. Naquele momento estávamos dando 12 semanas de licença, que é a média aqui nos Estados Unidos. Eu pensei que deveríamos dar 6 meses com tudo pago, salários e bônus. Meus gestores acharam muito agressivo logo de cara, mas fechamos em cinco meses . O que vimos é que as mulheres voltavam de seu período de licença tão motivadas que sua produtividade aumentava ao invés de cair, como acontecia quando a licença maternidade e as suas condições eram piores.

Como vocês lidam com as diferentes perspectivas e atitudes de homens e mulheres nos processos de recrutamento e seleção?

Todas as vezes que vemos, por exemplo, que mulheres se saem piores do que os homens em determinado tipo de teste, damos um passo atrás e tentamos entender as razões, porque o que desejamos é que todo o processo não tenha nenhum viés. Uma das perguntas que nos traziam respostas aparentemente desequilibradas nesse sentido era quando pedíamos que os candidatos se auto-avaliassem, dando notas de 0 a 5. Homens sempre se avaliavam mais generosamente, outorgando-se uma nota maior do que as mulheres se davam. Depois de entender essa diferença, quando um homem se dava a nota máxima, ele já era eliminado porque até poderia ser ótimo mas era um babaca convencido. Se, por outro lado, uma mulher se dava nota máxima, nós a contratávamos, porque para ela se ela se avaliava tão bem, devia ser mesmo fora de série.

Vocês tem um programa de auto-indicação para promoções ou novos cargos na empresa. Mulheres se oferecem na mesma proporção que os homens?

Há claramente uma diferença de proporção de mulheres que se candidatam e nós detectamos isso. Quando o fazem, porém, são mais bem sucedidas. Mulheres que se auto-indicam são certamente mais qualificadas, do contrário não o fazem. Em média, os homens são bem sucedidos em suas candidaturas em 50% das vezes, as mulheres em 80%. Com esses dados nas mãos , enviamos um email a todas as mulheres da companhia com o propósito de estimulá-las à a se candidatarem para as vagas abertas. E o resultado, tão surpreendente quanto satisfatório para nós, é que a partir desse único email, as mulheres passaram a se oferecer mais e a ser mais promovidas. Nós constatamos o efeito da mensagem porque no ciclo seguinte de promoções, deixamos de fazê-lo e as indicações delas baixaram novamente.

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O que mais vocês aprenderam em relação às diferenças de comportamento nesse processo?

A maior lição desse processo para nós é que todas as vezes que lemos sobre o que impede as mulheres de ir adiante, ouvimos que elas deveriam ser mais como homens, mais assertivas, falar mais alto, serem agressivas. O que aprendemos em primeiro lugar é que a resposta não está em ser “mais como os homens”. Seja como você mesma, mas preste atenção, tenha consciência do que acontece do seu lado A segunda coisa muito importante é tratar do comportamento dos homens, eles é que tem que mudar, eliminar o viés inconsciente. Ou seja, nós podemos dizer às mulheres que elas tem que se comportar diferente, mas se os homens não mudarem, não forem sensíveis ao fato de terem que agir de forma a abrir esse espaço, entender que as pessoas tem estilos diferentes e diferentes formas de se colocar não vamos mudar esse desequilíbrio.

Como o Google lida para incorporar o erro em um negócio de tanto sucesso?

Imagine quando você era uma estudante e recebia uma prova do seu professor cheia de marcas vermelhas ao lado de cada resposta incorreta. A maioria de nós não se levantava para discutir com o professor e defender as respostas incorretas. Mas, de repente, estamos no mercado de trabalho, há mais em jogo do que uma nota e temos muito mais dificuldade em admitir: “Eu errei.” Nós, no Google, estamos trabalhando para tirar o estigma da admissão do erro. Nossos gestores estão trabalhando com a alternativa “pré-mortem” de um projeto antes de lançar qualquer produto. Eles desenvolvem o projeto pensando no pior cenário posssível, enfrentando e assumindo tudo o que pode dar errado no percurso. Por exemplo, Astro Teller, nosso engenheiro que lidera o projeto Google X apresenta o pre-mortem do seu time para todos os funcionários com exemplos dos seus próprios fracassos no passado. O resultado é que, a partir desse processo ocorrem menos erros, e quando eles acontecem, as pessoas se focam no que aprenderam com eles ao invés de tentar escondê-los ou tentar encontrar culpados.

Como você se sente ao trabalhar cercado por uma grande maioria de homens?

Quando eu estou no meu edifício no nosso campus, o departamento de Operação de Pessoas, vejo muitas mulheres e sinto que estou em um ambiente normal. Quando entro em algum dos edifícios dos engenheiros, onde existem muito menos mulheres, acho estranho. O mundo normal é dividido meio a meio.

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