“Quanto mais acentuados os traços faciais que evidenciam a origem negra-africana, maior é o impacto do racismo sobre as pessoas. Assim, socialmente, quanto mais clara a pessoa negra, maiores chances de êxito na vida ela terá, o que não significa que ela também não seja vítima do racismo”. A explicação dada por Renata Aparecida Felinto dos Santos, professora adjunta de Teoria da Arte e de Cultura Africana e Afro-Brasileira na Universidade Regional do Cariri (CE), é o início da compreensão sobre o que é colorismo.
O termo é relativamente recente. Foi cunhado em 1982 pela escritora Alice Walker, no ensaio “If the present looks like the past, what does the future look like?” (em português, “Se o presente parece o passado, com o que parece o futuro?”).
Presidente do Conselho Municipal de Política e Cultura de Londrina (PR) e especialista em comunicação popular e comunitária, Luiza Braga esclarece que o colorismo se trata de algo muito ligado à estética. “A aceitação de uma pessoa negra pela sociedade é julgada pelos traços mais finos, os cabelos mais lisos. Isso não tira a negritude de quem é mais claro. Este indivíduo tem a consciência de que é discriminado por ser negro, mas que não sofre tanto quanto o negro de pele escura.”
“É muito profundo”, afirma a advogada Elisama Santos, que hoje atua como escritora e educadora parental. “A sociedade quer embranquecer o negro. Se perceber que a pele mais clara permite uma adequação ao padrão eurocêntrico, haverá uma força para que os cabelos sejam alisados, para que se use uma maquiagem que ‘disfarce’ os traços negros. É uma pressão que as pessoas muitas vezes nem percebem, pois está encrustada na convivência.”
É importante destacar que, quanto mais clara for a pessoa negra, a mais privilégios ela terá acesso, mas ela sempre será uma pessoa negra. O colorismo está mais ligado à tolerância do que à aceitação propriamente dita. “A sociedade trata com mais humanidade quem está mais próximo da forma como ela se enxerga. Somos todos negros, mas as vivências são diferentes por causa disso”, diz Luiza.
Para as mulheres negras é pior
A questão do colorismo atinge as mulheres de uma forma muito mais ampla e violenta do que os homens. O homem negro é julgado pelo tom de pele no sentido de ser percebido como mais formal, bem-sucedido e afastado da criminalidade quanto mais claro for. Mas, para a mulher negra, as vantagens e desvantagens do tom da pele se estendem aos relacionamentos e à sexualidade.
“À medida que o tom de pele aumenta, maiores os riscos de uma mulher negra ser assediada sexualmente de forma agressiva e sofrer violência sexual, além do preconceito cotidiano. Quanto mais escura a pele, mais as pessoas perdem o pudor no tratamento à mulher”, explica Elisama.
Renata ressalta que toda a projeção sobre as mulheres se fundamenta no modelo europeu, do comportamento à beleza, da ideia da fragilidade feminina dos contos de fadas à beleza das princesas nórdicas do cinema dos EUA e das modelos.
“Todos os homens são educados visualmente a partir do modelo branco, loiro e de olhos claros de mulher. Quanto mais próxima dele, mais pretendentes tem a mulher. As negras de pele escura e cabelos crespos, que representam o oposto desse ideal, são sistematicamente rejeitadas mesmo pelos homens negros – que, ao buscarem parceiras, na impossibilidade de estarem com mulheres brancas que representem sua projeção socioeconômica, estariam com negras de pele mais clara”, esclarece a professora e artista visual.
Luiza afirma que a negra clara recebe um tratamento melhor nesse sentido, embora seja algo superficial: “Os homens têm um certo cuidado e são mais sutis na abordagem, mas geralmente é um trabalho de conquista sexual, não para relacionamento.”
Certas violências, segundo Elisama, são percebidas apenas pela mulher negra, e quem as comete sequer se dá conta do quão abusivo está sendo. “Quando um homem aborda uma mulher negra clara dizendo que ela é ‘da cor do pecado’, pensa que está fazendo um elogio, mas… O pecado tem uma cor? E é a negra?”, questiona. “Além disso, a forma como os homens chegam nas mulheres é totalmente diferente quando a intenção é sexual. Eles sempre acham que têm mais chance de sexo quanto mais escura for a mulher. No imaginário deles, a negra é disponível”, complementa.
Como superar isso tudo?
Na opinião das entrevistadas, um processo de educação e autopercepção é necessário para que as questões do colorismo sejam superadas. “Pessoas brancas deveriam tratar todas as demais pessoas, negras ou não, como iguais. Enquanto pessoas brancas não localizarem seus privilégios por serem simplesmente brancas, não há receita para tratar o colorismo”, observa Renata.
Elisama defende o empoderamento negro, principalmente das jovens mulheres e meninas, como uma das chaves para vencer o colorismo. Ela lembra que a representatividade negra em bonecas e desenhos animados, por exemplo, é algo muito recente e deve ser valorizado no dia a dia.
A educadora parental detalha: “Crescemos achando que nossos cabelos eram ‘ruins’, que nossos narizes largos ou com bolinha na ponta eram ‘feios’. Precisamos empoderar nossas filhas, as filhas de amigas e as meninas como um todo reforçando que elas são lindas, que os cabelos delas são perfeitos, que seus traços são ideais também. Não sabemos se isso será forte o suficiente para impedir que elas alisem os cabelos para se adequar caso a sociedade pressione. Porém, são sementinhas que devemos plantar.”
Enquanto isso, lidar com a situação como negras adultas “é um processo educacional e combativo”, de acordo com Luiza. “Nas pequenas sutilezas que as pessoas não percebem, no racismo institucionalizado, quando valorizam a negra por ter feito uma escova para alisar os cabelos, quando exageram no elogio à negra ‘que é linda apesar de ser negra’, cabe um diálogo educativo. É a hora de dizer que os cabelos são lindos escovados ou crespos, que a negra é linda porque é linda, sem ‘apesar de’”, finaliza.