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Será que 2022 trará o fim da pandemia?

Após dois anos convivendo com a Covid-19, é hora de aceitar que a imprevisibilidade da existência é a única certeza que temos na vida

Por Kalel Adolfo
21 fev 2022, 09h32
O surgimento de novas variantes pode atrasar ainda mais o fim da pandemia.
O surgimento de novas variantes pode atrasar ainda mais o fim da pandemia.  (Rieko Honma (Getty Images)/Reprodução)
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Quando os primeiros casos do novo coronavírus começaram a ser notificados, a maioria de nós não esperava a dimensão que as coisas tomariam. Há quem chegou a acreditar que a pandemia não duraria mais que alguns meses. Entretanto, quase dois anos se passaram e ainda estamos experienciando tempos dramáticos – com exceção do desenvolvimento das vacinas em tempo recorde, uma grande alegria.

No mês passado, um levantamento da plataforma Our World in Data, vinculada à Universidade de Oxford, revelou que a ômicron já é responsável por 58,33% das infecções na Inglaterra. Todas essas notícias sobre novas variantes, aumento no nível de contágio e restrições sanitárias acabam nos deixando desamparados. Será que nunca sairemos deste pesadelo ou 2022 trará o esperado fim da pandemia? E o mais importante: é possível fazer as pazes com o fato de que talvez nunca mais voltemos ao mundo de
antes? Há como encontrar bem-estar em meio ao caos? A seguir, especialistas debatem o tema.

Sonho distante?

Piscamos e estamos em 2022. A duração da pandemia tem assustado e há quem acredite que o cenário será definitivo. Mas José Eduardo Levi, mestre em biologia molecular e pesquisador do laboratório de virologia do Instituto de Medicina Tropical da USP, garante que haverá um término. “As pandemias que nossos avós enfrentaram chegaram a um fim, e essa vai acabar também. O vírus e o hospedeiro sempre atingem um equilíbrio. Caso contrário, a humanidade seria exterminada”, diz.

Apesar disso, ele afirma que não devemos nos livrar disso tão cedo. “Essa é a minha percepção – e posso estar errado. Vários cientistas renomados (e não negacionistas, diga-se) possuem visões mais otimistas. Para eles, a ômicron, variante de menor gravidade, marca o fim da pandemia, já que todos irão pegar. Será uma questão de imunização natural somada à vacinação em grande parte da população”, explica.

Mas, para o virologista, esse raciocínio é um pouco fraco: “O número de infecções está tão alto que naturalmente teremos novas variantes capazes de driblar a vacina”. Levi exemplifica que, em diversas partes do mundo, a infecção por delta ou gama não protegeu ninguém contra a ômicron. Aliás, esta nova cepa possui a maior taxa de reinfecção entre todas as outras que surgiram. “Não temos nenhuma garantia de proteção. O mais provável é que consigamos diminuir a transmissão por estarmos vacinados.” Segundo ele, o surgimento dos imunizantes de segunda geração também vai ajudar. “A minha expectativa é que tenhamos medicamentos capazes de combater o vírus. Isso faz com que a Covid-19 deixe de ser uma pandemia ou epidemia, e se torne apenas um agente respiratório de preocupação que estará conosco pelos próximos dez ou vinte anos”, esclarece.

Vale lembrar, porém, que precisamos manter a cautela (sim, ainda!), porque, mesmo que seja uma variante menos patogênica, isso não significa que a pandemia acabou. “A taxa de transmissão é extremamente alta e, consequentemente, o número de pessoas que desenvolvem sintomas graves ainda é elevado.” Levi também aponta que a vigilância epidemiológica deve ser mantida durante os próximos anos, para que a comunidade científica possa sequenciar as amostragens do vírus e impedir um rebote da pandemia.

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“Vacinas são fundamentais. São elas que evitam uma alta taxa de mortalidade que teríamos por conta da ômicron. Não podemos esquecer que quem está hospitalizado hoje não tomou as vacinas ou possui o esquema incompleto”, alerta.

Equilíbrio na imprevisibilidade

Com a probabilidade de vivenciarmos esse cenário por mais alguns anos, somos confrontados com a ideia de que, definitivamente, não estamos no controle. A imprevisibilidade da vida e a impotência perante ao caos são alguns dos fatores que estão fazendo a população adoecer emocionalmente. Quem cumpriu o isolamento social pode atestar: a quarentena proporcionou inúmeros gatilhos psicológicos, nos obrigando a encarar diversos pensamentos e emoções desagradáveis. Mesmo com a flexibilização das normas sanitárias, ainda encontramos certa dificuldade em retornar a rotina – infelizmente, o medo se tornou constante. Por isso é tão importante encontrar formas de nutrir a autonomia emocional.

“O primeiro passo é entender que a existência nunca foi previsível e a pandemia apenas evidencia essa característica imutável da realidade. A gente se planeja sabendo que tudo pode mudar. Não dá para nos apegarmos aos planos como se fossem gabaritos”, alerta o psiquiatra Daniel Barros. “Perdemos a calma quando as coisas não são do jeito que imaginávamos. E a origem disso vem de uma certa inocência perante à vida.”

De acordo com o especialista, a origem desta ingenuidade está na imaginação: “Os tijolos que usamos para construir as nossas previsões de futuro são baseados em experiências passadas. O problema é que a memória não é formada por blocos corriqueiros”, diz. Em outras palavras, isso significa que estamos sempre criando expectativas fundadas em vivências que podem não se repetir. Consequentemente, isso nos leva a sofrer com decepções.

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Claro, é importante planejar a vida usando acontecimentos excepcionais como referência. Caso contrário, ficaríamos apenas num ciclo de marasmo. Mas, diante da pandemia, que nos fez perder até os hábitos mais banais, é necessário focar no presente e cultivar a autoconsciência. “Podemos acreditar que a situação irá acabar, porque tivemos sinais relevantes como a vacina. Use o
otimismo como âncora. Mas não se esqueça do ‘agora’. Não adianta contar com Carnaval, Páscoa ou aniversários, você pode se frustrar”, reitera.

Para ele, não devemos esperar o pior, mas, sim, ter a consciência de que o melhor pode simplesmente não acontecer. Após realinhar as expectativas perante a realidade, está na hora de reduzir os danos emocionais provocados pela pandemia. “Faça atividade física regular e descanse. Precisamos de pausas em nossa rotina: intervalos para meditar, estar na natureza ou curtir um hobby. Tudo isso potencializa a nossa resiliência”, afirma.

Segundo o psiquiatra, a resiliência nada mais é do que ter a capacidade de não ser tão afetado pelas circunstâncias negativas. “O descanso mantêm a nossa energia e nos impede de cair em esgotamento. A partir daí, podemos usar essa força para buscar aspectos positivos de nossa rotina.” O que não significa positividade tóxica, aquela que nos obriga a ser feliz o tempo todo. “Reconheça que as coisas podem estar ruins e observe as boas para além disso. A realidade é múltipla e complexa. Faça disso um exercício diário. O ‘agora’ é tudo o que temos”, conclui.

Transcendendo o sofrimento

Uma das afirmações mais famosas de Buda é que não há nada seguro neste mundo. Porém, antes do novo coronavírus, a maioria de nós estava mergulhado em rotinas aparentemente estáveis, vivendo em um estado de fantasia para manter o equilíbrio mental. Daí veio a pandemia… “A vida inteira é instável e o nosso processo de desenvolvimento é uma espiral ascendente, não tem como ir para trás”, declara Monja Coen.

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“Tudo o que planejamos para 2020 em diante está sendo derrubado. Mas as coisas são como são, e nós temos a característica da adaptabilidade a nosso favor. Eu acredito no DNA humano. Para sobreviver, ele se adapta. E é isso que estamos fazendo agora. Claro, alguns ficam muito doentes, outros não sentem nada, outros morrem. Mas isso é porque somos semelhantes, não iguais”, afirma.

Como nutrir essa adaptabilidade a fim de transcender períodos de sofrimento? Para Coen, a meditação pode ser um caminho: “Meditar não é só ficar quieto e sentado. É ter uma reflexão profunda da realidade. O intuito deve ser identificar causas e condições para diversas situações. Assim, é possível quebrar padrões e encontrar resultados diferentes”, diz. Seja através dessa ou de outras práticas, é imprescindível que olhemos para dentro de nós. “Eu adoro a frase de Dalai Lama, ‘A mente é incessante e luminosa’. Realmente, ela está em constante movimento, assim como o corpo, a sociedade e o planeta Terra.”

Durante a pandemia, é preciso encontrar o equilíbrio no desequilíbrio.
Durante a pandemia, é preciso encontrar o equilíbrio no desequilíbrio. (Rieko Honma (Getty Images)/Reprodução)

Segundo Coen, tudo o que precisamos fazer é direcionar esse movimento para os lugares certos. “Temos que encontrar o equilíbrio no desequilíbrio. Nós atravessamos a pandemia e ela nos atravessa, nos fere, machuca, deixa sequelas. Só que ela também proporciona ensinamentos importantes quando começamos a ser solidários, a cuidar dos outros e a respeitar a pluralidade da humanidade”, pontua.

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Depois de entender que todos fazemos parte de um todo, e que a morte é uma realidade para milhões, conseguimos compreender que estamos conectados. “Paulo Freire dizia que podemos transformar a palavra ‘esperança’ no verbo ‘esperançar’. Isso significa ‘o que eu faço para que as coisas sejam diferentes?’. Empatia é sentir a dor do outro. Mas ter compaixão é sobre fazer algo para que a realidade seja melhor”, declara ela. Ainda de acordo com a Monja, aceitar os nossos desequilíbrios e as nossas dores também é uma atitude fundamental. Mascarar a realidade em momentos de aflição é apenas pior. “Quem nega o que sente não encontra meios de melhorar. O caminho não é negar e, sim, reconhecer e curar. Isso também é resiliência”, esclarece.

Outra reflexão primordial em tempos dolorosos é o questionamento da própria identidade. Quem sou eu de verdade? Será que eu criei uma fantasia sobre mim? Como chegar na essência do que é ser um humano? “Você precisa se despir das suas ideias identitárias. Quando abrimos as mãos e não temos nada para segurar, ganhamos toda a energia dos cosmos. Você é a vida da Terra e está interconectado a tudo que existe, desde os vermes aos insetos e grandes corpos celestes”, diz ela. “Nós mudamos com o mundo e as experiências. Não somos os mesmos que éramos há dois anos. A ideia de um ‘eu’ fixo e permanente é falsa. É impossível ter uma identidade substancial e independente do universo. Perceber a si é perceber ao todo”, conclui. Seguimos, juntos.

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