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Por que está todo mundo magro? Culto à magreza volta a ser pauta

Depois de anos de body positive, o culto à magreza está de volta — e numa tendência bastante problemática, que envolve o uso indevido de medicamentos

Por Julia Ribeiro
18 abr 2023, 05h42
culto à magreza
A sua chefe, colega, vizinha e até a sua amiga mais próxima parecem ter secado de um dia para o outro, deixando ativistas e profissionais da saúde em alerta. (Getty Images/Getty Images)
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Se de meados de 2010 a 2022 demos um passo à frente com a celebração e aceitação de corpos plus size e midsize na grande mídia, falamos de autocuidado e olhamos para como manter uma rotina saudável mesmo em tempos pandêmicos, em pleno 2023, parece que voltamos três passos. Na temporada de moda de Outono-Inverno 2023, por exemplo, que aconteceu entre fevereiro e março em Nova York, Londres, Milão e Paris, modelos mais magras do que nunca cruzaram as passarelas. De acordo com o The New York Times, apenas 0,9% das modelos eram plus size.

O problema é que isso não está restrito ao clubinho fashion ou às celebridades à la Kim Kardashian — quem lembra de quando ela perdeu dez quilos em duas semanas para caber no vestido usado no Baile do MET? A sua chefe, colega, vizinha e até a sua amiga mais próxima parecem ter secado de um dia para o outro, deixando ativistas e profissionais da saúde em alerta.

“As culturas do corpo magro e das dietas restritivas sempre foram fortes e, infelizmente, não conseguimos transformar o discurso body positive em algo relevante o suficiente para o mainstream no Brasil”, pontua a pesquisadora de tendências Nina Grando.

Isso tudo apesar dos esforços feitos por revistas, campanhas e emissoras para dar protagonismo às mulheres gordas em espaços que, antes, eram apenas acessados por magras, brancas e jovens. Porém, não foi o suficiente. “Toda conquista de lutas sociais é frágil e está à sombra de um retrocesso. Só ter atrizes e modelos gordas não muda um pensamento gordofóbico da sociedade”, pontua Nina, que acredita que a representatividade vai muito além da mídia. “Enquanto ainda existirem profissionais da saúde que enxergam pessoas apenas por números ou que associam gordura a preguiça, não vamos mudar.”

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Só ter atrizes e modelos gordas não muda um pensamento gordofóbico da sociedade. (Getty Images/Getty Images)

A nutricionista especialista em obesidade e referência em alimentação intuitiva Sophie Deram recorda quando a medicina instaurou o peso como o número mais importante na saúde: “A OMS usou o IMC como ‘nota de corte’ nos anos 1990 e, de lá para cá, passou-se a olhar apenas para isso e não para todo o histórico do indivíduo.” Foi nessa época, inclusive, que a nutrição também teve uma virada. “A profissão nutricionista virou a ‘profissão emagrecer ’. Se antes o nutricionista era buscado para ajudar a colocar a alimentação e nutrição como duas das coisas mais importantes para a saúde, a partir dali, a dieta e o profissional foram cada vez mais associados à restrição.”

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Vale lembrar que as dietas extremamente restritivas não causam mudanças efetivas a longo prazo, como explica Marcella Garcez, nutróloga e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia. “Se ela não permite que o paciente mude de estilo de vida, a partir do momento que ele voltar a comer e levar a vida como antes, ele voltará a engordar.” Mais do que o ganho de peso, esse cenário afeta a autoestima, desencadeando distúrbios de imagem. Andreza Wurzba, psicóloga especialista no assunto, joga luz em como a sociedade faz as pessoas associarem o “ser magra” ao “sucesso”. “Elas se privam porque acham que só vestindo 36 terão como conquistar alguma coisa”, afirma. “É buscar uma valorização e reconhecimento externo. Porém, é o contrário: enquanto ela não se reconhecer in – ternamente e se acolher, não vai conquistar nada”, pontua.

O buraco é mais embaixo: o culto à magreza e o uso de medicamentos

Ok, sabemos que os distúrbios de imagem e as dietas malucas, bastante populares também nos anos 1990, decorrente da estética heroin chic, têm efeitos problemáticos (e em cascata). Contudo, a discussão hoje vai além, e envolve o uso não regular de remédios para alcançar o “corpo perfeito”. E se você vive na Terra, deve saber que estamos falando do tal do Ozempic.

Tendo a semaglutida como principal ativo, seu mecanismo de ação é a estimulação dos receptores de GLP-1 no cérebro, o que ajuda na liberação de insulina pelo pâncreas, importante para o controle do excesso de açúcar no sangue. Ele foi desenvolvido e aprovado para pacientes diabéticos tipo 2 ou pré-diabéticos, e vem sendo prescrito de forma “off-label” para pessoas obesas ou com sobrepeso que não conseguem emagrecer com uma dieta balanceada associada a exercícios físicos. Estudos recentes, aliás, já comprovam benefícios nesses casos.

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Remédios como o Ozempic passaram a ser usados indiscriminadamente. (Getty Images/Getty Images)
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Um dos muitos efeitos colaterais do uso de Ozempic é a redução do apetite e aumento da saciedade, resultando na perda de peso rápida — em alguns casos, o medicamento reduz em até 20% do peso inicial do paciente. Além disso, ainda pode ser comprado sem receita e em qualquer farmácia. Junte a+b e você tem pessoas sem qualquer questão de obesidade e/ou diabetes tomando tal medicamento apenas na promessa do emagrecimento “instantâneo”.

“Esse imediatismo não é de hoje. Desde o início da internet, buscamos soluções mais rápidas, mas a pandemia pode, sim, ter acelerado o comportamento”, comenta a pesquisadora de tendências Lili Tedde. Outra coisa que sempre existiu foi a busca pelo corpo “perfeito”. “O que vemos agora é uma euforia porque esse remédio está exposto para todo mundo: é só chegar na farmácia e comprar”, diz Andreza Wurzba. E, como coloca Lili, se as Kardashians, que falam com centenas de milhares de pessoas, podem fazer o uso, “por que eu não?”

Outra variante nessa equação é que pouquíssimas são as que admitem tomar o remédio sem prescrição médica, seja por saberem dos danos e, mesmo assim, enxergarem ali uma forma de resolver o “problema” com o espelho; seja por constrangimento. “Muitas podem se sentir envergonhadas em admitir o uso de medicamentos para emagrecer por medo de serem questionadas sobre sua força de vontade para tal”, aponta Andreza.

A nutróloga Marcella Gaez conta que, em seu consultório, já encontra pacientes querendo e precisando emagrecer, mas que não reagem a nenhum tipo de tratamento por conta do uso descontrolado e sem indicação médica de remédios como o Ozempic.

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Sem contar os malefícios a curto e longo prazo para a saúde. “O Ozempic, por exemplo, tem diversos efeitos colaterais como náuseas constantes, diarreias, dores de cabeça e dores abdominais”, comenta a nutróloga e endocrinologista Valéria Goulart. O uso indevido ainda pode acarretar em “efeito sanfona” e até a dependência, “especialmente em doses elevadas, devido aos seus efeitos sobre o sistema nervoso central”.

Apesar de parecer um cenário apocalíptico de série sci-fi, protagonizado por uma epidemia de corpos extremamente magros (e não deixa de ser), podemos celebrar, nem que seja um pouquinho, o comportamento da geração Z. “O movimento da desinfluência está crescendo nas redes sociais. Pessoas mais novas já entendem as mega celebridades como figuras tóxicas e engrenagens de um sistema que serve para o lucro de empresas”, comenta a pesquisadora Nina Grando. Em 2023, a indústria da moda segue tentando usar os nossos corpos para perpetuar padrões. Porém, quem estará com o poder de compra nos próximos anos parece não aceitar mais ter o corpo como tendência estética, mas, sim, apenas um corpo.

Quem viveu, sabe: experiência com o Ozempic

“Foi o pior ano da minha vida.” Andressa Carrascoza fez uso semanal do Ozempic, em 2021, após ser diagnosticada com um quadro de pré-diabetes e gordura no fígado grau 2. Na época, enjoos constantes e dores de cabeça fortes eram dois dos sintomas que conviveu.

“O Ozempic foi a solução para que eu revertesse um quadro clínico, perdesse essa gordura localizada e prevenisse uma evolução para um quadro de diabetes com 22 anos de idade”, comenta. Ela afirma que a endocrinologista que a receitou o medicamento avisou dos efeitos colaterais e que, durante o procedimento, ressaltava como ela estava emagrecendo rápido. No lugar de dar as boas notícias da melhoria do quadro, o foco virou o corpo.

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“É claro que eu estava emagrecendo, não conseguia comer. Passava o dia todo com uma sensação constante de ânsia. Só lembrava que precisava comer alguma coisa quando estava prestes a desmaiar.” Ela conta que, depois de um tempo, se acostumou a viver com os sintomas e com o grande hematoma que tinha na barriga. O uso fez com que ela perdesse 30 quilos em 12 meses.

Hoje, ela comemora os exames saudáveis, mas segue sendo uma mulher gorda: “Eu demorei para entender que meu peso não me definia e, com 24 anos, estou muito feliz com meus 97 quilos, meus hábitos saudáveis e minha rotina de exercícios.”

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