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Na rede pública, o ensino à distância escancara a desigualdade social

De Norte a Sul do Brasil, professores e alunos precisam superar barreiras estruturais para continuar com as aulas

Por Colaborou: Gabriela Teixeira
Atualizado em 4 Maio 2020, 14h35 - Publicado em 3 Maio 2020, 10h29
Estudante
 (Reza/Getty Images)
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Como professores da rede pública de ensino, Cristiane Dias, Ivonete Dezinho e Marinaldo Sarmento sabem bem que o ofício não é um mar de rosas. Mesmo assim, com determinação e paixão pela profissão, os três procuram diariamente contornar adversidades e tornar suas salas de aulas exemplos de ensino. Não por acaso estavam entre os vencedores da edição de 2018 Prêmio Educador Nota 10, criado em 1998 pela Fundação Victor Civita que, desde 2014, realiza a premiação em parceria com Abril, Globo e Fundação Roberto Marinho. Nenhum deles, porém, se encontrava completamente preparado para lidar com as súbitas transformações na educação que a pandemia do novo coronavírus causou.

Professora de português e inglês, Cristiane leciona na rede estadual da cidade de Criciúma (SC) se dividindo entre duas instituições: a Escola de Educação Fundamental Professor Lapagesse e a Escola de Educação Básica Professor Pedro da Ré. Ambas estão com as aulas presenciais suspensas desde meados de março, quando foi decretada situação de emergência no estado. A transição para o formato de Ensino à Distância (EAD) precisou ser feita em tempo hábil e, para que a Secretaria de Educação catarinense pudesse se preparar, o recesso de quinze dias do meio do ano foi antecipado. Nesse período, conta Cristiane, o Governo do Estado fechou uma parceria com o Google e foram criados emails institucionais para todos os professores e alunos da rede, além de salas virtuais na plataforma Google Classroom. As aulas virtuais começaram ao final da primeira quinzena de abril, com transmissão pelo Youtube.

 

Apesar da ausência de classes informatizadas na maioria das escolas da rede estadual de Criciúma, Cristiane já fazia do celular uma ferramenta pedagógica e não teve tantas dificuldades para se adaptar à nova rotina, mas sabe que não é regra. “Tivemos que aprender a toque de caixa, de forma muito rápida. Claro, a rede está dando suporte, os professores que conhecem o sistema também vão ajudando. Apesar de ser tudo novo, tem funcionado e as aulas estão acontecendo. Até que bem, eu diria”, conta ela, que espera que, uma vez terminado o isolamento e a pandemia, haja um investimento nas escolas para que seja possível continuar usando a tecnologia em sala de aula.

Cristiane Dias
Os estudantes da rede estadual de Criciúma (SC) agora usam o Google Classroom para assistir as aulas da professora Cristiane Dias (Prêmio Educador Nota 10/Repodução/ Youtube)

Há 33 anos na área da educação, também a primeira vez que Ivonete Dezinho, de Naviraí (MS), enfrenta uma situação como essa e, como seus colegas de profissão, precisou reformular seu plano de aulas. Ensinando matemática para estudantes do fundamental na Escola Municipal Professor Milton Dias Porto, ela tem dado aulas através de vídeos e textos enviados para grupos criados no Whatsapp com os alunos de suas turmas. Já implementada na rede estadual sul-mato-grossense, a adoção do Google Classroom ainda está em fase de discussão no âmbito municipal. Entre os desafios do EAD, ela aponta a falta de equipamentos adequados para poder ministrar suas aulas. “Gravar um vídeo acaba tomando muito mais tempo do que planejar uma aula no papel e depois . Para filmar, precisei pedir ajuda para minha filha, pois não deu certo apoiar o celular nos livros. E a gente também fica tímido, meio travado”, relata.

Desconectados

Mas, sem dúvidas, o maior obstáculo para o sucesso do sistema EAD está nas dificuldades que muitos alunos possuem para acessar a internet. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2018 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 46 milhões de brasileiros não acessam a rede. Entre eles, está boa parte dos alunos de Marinaldo Sarmento, único professor da Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Jupariquara, instituição ribeirinha localizada na região de ilhas do município de Barcarena, Pará. Lecionando para uma turma multisseriada de dezoito educandos com idades de 4 a 12 anos, o professor tem contado com o auxílio do barqueiro responsável pelo transporte dos alunos até a escola para manter o funcionamento das aulas. “Ele se desloca até a sede do município, onde retira as atividades elaboradas e, em posse delas, realiza a entrega nas residências dos alunos. Depois essas tarefas são repassadas a mim para que eu possa corrigi-las”, explica Marinaldo. Em caso de dúvidas, os alunos podem entrar em contato com ele por meio de chamada de vídeo no Whatsapp.

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Marinaldo Sarmento
Com dificuldades de acesso à internet, os alunos paraenses da escola ribeirinha onde Marinaldo Sarmento leciona recebem as atividades impressas entregues por um barqueiro (Prêmio Educador Nota 10/Repodução/ Youtube)

O novo sistema tem sido recebido com certa dificuldade entre as crianças e também entre seus pais, que, por não possuírem um bom grau de escolaridade, não conseguem dar o suporte necessário aos filhos no momento da realização das atividades. “Percebo através das falas de alguns pais que os alunos menores são os que sentem maior dificuldades nesse novo processo de adequação. Muitos se recusam a aceitar os pais como professor e não querem realizar a tarefa proposta”, conta o professor.

Entre os alunos de Ivonete e Cristiane que possuem dificuldades no uso da internet, os pais também estão desempenhando um papel fundamental na continuidade do ensino, buscando as atividades impressas nas escolas. Ambas contam que, em alguns casos, uma família possui mais de um filho matriculado na instituição de ensino e estes alunos dependem do mesmo aparelho celular para acompanhar as aulas e fazer os exercícios. Mas, curiosamente, o ensino à distância serviu para aproximar pais e professores. “Acho que hoje tenho conversado muito mais com eles do que costumava durante as reuniões no final do bimestre. Eles estão mais a par do aprendizado”, diz Ivonete. Alguns limites precisam ser impostos, contudo. “Se a gente não tomar cuidado, acaba respondendo perguntas de pais e alunos até uma hora da manhã, coisa que não aconteceria na escola, onde há horário de atendimento. Em casa, a gente está trabalhando duas vezes mais”, Cristiane revela. 

Desfecho incerto

Ivonete Dezinho
Para continuar a ensinar matemática, a professora Ivonete Dezinho montou grupos com os alunos no Whatsapp (Prêmio Educador Nota 10/Repodução/ Youtube)
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A imprevisibilidade do final da pandemia e da retomada das aulas fez surgir nas redes sociais alguns debates sobre a possibilidade de cancelamento do ano letivo das escolas e do semestre para as universidades. Para Cristiane, Ivonete e Marinaldo, tomar tal medida neste momento parece uma atitude precipitada, pois acarretaria prejuízos na aprendizagem que ultrapassam os causados pelo ensino à distância. Mesmo sem realizar provas e testes, os alunos ainda podem ter seu desempenho mensurado a partir da entrega de trabalhos e atividades propostas justamente para substituir as clássicas avaliações. Todavia, caso não haja o retorno às aulas cogitado para os meses de maio ou junho, os professores sabem que será preciso um trabalho conjunto com as Secretarias de Educação para reestruturar mais uma vez os métodos de ensino.

Incertezas também assombram os alunos que prestarão o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) este ano. Pela primeira vez, parte dos inscritos poderão fazer a prova digitalmente, cuja data de realização foi alterada para os dia 22 e 29 de novembro, enquanto que a impressa está marcada para os dias 1º e 8 do mesmo mês. Além das mudanças no cronograma, os estudantes da rede pública se preocupam em ter seu desempenho prejudicado pela pandemia em comparação aos concorrentes que frequentam escolas particulares, para quem a prova se torna uma prioridade. “Na escola pública os alunos estudam meio período, às vezes trabalham para ajudar a família e, em alguns casos, só participam do Exame por causa de um incentivo da instituição. Vai ter quem consiga? Sim, mas precisará correr duas vezes mais do que todo mundo”, lamenta Cristiane.

Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva:

 

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