“Naquele domingo, voltávamos da praia, onde passamos o fim de semana em companhia da minha sogra, da minha mãe e do marido dela. Eram 10 da noite quando, já em São Paulo, estacionamos em frente à casa da minha mãe. Algumas pessoas saíam de um culto em uma pequena igreja, a cerca de 300 metros do local onde paramos. Ela e meu padrasto desceram do carro, assim como Roni, meu marido, que foi retirar a bagagem deles do porta-malas.
Fiquei sentada no banco do passageiro, segurando a Cacau, nossa cachorrinha. E foi dali que os vi passar lentamente, quatro rapazes que ocupavam um Gol. Senti um arrepio imediato, pressentindo algo ruim, mas eles seguiram até o fim da rua e entendi que tinham ido embora, então me acalmei. Só que eu estava errada. Ou melhor, certa em meu pressentimento.
Em poucos minutos, três deles caminharam em nossa direção anunciando o assalto, um deles armado. Roni, ainda debruçado no porta-malas, não percebeu a ação de imediato. Quando se deu conta, quis tentar acalmar os criminosos. Ele então caminhou até a frente do carro e perguntou o que estava havendo. Alto e forte, dono de um físico de atleta, já que era paraquedista profissional, talvez os tenha assustado.
A princípio, todos correram. Porém, inexplicavelmente o bandido que estava armado se voltou para nós. E, ainda que ninguém tenha reagido, ele mirou o peito do meu marido e atirou. Roni caiu na calçada. Tentou levantar, caiu de novo, levantou mais uma vez, alcançou o carro e me pediu que o levasse para o hospital.
Começavam as piores horas da minha vida. Com meu marido morrendo no banco de trás, dirigi alucinadamente. Subi em calçadas, buzinava e gritava desesperada para que abrissem o caminho. Acabei cruzando com uma viatura policial, que me escoltou para completar o trajeto. Chegando ao hospital, uma equipe de emergência já nos aguardava na porta e Roni foi socorrido muito rapidamente, o que me deu alguma esperança. Fiquei paralisada, agarrada à Cacau, vendo a maca ir, completamente ensanguentada. Não sabia que aquela seria a última vez em que o veria vivo.
Na mesma noite, um dos assaltantes foi preso. Apesar de ainda estar em choque, tomei um banho rápido e segui para a delegacia horas depois da ocorrência para reconhecer o bandido capturado e seus comparsas, cujo nome ele entregou – todos, aliás, já conhecidos na delegacia por passagens anteriores. Ao olhar para aquele homem, me desesperei. Esmurrei o vidro que nos separava com tanta força que machuquei o ombro.
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Mais calma, fui conduzida a um computador onde me mostraram os outros três suspeitos em uma rede social. Sim, o assassino do meu marido estava ali, com um perfil ativo no Facebook, rede social na qual, entre um crime e outro, postava como qualquer pessoa. Os temas mais frequentes diziam respeito à filha pequena, família e religião, o que me deixou ainda mais revoltada. Contudo, encarei as pistas com otimismo. Na minha cabeça, estando online e dando tanta bandeira, logo todos seriam capturados. Decidi que não ia descansar enquanto isso não acontecesse.
Nos dias que se seguiram, minha rotina se resumiu ao trajeto casa, trabalho, delegacia. Além disso, por conta própria, passei a monitorar os três bandidos no Facebook. Compartilhava cada novidade com a polícia. Porém, depois de encaminhar o inquérito e o pedido de prisão preventiva dos suspeitos ao Ministério Público, a delegacia onde o caso foi registrado alegou que não poderia fazer nada mais.
Tentei argumentar, lembrei que era possível localizá-los, que eles já até tinham cometido outros crimes depois daquele que vitimou meu marido. Entre justificativas diversas, como falta de contingente ou mesmo de policiais treinados para aquele tipo de captura, a resposta seguiu negativa, não poderiam fazer mais nada.
Eu não conseguia me conformar e, enquanto pensava em como sensibilizar novamente os policiais, continuei minha investigação paralela, tendo apenas a Cacau como companhia e testemunha. Ao longo de pouco mais de quatro meses, monitorei absolutamente tudo que cada um dos bandidos havia postado a partir do dia 20 de janeiro, quando o crime ocorreu. Também concedi algumas entrevistas, e, com isso, pessoas da comunidade onde eles viviam começaram a me procurar no Facebook. Eu tinha medo de interagir, mas, com a ajuda de uma irmã do Roni – a única que sabia que eu seguia acompanhando os suspeitos –, obtive até os contatos de WhatsApp de parentes do assassino. Montei um dossiê completo.
Em meio a tudo isso, resolvi fazer krav magá (técnica israelense de luta e defesa pessoal) para desestressar. Não estava pronta para retomar a vida social, mas precisava de uma válvula de escape, em um ambiente em que minha história fosse desconhecida. Certo dia, a única amiga que fiz na aula perguntou se eu era casada, se tinha filhos. Acabei contando que havia ficado viúva fazia pouco tempo. Para minha surpresa, estava diante da promotora de justiça Cintia Marangoni, que se interessou em saber como estava o caso e, mais do que isso, em me ajudar a procurar ajuda de outra delegacia para resolvê-lo.
Cerca de uma semana mais tarde, eu pisava pela primeira vez no Departamento de Capturas e Delegacias Especializadas. Foram quatro horas e meia de conversas, relembrando o dia que eu tanto queria esquecer, esmiuçando os detalhes da minha apuração solitária. Escutei finalmente o que tanto esperava. A delegada Ivalda Aleixo me afirmou categoricamente que, a partir daquele minuto, prender o assassino do meu marido e seus cúmplices era prioridade.
Em uma terça-feira, pouco mais de dez dias depois da conversa, a palavra da delegada Ivalda se cumpriu. Acordei por volta das 6 da manhã com a mensagem dela: ‘Fique tranquila, todos presos’. Com base em meu dossiê, o trabalho de inteligência do departamento encontrou os suspeitos em um barraco onde se escondiam, bancados pela irmã do homem que atirou no Roni.
Eufórica, mal conseguia acreditar que aquele dia tinha chegado. Liguei para minha cunhada, para o filho do Roni e para alguns amigos. Em seguida, fui para a delegacia. Precisava olhar na cara do assassino. Diferentemente do encontro com o primeiro bandido preso, neste eu estava tranquila, com a sensação de que a justiça enfim chegara.
Familiares e amigos só tomaram conhecimento da minha odisseia no dia da captura. E, claro, muitos me chamaram de louca por me arriscar tanto. O que ninguém entendeu foi que eu jamais tive escolha. Não poderia seguir sem justiça, sem fazer pelo Roni o que ele com certeza faria por mim.
A prisão dos criminosos não trouxe meu marido de volta, mas devolveu a tranquilidade da minha sogra, a minha dignidade e a minha vida. No domingo seguinte, consegui mexer nas coisas dele. Estava tudo exatamente do jeito que Roni deixou quando saímos para viajar sem saber que ele não voltaria. Tomei coragem, uns goles de vinho e disse a mim mesma que era hora de permitir que ele partisse em paz, tendo a certeza de que também seria capaz de continuar.”
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