“Estamos juntos! Isso é o que o meu sorriso diz a ele o dia inteiro”
Em depoimento emocionante, a estilista Raquell Guimarães, finalista do Prêmio Claudia 2015, divide a história da adoção do seu filho Bebeto
“Sou mãe pela terceira vez. Em dezembro, esse mês meio mágico em que alguns homens ainda preservam o espírito das luzes, recebi um anjo. Agora sou mãe de três filhos homens. Amigos, a adoção é um ato de amor sim, mas além de amor pra dar, é preciso uma dose cavalar de generosidade e coragem. Tomei três caixas dágua dos três e trouxe um lindo menino autista pra casa.
Meu mais novo (e mais velho) filho, ficou órfão de pai, mãe e irmãos. É duro. É corte fundo na carne sem anestesia. Não é história pra caber em post de facebook, é enredo para ópera em três atos. Mas agora ele tem tudo outra vez: Pai, mãe, irmãos, cães, gatos e casa. Ontem estivemos pela primeira vez na casa em que ele morava, alguns objetos o fizeram chorar muito, foi bem triste. Ele foi reunindo algumas coisas e me dando, por fim quis que eu usasse uns sapatos que foram de sua mãe. Tudo isso na mímica e sem palavras. Ele fala apenas “sim”, “não” e “mãe”. Ele é especial. Além de um pé no autismo ele tem uma lesão cerebral que o limita em algumas coisas. Mas ele sabe amar. Isso, pra mim, é o que basta. Quem sabe amar sabe viver, sobreviver e ser feliz. O amor dele vem de um coração muito sincero, devastado pela morte de todos os seus, perdido com a perda das referências quase todas. Mas agora estamos juntos! Isso é o que o meu sorriso diz a ele o dia inteiro.
Neste momento estamos na praça de alimentação de um shopping center onde vim fazer um enxoval pra ele. Algumas pessoas olham com pena e outras com preconceito. A maioria não nos nota porque a maioria não sabe enxergar o outro. As que olham com pena ficam excessivamente simpáticas e beiram o ridículo e as que olham com preconceito querem logo que eu saia da frente delas só porque ele chupa picolé sem a coordenação motora necessária para comer Sushi com a rainha da Inglaterra…. Ah, mas eu o beijo e penso: Meu filho amado, você acaba de me ajudar a dar um salto na busca do sentido da existência humana. Se a gente não vem aqui servir e amar nosso próximo, a gente pode ir embora pois está apenas roubando tempo da vida e água do planeta.
Obrigada, meu marido Marco Antônio Lage, companheiro de TODAS as horas, parceiro nos sonhos, nas lutas, nos desafios. Aquele que corre comigo pra me abrigar da tempestade e me traz o mar quando o sol está quente. Aquele que sabe ser um pai perfeito para a família que nem em meus maiores sonhos eu poderia achar que merecia. Aquele que quando me vê exausta compreende meu cansaço e me revigora dizendo que sou a melhor mãe do mundo. Agora sou mãe de três e você pai de cinco. Viva o nosso Bebeto, que voltou a sorrir porque se sente acolhido e amado.”
Conheça o trabalho de Raquell Guimarães, a estilista que levou a arte de tecer e costurar para um presídio masculino em Minas Gerais.
Em um canto de Minas Gerais, mãos atentas e precisas tecem fios de lã com agulhas de tricô ou crochê. Assim, ocupam o tempo e espantam maus pensamentos. A cena seria absolutamente comum não fossem por alguns detalhes. Os artesãos são homens, presos no Complexo Penitenciário Público-Privado de Ribeirão das Neves, a 40 quilômetros de Belo Horizonte. “Mulheres conversariam, mas nós fazemos silêncio para não perder a concentração nem errar a contagem dos pontos”, explica Tiago Duarte de Almeida, 26 anos, condenado por tráfico e porte de armas. Ele e seus colegas de ateliê fazem parte da equipe da estilista Raquell Guimarães.
Foi graças à contratação de condenados que a mineira conseguiu alavancar sua marca, a Doiselles. Hoje, uma peça custa em média 800 reais. Blusas, coletes e cachecóis são vendidos em países como Japão, França e Estados Unidos. Criada entre a fazenda da família e as tecelagens do pai e do avô, Raquell cursou moda enquanto trabalhava como aeromoça. Recém-formada, abandonou a aviação e montou um ateliê de tricô em Juiz de Fora, sua cidade natal, onde tricotava com a mãe e a avó. Depois de apresentar sua produção para a Associação Brasileira da Indústria Têxtil, em 2008, foi chamada a participar de uma feira em Paris, na qual fechou vários pedidos. Na volta, deu-se conta de que não dispunha de mão de obra para tantas entregas. Tentou solucionar a questão contratando donas de casa. “O problema era que, como cada uma trabalhava na própria residência, ficava difícil seguir um padrão de acabamento”, conta a estilista. Foi então que Raquell teve a ideia de empregar detentas do presídio local. Em uma conversa com a administração da penitenciária, conseguiu permissão, mas havia uma ressalva: ela só poderia usar mão de obra masculina – para aproveitar um ateliê já montado no presídio para a manufatura de tapetes. O desafio foi aceito, mas havia outro obstáculo pela frente. Ela teria de se responsabilizar pela entrada de agulhas na cadeia. “Pedi para falar pessoalmente com eles e levei duas agulhas comigo. Queria sentir o clima.”
No ano passado, Raquell transferiu o ateliê para o presídio de Ribeirão das Neves, mais próximo de Belo Horizonte, onde ela vive agora. Lá trabalham 30 homens. “Minha mãe já me pediu para ensiná-la a tricotar quando eu sair daqui”, conta Almeida, que está a cinco meses de ser libertado. Cada três dias de trabalho rende ao detento um dia a menos na cadeia e recebem três quartos de um salário mínimo por mês para usar em liberdade. “Raquell devolveu sensibilidade a mãos violentas”, diz o psicólogo Genilson Ribeiro, gerente de atendimento do complexo.
Raquell Guimarães foi finalista do Prêmio CLAUDIA 2015 na categoria Negócios.