Livro conta história da jovem que sobreviveu a dois campos de concentração
Baseado na vida de Cecilia Klein, 'A Viagem de Cilka' retrata a rotina de prisioneiras dos regimes nazista e soviético durante a Segunda Guerra Mundial.
Imagine sobreviver aos horrores de um campo de concentração nazista por três longos anos.
Imagine perder mãe e irmã para as câmaras de gás e a febre tifóide que assolava os barracões e desconhecer o paradeiro do pai, que também havia se tornado prisioneiro do regime de Adolf Hitler.
E então, um dia, descobrir que está livre.
Somente para ter essa liberdade roubada outra vez.
Esta é a história de Cecilia Klein, protagonista de A Viagem de Cilka (Planeta de Livros), da autora neozelandesa Heather Morris. Inspirado em acontecimentos reais, o livro narra a trajetória da jovem Cilka, como prefere ser chamada, que após a liberação de Auschwitz, em 1945, é acusada de ter trabalhado para os nazistas que lhe faziam prisioneira e condenada pelos soviéticos a uma sentença de 15 anos de trabalhos forçados em um gulag na Sibéria.
Morris conheceu a história de Cilka através de Lale Sokolov, personagem central de seu primeiro best-seller, O Tatuador de Auschwitz. Para relatar a história dela, contudo, a escritora não pode contar com a conexão física que teve com Lale, uma vez que a real Cecilia Klein faleceu em 2004, aos 78 anos. “Outro desafio foi não ter acesso a ninguém que viveu em um gulag para ter em primeira mão suas experiências pessoais. Tive que aprender por meio de uma pesquisadora de Moscou como era a vida em um gulag siberiano”, contou a escritora em entrevista a CLAUDIA. “Para combater a angústia desse material, visitei Kosice, na Eslováquia, e passei um tempo com os amigos e vizinhos de Cilka, que compartilharam memórias e histórias dela. Foi assim que ela ganhou vida e pude escrever sobre a jovem incrível e corajosa que se tornou uma mulher amorosa e compassiva.”
Em seus anos na Sibéria, Cilka conviveu com diversas outras mulheres: outras prisioneiras com quem dividia o barracão onde morava, chefes de brigadas, enfermeiras e médicas. Apesar das duras condições de vida e do desespero pela sobrevivência, todas são donas de uma grande força de espírito, que se torna ainda maior quando deixam de lado as desavenças e se unem. Morris acredita ser justamente essa união que as ajudou a sobreviver aos gélidos campos soviéticos. “As amizades que elas compartilhavam certamente as levariam a se apegar a todo último grão de esperança de que deixariam a prisão.” Além disso, o desejo de rever a família, em especial os filhos, e o senso de injustiça de terem sido privadas por cometerem pequenas infrações também seriam “uma força motriz para querer ver o sol nascer no dia seguinte.”
É impossível, aliás, ler A Viagem de Cilka sem se indignar com o motivo que justificaria sua prisão na Sibéria. Estuprada por um comandante nazista, Cilka acaba acusada de ter intencionalmente ter oferecido serviços sexuais aos oficiais e colaborar com o regime, em troca de não ser mandada para a execução na câmara de gás. Mas os soviéticos não são os únicos a duvidar do estupro. Após a publicação de seu livro, Heather Morris foi criticada por historiadores e familiares de Klein, que afirmam ser impossível que a jovem judia tenha tido qualquer tipo de relacionamento com seus algozes, consensual ou não, uma vez que os soldados, em tese, seguiam o Rassenschande (conceito da política racial nazista que condenava a miscigenação) e que era proibida a presença de judias nos bordeis existentes nos campos.
Para Heather, é absurdo acreditar que não existiram casos de violência sexual nos campos de concentração, eles apenas foram acobertados pelo silêncio das partes envolvidas. “Havia a vergonha que essas mulheres levariam para o resto da vida, podendo ser discriminadas por suas comunidades. Por isso somente agora, quando essas mulheres estão com noventa anos, ouvimos falar sobre os abusos sexuais que sofreram durante o Holocausto”, lamenta.
Para seu próximo livro, Stories of Hope, ainda sem previsão de lançamento no Brasil, a neozelandesa tem colhido relatos de pessoas que encontraram esperança em acontecimentos trágicos e traumáticos da vida. “A esperança é a última coisa que morre. Todos nós nos apegamos a ela até nosso último suspiro. Vale a pena compartilhá-la, comemorá-la. É o que nos une como seres humanos”, diz, acrescentando que encontra força e inspiração ao ouvir tais histórias. E recomenda: tornar-se vulnerável dividindo a dor, o trauma e a culpa ou dispôr-se a escutar quem deseja falar é uma experiência enriquecedora para ambas as partes, que todos deveriam tentar.
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