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Empreendedoras negras temem mais perder clientes do que ficarem doentes

Segundo pesquisa, 79,4% responderam que não tinham reserva financeira para sustentar o negócio durante a pandemia

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 abr 2020, 18h55 - Publicado em 25 abr 2020, 18h00
 (Reprodução/Acervo pessoal)
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Há oito meses, a jornalista Cris Guterres assumia integralmente o negócio da família, o restaurante Atrium, após o falecimento de seus pais, Manoel e Eleni. O estabelecimento foi adquirido em 2005 como forma de investimento financeiro. “Sabíamos que seria algo ligado à gastronomia, pois a minha mãe sempre teve o sonho de trabalhar fazendo uma comida que curasse”, diz sobre Eleni, que era empregada doméstica antes de ter o restaurante.

E a cura segue como força motriz para a manutenção do Atrium em tempos de pandemia de Covid-19. O decreto municipal da prefeitura de São Paulo, no qual determina adequações ao comércio, foi visto inicialmente como um caminho direto à falência do negócio para a Cris e outras empreendedoras negras.

Representando 28% da população brasileira, aproximadamente 60 milhões de pessoas, as mulheres negras têm 50% de chances a mais de ficarem desempregadas do que as não negras, segundo um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2018. E como essas profissionais ficam em um cenário ainda mais delicado como o atual? Para entender o impacto do novo coronavírus na vida financeiras das mulheres negras, o ID_BR – Instituto de Identidades do Brasil, Empodera, EmpregueAfro e Faculdade Zumbi dos Palmares produziram o levantamento Mulheres negras – Saúde financeira e expectativas diante da Covid-19 com dados de 31 de março a 2 de abril.

Para Luana Génot, fundadora e diretora executiva do ID_BR – Instituto de Identidades do Brasil, a realidade das mulheres negras é agravada em um cenário de crise. “Existe um discurso falacioso da sociedade, que vem de um histórico de negação do racismo estrutural, de que todos estão no mesmo barco. Mas não dão as mãos para as pessoas negras. Por isso, precisamos racializar os números para entender quais medidas precisam ser tomadas tanto na saúde como no mercado de trabalho, que é o recorte da pesquisa”, aponta.

tamysie
(Reprodução/Acervo pessoal)

Tamysie Ribeiro, sócia e diretora da West LED, representa o grupo majoritário da pesquisa, que contou com 243 participante de todo o Brasil: mulher, preta, ensino superior completo e empreendedora. “Sou formada em Relações Públicas, mas desde 2017 estou à frente dos negócios da empresa”. Assim como Tamysie e Cris, 72% das mulheres negras comandam seus próprios negócios, que estão concentrados nas seguintes áreas: moda (17,10%), beleza (10,90%), gastronomia (10,30%), arte (8,60%) e saúde (8,60%). A pesquisa ainda revela que apenas 7,8% das profissionais negras estão em empresas multinacionais e 20,2% nas nacionais, demonstrando que o empreendedorismo é uma importante saída para essas mulheres entrarem no mercado de trabalho.

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“Desde o começo sempre fez muito sentido investir em mulheres e pessoas negras, porque acredito no impacto que gera na sociedade e no próprio negócio”, conta a proprietária, que tem 11 empregados diretos e 4 indiretos. Para manter esses funcionários e gastos fixos como aluguel, Cris utilizou 30% da reserva financeira. Acordos salarias também foram feitos para os funcionários que fazem parte do grupo de risco e permanecem em casa.

Mas a realidade da maioria das entrevistadas é diferente, já que 79,4% responderam que não tinham reserva financeira e 44% só têm capital de giro, dinheiro necessário para manter os gastos da empresa, por apenas 1 mês. “Acredito que é importante não só a West LED, mas todas as empresas terem o fluxo de caixa. Muitas não estavam preparadas para a pandemia, assim como nós, então não é uma situação confortável de lidar”, comenta Tamysie, que vive um cenário ainda mais delicado pelo fato da área de eventos estar estagnada praticamente.

Perguntadas sobre a maior preocupação no momento, 46,9% das entrevistadas responderam que temem mais perder os clientes do que serem diagnosticadas com a Covid-19 (37,7%). Mesmo com suas particularidades, esse grupo de empreendedoras sempre esteve à margem dos investimentos e preparos oferecidos para homens brancos, por exemplo. Por isso, o aprendizado financeiro acontece na maioria desses casos na prática e a reinvenção é requisito para sobreviver às condições adversas.

“Teoricamente, o terceiro setor vem para complementar as lacunas do poder público, mas na prática ele se torna protagonista e responsável por pautar essas alternativas”, afirma Luana. Para as empreendedoras que se enquadram nos requisitos, o auxílio emergencial de R0, disponibilizado para microempreendedores individuais, contribuintes individuais do INSS e outros trabalhadores informais, é apertado para suprir os gastos pessoais e do negócio.

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Tempo de mudança

Tamysie e outros funcionários fixos da empresa adotaram o sistema de home office. ”Mesmo com a baixa nos eventos, continuamos trabalhando de casa para dar continuidade aos projetos que foram adiados para o segundo semestre de 2020 e primeiro semestre de 2021. Tivemos que nos adequar também com os gastos, já que a receita foi reduzida”, explica.

Cris também faz questão de falar que não foi e nem está sendo fácil. “Senti uma cobrança de pessoas próximas para manter o restaurante aberto e me reinventar, como se só bastasse ter criatividade”, relata a empreendedora que contratou um motoboy e buscou um motorista de aplicativo para fazer entregas. Além disso, parcerias com fornecedoras e até divulgação do restaurante no elevador do prédio foram recorridas.

Os esforços ainda não garantiram o mesmo rendimento da época em que o restaurante recebia os clientes no espaço, mas já ajuda na manutenção do mesmo. E ainda sobra combustível para alimentar quem não tem o que comer. Moradores de rua que ficam próximo ao estabelecimento diariamente as marmitas. Para quem quiser colaborar, é só comprar uma marmita pelo telefone (11) 986601242.

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