Para mim, investir é como pronunciar “Eu te amo” em aramaico. Vi as planilhas no fim de Ganhar, Gastar, Investir – o Livro do Dinheiro Para as Mulheres (Sextante) e pela minha espinha circulou o arrepio que sempre a percorre quando o assunto é money. As autoras Denise Damiani e Cynthia de Almeida (colunista de CLAUDIA) sugerem anotar tudo que se gasta e onde, registrar quanto do suor vai para a Receita Federal, o que se desembolsa com saúde, prestações, presentes, taxas bancárias… Essa tarefa hercúlea não cabe no meu dia. Trabalho demais, cuido de muitas coisas, adoro dançar samba rock e tenho quem queira despender comigo horas bem animadas.
Correndo as páginas – e supondo a obviedade das lições – fui chifrada pela mesma búfala que derrubou Denise na Índia; e a fez mudar o jeito de ver a vida. Como a fêmea selvagem, o livro empurra para uma reflexão: vamos viver 90, 95 anos. Quem vai pagar a conta? Mulher independente, que não contou com o pai e os maridos (quase todas já tivemos dois ou três), acredita que alguém cuidará das finanças por ela? Se não esperou o fofo do cavalo branco, faz sentido aguardar um agente do mercado cair do céu ou um gerente benevolente que dê informações privilegiadas sobre a Bolsa?
Por sugestão do livro, fui rever a trajetória da minha indiferença com o dinheiro.
O PRECONCEITO
Quando li na orelha que Denise Damiani é engenheira de sistemas digitais, com Executive MBA da Harvard Business School, especializou-se na Suíça e fundou a primeira empresa home banking do Brasil, eu disse: “Não, não é para o meu bico!” Segundo a ideia preconcebida e congelada, só um investidor profissional pode brincar de Rei Midas. Descendo mais fundo achei uma frase que me acompanha:
“Na casa onde o dinheiro entra pela porta da frente, a amizade foge pela janela”
Atribuo a autoria da frase ao meu avô libanês. Nem sei se é verdade, se ele profetizou isso mesmo ou se concebi a imagem só para justificar meus mitos. Emprestei da história de Habib Zaidan uma aura nobre para dar à displicência. Ele plantou azeitonas no pé das montanhas verdes de Kousba, saiu escondido em um porão de navio aos 18 anos, dormiu numa praça da Filadélfia, fez independência financeira naqueles Estados Unidos dos anos 1800. Veio para o Brasil, tentou uma fazenda, um bar e faleceu na casa 14, alugada, da rua Constituição, em Uberaba, Minas Gerais. Mas deixou família honrada e unida.
Os filhos eram criativos, tinham o dom da liderança, fizeram rádio, jornal, TV, loja, dirigiram banco. E morreriam de amor, uns pelos outros, se fosse preciso. Jamais se curvaram à ganância. Nunca cultuaram o ouro. Como é heroica e poética essa saga de paixão acima de qualquer cobiça! Aliás, poetas, músicos, artistas e visionários passam a mensagem de que na genialidade não cabe o dinheiro. Caetano desconfia da grana que ergue e destrói coisas belas. Os boêmios e perdulários sempre parecem mais charmosos e interessantes. Vivem com arte. E viva a extravagância!
Pode ser que a ideia da sentença libanesa seja esta: a família que pega em espada por herança, não divide encargos e não suporta ver um deles enriquecer termina ardendo na fogueira das vaidades. É um clã muquirana. Grudado a tostões. A amizade escapará pela janela, porque não há ali irmãos, mas avaros sem coração. O poupador, na minha formação, é o cara desprovido de afeto, egoísta, apegado a bens materiais. E ambição, palavra maldita, pode criar adversários e antagonistas. Esses dogmas vão entrando pelos poros, produzindo a falsa crença de que o desapego enleva o caráter. Já o pensamento dinheirista esfria as relações, desencoraja a solidariedade – tanto faz se a trupe é espiritualista ou cheia de ateus.
O MEU LADO FINANCISTA
Sim, eu tenho. E gosto. Em uma empresa de jornalismo, bati o pé. Queriam me contratar, mas não aceitavam meu desejo de ganhar mais. Ouvi: “Veja bem, o valor que pleiteia é de um cargo acima, não o tenho para oferecer no momento”. Devolvi: “Então, deixe cargo para lá e entregue a grana. Me viro bem sem ele no cartão de visita, mas preciso dela no holerite”. Fiquei.
Uma outra vez, briguei na Justiça em embates que duraram 11 anos e percorreram todas as cortes. Onde apliquei o dinheiro? Nem sei. Ou sei: investi conservadoramente. Pedi a alguém para apontar onde estava rendendo bem, e pronto. Nunca mais acompanhei, não entendo dos humores e da rinite alérgica do mercado. A jornalista Mara Luquet, que fala sobre finanças pessoais no rádio e na TV, já declarou que faz bobagens com os próprios cifrões. Isso até lhe conferiu um certo glamour.
Por que lutei com unhas e dentes na Justiça e não abri o bom combate para multiplicar o valor da sentença que o juiz arbitrou em meu favor?
Sou mais de lutar na batalha do que de usufruir os louros. “Ela instiga, prepara para a próxima” – raciocínio típico de mulher. Mas passou da hora de entender que os louros e as glórias são casados com a guerra vitoriosa. As mulheres fortes nos ensinaram a ir trabalhar, cavar espaço e buscar o dinheiro para sair do casamento ruim. Ou reformar a casa para abrigar os filhos e dar a eles curso de inglês. Para por aí. Está faltando ensinar o prazer: sem dinheiro não se compra o deleite; não se voa alto. Por isso, continuamos sendo as pobres do planeta. Cynthia de Almeida lembra a parte mendiga das relações homem-mulher: no mundo inteiro, ganhamos menos (em média 25%), gastamos mais e (pior!) investimos quase nada.
O TABU
Não lembro de tratar sobre dinheiro uma única vez com minhas amigas – aquelas íntimas para quem conto pecados. Desconheço quanto ganham e se guardam algum. Se a geração das nossas mães sequer abriu uma caderneta de poupança, com quem vamos aprender? Monetarizar a conversa não é, necessariamente, precificar os sentimentos. Acho que Bete, esperta como é, e Eliane Greice, uma pragmática ímpar, poderiam escarafunchar ideias que nos rendessem uma velhice com vinho, saúde plena, pernas boas para rodar o mundo e viver experiências alegres. Temos planos para tudo isso. Só nos falta a verba futura para irrigar os prazeres que hoje, na idade produtiva, costumamos bancar.
O RESUMO
Do livro, pincei uma declaração da imortal Nélida Piñon, primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras. Ela terminou sua gestão com o caixa da instituição tinindo e impecável. Quando menina, queria ser escritora, viver de literatura, mas temia morrer de fome. Lutou sozinha, chegou ao topo com a obra reconhecida. Nélida contou uma memória que reflete a base de sua ascensão: “Eu criava historinhas e as vendia para o meu pai”. Arte é uma coisa; pôr preço nela, outra. As duas coexistem pacificamente sem pecado e sem culpa.