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Como a maior revista feminina do país revolucionou o conteúdo para mulher

A história de CLAUDIA se mescla à da brasileira na conquista de direitos e na luta contra a violência. Relembramos momentos simbólicos da nossa trajetória

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 out 2021, 10h34 - Publicado em 16 out 2021, 11h00
capas de claudia
 (Fotos/CLAUDIA)
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á duas versões para o nascimento de CLAUDIA. A romântica e mais recorrente fala que o nome da revista foi dado em homenagem à filha que Victor Civita, fundador da Editora Abril, e sua esposa, Sylvana, nunca tiveram. Apesar da poesia que envolve essa ideia, ela não é muito exata. Como conta Carlos Maranhão em Roberto Civita – O Dono da Banca, biografia do publisher da Abril, CLAUDIA já existia na Argentina, onde o irmão de Victor tocava uma editora. A antecessora do país vizinho fazia sucesso entre as leitoras.

Por aqui, parecia ter sentido repetir a fórmula. Na época, as mulheres começavam a falar sobre carreira e direitos sem deixar de lado o cuidado dos filhos e da casa. “A fórmula era inspirada em títulos antigos dos Estados Unidos e da Europa, como Ladies’ Home Journal, uma norte-americana recorde de vendas. Mas CLAUDIA tinha produtos brasileiros, destacava confecções nacionais, oferecia consumo possível e contratava fotógrafos daqui. Ser ‘abrasileirada’ virou seu diferencial”, explica Constância Lima Duarte, professora de literatura brasileira na Universidade Federal de Minas Gerais e autora de Imprensa Feminina e Feminista no Brasil – Século 19 (Autêntica).

Como ela deve lançar em breve um volume dedicado ao século 20, Constância tem em casa uma coleção grande de CLAUDIA e se debruçou longamente sobre o título. “Antes de CLAUDIA, o mercado editorial feminino era dominado pelas fotonovelas, que reiteravam sistematicamente um comportamento submisso e reforçavam a ideia de relacionamentos idealizados longe da realidade. Até existiam produtos feministas de oposição, mas por serem pouco comerciais, duravam menos tempo”, fala ela.

CLAUDIA deveria ser algo diferente de ambos os caminhos, faria o papel de amiga da leitora, confidente. Para conhecer a tal leitora e poder falar com ela, o primeiro diretor de redação, Luís Carta, sugeriu ao redator-chefe, Thomaz Souto Corrêa, ir até as bancas para conversar com os jornaleiros e as compradoras, além de ler as cartas que chegavam à redação.

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Thomaz viraria em 1965 o diretor de redação de CLAUDIA e ficaria na Abril por décadas, em diversos cargos executivos, chegando a fazer parte do conselho editorial e se tornando braço direito de Roberto, filho de Victor. O trabalho bem feito de entender com quem o título deveria falar fez com que rapidamente ele se tornasse um sucesso.

CLAUDIA tinha entrevistas internacionais, traduzia para a brasileira as tendências de moda desfiladas no exterior e revelava detalhes da cultura de outros países – grandes feitos num mundo sem as facilidades da internet.

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Em pouco tempo surgiram versões focadas em moda, beleza e em cozinha, editoria que virou um pilar da marca e que aparecia num apêndice publicado até a década de 2010.

Apesar de todo o pioneirismo e os acertos, a verdadeira revolução de CLAUDIA tem nome e sobrenome e foi ela mesma quem se ofereceu para trabalhar no título: Carmen da Silva. A escritora e psicóloga gaúcha era desquitada (o divórcio ainda gerava polêmica) e morava no Rio de Janeiro.

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Seu desejo era escrever para “incentivar a mulher a ser protagonista de sua própria vida”, como declarou em uma carta enviada à redação. “É perceptível o salto de qualidade da revista com a chegada dela. Carmen contribuía efetivamente para a conscientização feminina. Era um contraponto importante dentre as reportagens, revelando contradições da identidade da mulher. Numa mesma edição você podia ler ‘Conheça seu valor como dona de casa’ ou ‘O segredo de quem vive para ser linda’ e um depoimento bombástico de uma mãe falando que a filha não era mais virgem ou uma matéria sobre maternidade que não dizia que era uma função santa e natural”, diz Constância sobre a provocativa coluna “A Arte de Ser Mulher”, publicada de 1963 a 1985, quando Carmen morreu.

É difícil expressar a grandeza e a importância que a parceria entre Carmen e CLAUDIA teve na vida da brasileira. Assuntos considerados tabu, como métodos contraceptivos, divórcio e independência financeira feminina, entravam mensalmente nas páginas, promovendo intensas trocas com as leitoras.

Assim formou-se uma tradição admirável, que até hoje repetem as assinantes. CLAUDIA passou a ser uma herança de família. A avó estimulava o hábito na mãe, que fazia o mesmo com a filha, e a revista envolvia gerações inteiras.

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“É perceptível o salto de qualidade da revista com a chegada de Carmen da Silva. A psicóloga e escritora contribuía efetivamente para a conscientização feminina. Era um contraponto importante dentre as reportagens, revelando contradições da identidade da mulher”

Constância Lima Duarte, professora

Uma das grandes bandeiras carregadas por CLAUDIA desde o princípio e que até hoje gera discussões em nossas plataformas é o combate à violência contra a mulher. Em 1977, um artigo de Carmen destacava um padrão que até hoje se repete. As frases “A mulher: o melhor alvo para descarregar” e “O homem: um agressor quase sempre perdoado” apareciam em destaque.

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Décadas depois, a ativista Maria da Penha, que batalhou anos na Justiça contra seu marido agressor, venceu um Prêmio CLAUDIA, a maior premiação feminina da América Latina, com 24 edições realizadas até hoje. Maria da Penha apareceria outras vezes em CLAUDIA e, em março de 2018, na capa da revista, junto a outras mulheres que denunciavam violências sob a chamada “Feminismo não é mimimi”.

“O veículo tem uma história muito próxima às ondas feministas e foi considerado um espaço para debater o que não podia ser falado em casa. Nos anos 1960, quando o feminismo extrapolava a área acadêmica e os debates entre pequenos grupos, virou pauta em CLAUDIA. Só que, naquela época, não existia diversidade na imprensa feminina, portanto era uma abordagem ainda limitada, que não se referia a todas as mulheres brasileiras, mas a um perfil muito específico. Os meios de comunicação no geral sofriam com esse mesmo problema”, acredita Anna Feldmann, professora de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especializada em jornalismo feminista.

“Ainda estamos longe do ideal, mas já lemos nas páginas sobre temas como feminismo interseccional, racismo, transmisoginia. Essa mudança das revistas femininas é muito impactante”, completa.

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Chegar aos 60 anos é uma vitória de diferentes equipes e nomes de peso que passaram pelas redações de CLAUDIA. Em cada época, a revista soube deixar sua marca, adaptando-se ao tempo e às discussões vigentes. Isso porque está no DNA de CLAUDIA se reinventar, afinal, assim como Luís Carta ensinou, é preciso sempre ouvir a leitora e manter contato com as necessidades dela.

Os anos podem se passar, mas é frequente ouvir na redação – mesmo que ela seja, como no último ano, um ambiente online: com quem estamos falando? O que quer essa mulher? O que ela está vivendo agora? Ao colocar a leitora como prioridade, a revista se mantém fiel à sua essência, não importa a idade.

linha do tempo das capas de claudia
(Fotos/CLAUDIA)

1961

Pioneira

A atriz italiana Sophia Loren, ícone da época, estampou a primeira edição da revista feminina que prometia abrasileirar o conceito editorial vigente

1967

Carmen, a estrela

Desquitada, Carmen não tinha receio de falar sobre temas considerados tabus, como nessa coluna em que tratava da família após o divórcio

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1974

Parto sem violência

A reportagem relata o amoroso parto de Stefan. A técnica aplicada respeita o tempo do corpo da mãe e evita operações. Lembra as discussões sobre parto humanizado, que vieram à tona novamente há alguns anos

linha do tempo das capas de claudia
(Fotos/CLAUDIA)

1975

Atual 40 anos depois

“O divórcio não significa em absoluta a dissolução da família”, defende Carmen da Silva, que ainda afirma que “é fácil negar a infelicidade alheia”

1977

Contra a violência

Não era só de agressão física e doméstica que Carmen falava. Machismo, o nome como conhecemos não era usado, mas ela o descrevia: “Todas as pressões que sofremos no trabalho, no médico, na rua, em casa pelo simples fato de sermos mulheres”

1985

Contradições

A tarja vermelha, no topo, anuncia uma novidade: as receitas de CLAUDIA Cozinha viriam com as calorias. Logo abaixo, a chamada alerta para os excessos na dieta e o perigo da anorexia

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linha do tempo das capas de claudia
(Fotos/CLAUDIA)

1991

A mulher que trabalha

A fórmula de CLAUDIA sempre incluiu uma diversidade de temas, como trabalho, filhos, decoração da casa, comida e autoconhecimento.
Essa capa tem quase todos

2007

Foco nas celebridades

Por muitos anos, as capas de CLAUDIA destacaram as modelos – com algumas poucas celebridades, como Xuxa, surgindo às vezes. Nessa década,
as artistas tomam conta de vez

linha do tempo das capas de claudia
(Fotos/CLAUDIA)

2017

O ativismo

Sendo uma figura decisiva na sociedade e na economia, a mulher precisa fazer parte das grandes discussões sobre o futuro do País e os temas da atualidade. Nessa capa especial, que abria para apresentar mais personalidades, as transformações sociais eram o foco

2021

A atualidade

Com tantos meios de informação e a rapidez deles, o furo jornalístico na versão impressa foi substituído pela discussão aprofundada, que inclui a mulher na reflexão e joga luz sobre um futuro melhor

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