O ódio aos hip dips: mais um estímulo ao padrão de beleza inalcançável
Ondulação na região lateral dos glúteos é mal vista por parte das pessoas e reforça um ideal de corpo fora do real
Na lista criteriosa e interminável dos padrões de beleza, está ela: ausência de hip dips. Este termo, em tradução literal, significa “mergulhos de quadril”, e trata do afundamento na face lateral da coxa, próxima ao glúteo, criando uma espécie de ondinha na região. Em uma cultura que fetichiza lacunas e vazios, essa condição bastante comum é vista como anormal, feia e indesejável.
O interesse por essa parte do corpo aumentou nos últimos anos – ela foi pesquisada 40% a mais regularmente em 2021 do que 2020, segundo dados do Google. Em paralelo, mulheres passaram a realizar procedimentos estéticos que apagam os hip dips na intenção de caber em ideais externos.
Mas por que fazem isso? “Transformamos o mundo e somos transformadas por ele. Conforme temos acesso à atenção, carinho e afeto, e observamos outros recebendo atenção, carinho e afeto, moldamos nossa autoestima e aprendemos o que é valorizado em nosso ambiente e cultura”, explica Amanda Palmar, psicóloga feminista.
“Assim, se na minha história aprendi que mulheres magras, delicadas e não-reativas são vistas de forma mais positiva e acessam mais facilmente as recompensas sociais, me movo, ainda que inconscientemente, em direção a esses padrões”, exemplifica ela. É nesse contexto que associamos a feminilidade ‒ ou os padrões de beleza ‒ com segurança e objeto de desejo.
“Estar fora da feminilidade implica ter menos valor – ser menos vista, menos ouvida, menos desejada, menos apreciada”, de acordo com a psicóloga. Nesse embalo, corresponder aos ideais externos dá uma falsa sensação de conforto e segurança, com a fantasia de que determinada aparência, inclusive a de não ter hip dips, e comportamento levam ao sucesso, felicidade e afeto, completa.
“Se estamos tristes, vamos ao salão de beleza, fazemos skincare, compramos roupa nova. Sem esquecer de maquiagem, botox, tratamentos e cirurgias estéticas.” Na compra e venda da beleza, a moeda mascarada é a baixa autoestima, acrescenta.
Mesmo uma característica que não advém de nenhuma deformidade, como os hip dips, que se dão pelo biotipo ou pelos treinamentos de glúteos e coxas com grande intensidade, pode ser motivo para odiar o próprio corpo.
Não é difícil se sentir feliz dentro do padrão de beleza, de acordo com a profissional, mas isso é uma armadilha. “Se o padrão de beleza muda constantemente, ainda que de pouco em pouco, essa busca por se encaixar é interminável e a insatisfação gerada por não se encaixar é infinita”, pontua Amanda.
O que fazer para fortalecer a própria autoestima?
“Estar com a autoestima fortalecida significa sentir pertencimento, receber atenção e afeto, em paralelo ao enfraquecimento de inseguranças e medos”, diz ela. Mas não é possível mudar só com força de vontade, pois tudo é consequência das nossas interações com o contexto em que vivemos, completa.
Para acessar uma vida com qualidade e satisfação, precisamos ter uma vida de qualidade e satisfação. Para Amanda, “o caminho para a autoestima alta não existe porque ele é diferente para todo mundo, mas ele começa com identificar o que autoestima envolve para você, como momentos de individualidade, relações que gerem prazer, e não ansiedade, afastamento de pressões estéticas, ou fazer o que é importante para você e não só o que é bom para os outros.”