Escrever sobre maternidade foi praticamente um chamado para Manuela Dias, roteirista de Amor de Mãe, nova novela das 9 da TV Globo. Num primeiro momento, a autora havia apresentado outra sinopse à emissora, mas a história mudou quando a filha nasceu. “Perdi três bebês, um deles com cinco meses de gestação. Então, Helena foi muito desejada. Com a chegada dela, minha vida se ampliou e muita coisa ganhou um sentido novo. Junto com o filho, nasce a mãe”, diz. Outra grande inspiração para Manuela foi a mãe dela, a produtora e atriz Sônia Dias, que a apresentou ao mundo do teatro e a incentivou a escrever.
Em sua estreia no horário nobre, Manuela tem trabalhado cerca de 15 horas por dia. Para aproveitar todo o tempo de que dispõe para ficar com a filha, ela abre mão de dormir. Conta também com o cineasta Caio Sóh, definido por ela como um superpai. Hoje Manuela namora Murilo Benício, que atua na novela, no papel de Raul. Ao lado dele, o filho que teve com Alessandra Negrini, Antonio Benício, estreia na Globo. Sobre a vida pessoal, a escritora é bem discreta e, quando questionada sobre como é trabalhar com o namorado, diz que pensa nos personagens e nas possibilidades do ator, e não na relação que tem com a pessoa. Mas que isso parece coisa de novela, parece.
CLAUDIA: Como é seu processo de criação?
Roteirista trabalha com transpiração, não com inspiração. Já escrevi mais de 5 mil páginas e, até o capítulo 55, coloquei no papel todos os diálogos sozinha. Tenho uma equipe maravilhosa e a supervisão do Ricardo Linhares e do Silvio de Abreu, que iluminam a todos com suas orientações. Mas sou freak do controle. Agora até consigo passar para outras pessoas essa função. Só que, quando chega para mim, reescrevo tudo. Minha rotina é puxada. Acordo, tomo banho e entro na vida ficcional. São 15 horas por dia, sete dias por semana. Na verdade, domingo trabalho um pouco menos.
CLAUDIA: Como lida com o dilema de conciliar maternidade e trabalho?
Para ficar mais com a Helena, faço qualquer coisa. Por isso, limei o dormir. Durmo o que dá. Coloco na cama à noite, levo para a natação, acompanho no que posso e deito às 4 e meia da manhã. Estou cansada já faz um tempo, mas tenho uma realidade bem diferente da maioria das mulheres. Não preciso ficar cinco horas do meu dia na condução. Sou privilegiada e tenho consciência disso. Sendo mãe, posso dizer que a maternidade é muito pouco celebrada. O cara troca uma fralda e as pessoas batem palmas. Claro, seu filho faz cocô, parabéns, viu?
CLAUDIA: Como é a relação com sua mãe?
Ela sempre me inspirou muito. Tenho um pai maravilhoso, presente, mas ela, produtora e atriz, 30 anos mais velha do que eu, foi meu alicerce. Somos muito próximas. Minha mãe teve uma vida agitada, ela era nômade. Até os 19 anos, quando fui morar sozinha, vivemos em 20 endereços diferentes em diversos lugares do Brasil. Ela gostava de mudar. Às vezes era por trabalho; outras, não. Uma loucura! Em um ano, cheguei a morar em três estados. Para mim, foi bom. Como amo estudar, nunca repeti de ano e passei a criar estratégias para fazer amizades. Batia de porta em porta para saber onde tinha criança e falava: “Me chama pra brincar, por favor”.
CLAUDIA: Sua mãe a influenciou na carreira?
Ela era produtora de cinema, de teatro, de tudo. Fez até Rio Eco 92. Minha mãe dizia que não éramos classe média, mas classe artística. Às vezes tinha dinheiro; outras, não. E assim íamos. Em 1987, quando eu tinha 6 anos, precisavam de uma criança para representar um Hare Krishna mirim na peça Canibais Eróticos, do Ciro Barcelos. Assim virei atriz – entrava em cena incensando o teatro. Aos 7 anos, ganhei da minha mãe um livro de mitologia grega e passei a estudar grego arcaico. Eu me empenhei tanto que consegui ler os originais de Aristóteles, por exemplo. Isso ajudou na minha formação. Passava horas lendo e escrevendo e, aos 19 anos, redigi minha primeira peça de teatro. Logo em seguida, em 2000, fui chamada para colaborar com o seriado Sandy & Junior, na Globo, onde estou desde então. Fui roteirista de A Grande Família e de Joia Rara. Passei pelo Zorra Total também. O bordão “Tô pagando!” é meu!
CLAUDIA: Você fez um curso de roteiro com Gabriel García Márquez em Cuba. Como foi?
Imagina um dos maiores mestres da literatura dando aula. Eu tinha uns 27 anos, e a Escuela Internacional de Cine y TV abrira inscrições para roteiristas do mundo todo. Em umas das aulas, você mandava para Gabriel ideias que gostaria de desenvolver. Ele era incrivelmente impaciente com ideias ruins e dizia: “Si, si, mas cuál es la buena?” (em tradução livre, “sim, sim, mas qual é a boa?”). Não tinha condescendência, era um professor muito voraz. A experiência em Cuba foi além dele, foi algo para a vida. Fiquei um mês e voltei transformada. Um outdoor na rua avisava: “Hoje à noite, 500 milhões de crianças vão dormir na rua. Nenhuma delas é cubana”. E, realmente, não havia pessoas em situação de rua. Claro que isso foi há 15 anos e todos os regimes têm seus problemas.
CLAUDIA: Amor de Mãe fala da relação entre mães e filhos. Por que elegeu esse viés?
Quando comecei a escrever esse projeto, a sinopse era outra. Mas no meio do processo criativo me tornei mãe, e a novela mudou. A história nasceu com minha filha e precisava falar de maternidade. Toda mãe parece um ser mágico que não consegue fazer coisas para si mesma, mas faz pelos filhos. É uma figura central da civilização. Tem um poder fascinante. Ninguém quer fazer feio na frente da mãe, nem o pior dos assassinos. A mãe consegue entender e ir abraçar o filho assassino na cadeia no dia de visita. Tem uma ligação com a vida e com a solidariedade que ninguém mais tem. Precisamos exaltar essas características tão intrínsecas às mães. A novela é uma ode à mãe brasileira. Nosso país é feito de mulheres fortes e guerreiras.