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É óbvio que interessa às mulheres ter o mesmo salário que os homens

O mesmo cargo, salários diferentes. O motivo, definitivamente, não está nas escolhas das mulheres, como apontou o Caçador de Mitos de Veja

Por Tatiana Schibuola
Atualizado em 31 out 2016, 11h31 - Publicado em 30 nov 2015, 14h04
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Na última semana, estive na 5ª edição do Fórum Mulheres em Destaque. Fui convidada a conduzir um painel sobre Competência Emocional, ao lado das executivas Alessandra Morrisson, diretora de gestão de pessoas e organização da Cia. Hering (a primeira mulher a ocupar o cargo, e única entre seus pares, ela me contou) e Cristiane Gomes, CIO do Grupo CCR, que passa seus dias pensando em logística, túneis, estradas e aeroportos (e é também a única mulher entre os seus pares, que tomam conta de outras unidades de negócio do grupo). Ao longo de dois dias, renomados executivos e executivas passaram por lá, para discorrer sobre os diversos aspectos do mesmo tema – a desigualdade de gênero nas corporações e no mercado de trabalho.

Um evento como esse é, evidentemente, uma das maneiras de encurtar os 85 anos necessários para que homens e mulheres atinjam a equidade de renda. No Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo IBGE na sexta-feira (13), não trouxe nenhuma novidade. No Brasil, em 2014, as mulheres continuaram ganhando menos que os homens – em média, 74,5% do rendimento deles – mesmo tendo mais tempo de estudo. A proporção é maior do que a registrada no ano anterior, de 73,5%, mas indica que a igualdade de remuneração caminha, a passos de formiga.

Ao mesmo tempo, chateia saber que ainda precisamos direcionar tanto tempo e energia para essa discussão em pleno século XXI. Mas aí, basta lembrar de artigos como o de colegas como Leandro Narloch, que publicou uma nota com o sugestivo título “Ganhar o mesmo que os homens é realmente vantajoso para as mulheres?” – que, mais tarde, teria sido modificado diante da polêmica que provocou e até merecido um adendo do autor – para entender que sim, ainda é preciso dedicar tempo e energia pela equidade econômica feminina, sim. O jornalista sugere que seriam as mulheres as culpadas pelas diferenças nos salários, em grande parte por causa das escolhas que elas fazem. Aqui, ponto a ponto, vale reavaliar os argumentos do colunista – os mesmos que vemos disseminados nas rodinhas masculinas das empresas.

1. As mulheres deveriam deixar de trabalhar com educação, recursos humanos ou pediatria, profissões que foram desvalorizadas após a emancipação feminina.

Existe, de fato, uma propensão biológica à escolha de caminhos profissionais. “Vários estudos mostram que as meninas têm o cérebro com mais conectividade entre os hemisférios, o que favorece a parte linguística, tanto escrita quanto falada. Já os meninos desenvolvem habilidades com números e a orientação espacial antes das meninas. E isso pode influenciar nas escolhas”, explica Gisele Sampaio Silva, Gerente Médica do Programa Integrado de Neurologia do Hospital Israelita Albert Einstein.

Me parece bastante relevante o fato de que funções como cuidar e ensinar sejam consideradas menos nobres ou menos complexas. Quão simples é estar diante de uma sala de aula com dezenas de alunos, diferentes níveis de compreensão e uma enorme variação de motivações pessoais para o aprendizado? Do lado médico, qual o tamanho da responsabilidade de um pediatra, ao conduzir os primeiros anos de vida de um ser humano – determinantes para a sua formação?

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Ainda assim, vale destacar também que, nos últimos anos, houve uma queda percentual na presença de mulheres em “profissões femininas”. Segundo um estudo realizado no Centro de Políticas Públicas do Insper, só as carreiras em enfermagem e pedagogia, por exemplo, tiveram uma diminuição na participação de mulheres de 5% e 9,5%, respectivamente, entre 2000 e 2010. Esse movimento, mesmo que lento, já configura um novo cenário.

2. Convencer ou obrigar as mulheres a optar por trabalhos desagradáveis, como coveiros, desentupidores de esgoto, soldadores, motoboys, pedreiros, carregadores, mineiros e estivadores.

“A questão é: por que as mulheres deveriam trocar suas profissões por outras que tampouco pagam bem?”, pergunta Maria José Tonelli, professora da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas e uma das idealizadoras da disciplina Questão de Gênero nas Organizações. Segundo ela, também é errado pensar que a maioria não considera trabalhar em algo ‘desagradável’. “Temos, sim, mulheres entrando nessas profissões. Inclusive, existem agências que oferecem treinamento para isso”, afirma

Outro ponto a se destacar no quesito “trabalhos desagradáveis” – leia-se limpar o vaso sanitário, recolher o lixo, esfregar o chão, é que as mulheres estão em peso nos trabalhos domésticos. Uma pesquisa da OIT, publicada em 2013, mostrou que 17% das trabalhadoras brasileiras são domésticas. São 6,7 milhões de mulheres contra 504 mil homens na mesma função. Se considerarmos os números mundiais, a estatística sobe para 83%. Deste total, 45% não têm direito a período de descanso semanal ou férias anuais remuneradas.

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3. Convencer ou obrigar as mulheres a permanecer na carreira até a aposentadoria

Hoje, deixar o trabalho em virtude da estabilidade do marido não é mais uma opção para boa parte das mulheres, que assumiram a chefia de suas famílias. Em 2000, elas comandavam 24,9% dos 44,8 milhões de domicílios no Brasil, segundo as Estatísticas de Gênero – Uma análise dos resultados do Censo Demográfico. Em 2010, esse número cresceu para 38,7% dos 57,3 milhões de casas no país. Quer dizer, como chefes de família, dificilmente teriam a oportunidade de abandonar o que quer que seja em nome de uma aposentadoria precoce.

Por trás dessa “falta de ambição” feminina – mulheres que não querem levar suas carreiras até os patamares mais elevados e que não são as primeiras a candidatar-se a vagas que exijam grande disponibilidade de horas e viagens frequentes – está um fato bastante revelador: as mulheres dedicam, em média, 25 horas por semana em afazeres domésticos, contra 9 horas no caso dos homens (PNAD 2001-2012). Ou seja, para que elas possam conquistar espaço nas empresas e ganhar tanto quanto os homens, os homens também precisariam assumir, igualitariamente as responsabilidades domésticas (entre elas, o cuidado efetivo com os filhos) – e não apenas ‘dar uma mãozinha’.

Já ouvi, de uma alta executiva de um ramo estritamente masculino, que os membros do conselho preteriram uma funcionária prestes a ser promovida porque aos 30 e poucos anos, “ia querer engravidar”. Uma amiga, ultracompetente, que trabalha em um ramo predominantemente feminino, escutou de sua chefe – uma mulher – ao contar que estava grávida: que “sua carreira acabou”.

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Em 2013, uma pesquisa realizada pela Bain & Company nas 250 maiores empresas do Brasil comprovou exatamente este panorama. Os homens têm 20 vezes mais chances de alcançar o cargo de CEO do que uma mulher. E as diferenças começam logo depois da formação. De acordo com o estudo, entre os universitários, elas representam 58% e eles, 42%. Nos primeiros anos de carreira, as mulheres são 56%, e os homens, 44%. Já nos cargos executivos, essa proporção se inverte: o sexo feminino cai para 14% e o masculino sobre para 86%. Na chefia das grandes corporações, a diferença fica ainda maior: 96% contra 4%. E nas posições mais altas: 97% e 3%.

Para Denise Damiani, empresária, consultora de estratégia e líder do Comitê Oitenta em Oito do Mulheres do Brasil, para que a mudança aconteça em favor das mulheres nas empresas, é preciso que elas ocupem, pelo menos, 30% dos cargos de chefia. “E isso também vale para os cargos públicos. Só assim a dinâmica mudaria”, completa. “O ideal é que esses oitenta e cinco anos para igualdade de salário se tornem oito. Mas, para isso, temos que mudar a nossa consciência. E essa tarefa começa com a educação, nas escolas e dentro de casa, e com o fim do preconceito”, diz Tonelli.

É realmente interessante para as mulheres ganhar o mesmo que os homens? Óbvio. Não é só interessante, mas um direito assegurado por lei. Uma mulher pode e deve exigir um salário igual ao de homens no mesmo cargo e com a mesma experiência e carga horária.

*Com reportagem de Giselle Hirata

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