*Essa matéria aborda conteúdo delicado sobre depressão e suicídio. Se você precisa de ajuda, ligue 188
O jovem Demétrio Campos, 23 anos, sentia na pele o que era viver em uma sociedade que retrocede cada vez mais sobre as questões dos direitos da população negra e comunidade LGBT+. Os problemas estruturais vivenciados por ele e por muitos outros eram um dos principais motivos de indignação e tristeza – ele era um homem trans, e frequentemente usava suas redes sociais para falar sobre como se sentia e situações pelas quais passava por pertencer aos dois grupos.
Sua partida foi um soco no estômago dos amigos e familiares. Demétrio deixou uma mensagem não só para quem o cercava, mas para o mundo. Ele tirou a própria vida em 17 de maio, Dia Internacional de Combate a LGBTfobia.
Infelizmente, o caso de Demétrio é um dos muitos que vêm se acentuando durante a pandemia do novo coronavírus. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria mostra que 89,2% dos especialistas destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes em decorrência da pandemia da covid-19.
Casos que já eram delicados se tornam ainda mais vulneráveis na pandemia. O ator Flávio Migliaccio, 85 anos, foi encontrado morto em seu sítio na Serra de Sambiê, no Rio de Janeiro, no dia 4 de maio. A morte do ator foi investigada pela polícia como suicídio porque uma carta foi encontrada ao lado do corpo dele.
De acordo com a pesquisa “Depressão, suicídio e tabu no Brasil: um novo olhar sobre a Saúde Mental”, realizada pelo Ibope para as empresas farmacêuticas Pfizer e Upjohn, os mais idosos estão mais vulneráreis ao isolamento social, e consequentemente mais suscetíveis à depressão.
Nesse contexto, a população geral tem prevalência da depressão em 5,8%, mas na faixa etária dos 60 a 64 anos, a taxa sobe para 11,1%. A atual situação de pandemia traz elementos que podem impactar profundamente a saúde mental. A distância dos familiares mais próximos e a interrupção das atividades que os idosos costumavam fazer no dia a dia tendem a ser mais difícil para eles. O medo e a angústia relacionados ao novo coronavírus também podem ser sentidos com mais veemência pelos mais velhos, afinal, eles fazem parte do grupo de risco.
A pesquisa aponta que os mitos sobre a depressão também são frequentes nos mais velhos – cerca de 30% dos idosos mostraram que confundem a depressão com falta de fé, e não estão convencidos de que essa afirmação não seja verdade.
Entre os mais jovens, a pesquisa revela que a porcentagem a respeito das informações é que 87% deles não acreditam em outro mito, o de que o sucesso profissional, amoroso e social podem “blindar” contra a depressão.
No dia 10 de junho, o mundo do cinema e entretenimento perdeu uma mulher talentosa que lutava contra a depressão desde os 19 anos de idade. Jas Waters, jornalista e roteirista da série “This Is Us”, morreu aos 39 anos. A notícia foi confirmada através de uma publicação no twitter oficial da série, e, de acordo com os médicos legistas de Los Angeles, a morte de Jas Waters foi registrada como suicídio.
Ilumina, Giovana Araújo
Aqui no Brasil, a alegria inundou a vida de Giovana Araújo, 33 anos, e Eduardo França, 34, com a notícia de que esperavam o pequeno Joaquim. A gravidez tranquila e a felicidade da chegada do pequeno Joca, como era carinhosamente chamado pelos pais, trouxe um novo momento na vida do casal. “A frase que ela sempre dizia era ‘uma alma em constante busca por autoconhecimento, que acorda sorrindo e insiste em ser a mudança que deseja no mundo'”, conta Eduardo em entrevista à CLAUDIA.
Ele define Giovana como uma mulher iluminada, que irradiava luz por onde passava, e que quando Joca nasceu se dedicou para ser a melhor mãe do mundo. “O parto foi normal e lindo. Nosso casamento foi uma jornada muito bacana de 10 anos. Ela se dedicava muito a essa fase de ser mãe, buscando sempre fazer tudo da melhor forma possível”, lembra Eduardo.
Mas, na época, o mundo entrava em colapso com a chegada do novo coronavírus, e a sensibilidade de Giovana a fez sentir tudo de uma só vez. Segundo Eduardo, ela adoeceu em cerca de 15 a 20 dias. “Tínhamos uma boa vida, mas ela foi ficando muito triste, preocupada e começou a sentir coisas que não eram exatamente o que estava acontecendo. Ela não se sentia bem”.
Para tentar amenizar os sentimentos da esposa, Eduardo decidiu viajar para Goiânia, onde os pais de Giovana moram. “Aluguei uma chácara onde passaríamos um mês com a família dela, todos juntos. Ela desceu do carro e disse que daria de mamar para o bebê”. Giovana subiu em direção ao apartamento dos pais com o filho. Foram 32 andares, e é impossível imaginar o que ela pensou quando pulou da janela com Joaquim nos braços, no dia 17 de abril. “Acho que ela pensou que se o mundo não estava sendo bom pra ela, não seria bom para o Joca. Minha vida mudou muito a partir dali”, explica Eduardo. “Nunca a culpei pelo o que aconteceu, ela foi a melhor mãe que eu já vi, ela era muito forte”.
O legado de Giovana em boas ações
A doença silenciosa e rápida de Giovana o fez tomar uma atitude em apenas dois meses. Conversando com alguns amigos após o ocorrido, Eduardo queria auxiliar as pessoas que sofrem com depressão e também falar sobre o suicídio, independentemente do que ocasione o ato. “A depressão tem um preconceito, as pessoas acham que por ter uma boa vida, as pessoas não deprimem. E o suicídio é um tabu ainda maior”.
Junto com o Instituto Phi, Eduardo França criou o Fundo Ilumina, com o objetivo de arrecadar verba para ajudar mulheres que sofrem com a depressão. Todos os recursos serão destinados para o Instituto do Bem Estar. “Giovana amava viver. Sempre fiquei pensando como eu poderia honrá-la, pegar o nome dela e fazer coisas boas, daí surgiu a ideia de criar o fundo”, argumenta Eduardo.
As doações da primeira campanha podem ser feitas através do Paypal e se encerrarão no dia 06 de julho, data do aniversário de Giovana. “Esse é o primeiro passo, eu quero que isso vá muito longe. Ela tinha um amor pela vida, no olhar, era impressionante a forma com que ela enxergava o mundo. Era uma maneira muito especial”, diz Eduardo.
“As pessoas estão se olhando pouco, e isso mascara muita coisa. Essa falta de cuidado faz com que muitas coisas passem despercebidas, e tem coisas que não têm volta. Dentro do contexto que estamos vivendo, precisamos de um olhar mais humano sobre as pessoas”, afirma.