Como (e até que ponto) o Bullet Journal ajuda nossa saúde mental
A agenda, que ficou famosa por ser uma ferramenta de organização, ainda não substitui aquela visitinha a um profissional.
Caso você ainda não tenha ouvido falar, a gente explica: bastante popular na internet, o Bullet Journal é um tipo personalizado de agenda, criado e recriado a todo instante por cada um de seus usuários.
Além de ajudar todo mundo a cumprir suas tarefas diárias numa boa, ele também tem se destacado como opção de monitoramento da saúde mental. Em gráficos e tabelas específicas para o registro dos sentimentos e das atividades de cada dia, os adeptos do “BuJo”, como é chamado nas redes sociais, conseguem acompanhar a frequência da felicidade, da tristeza e de demais emoções, além relacioná-las às ações cotidianas.
A popularização da agenda para esse propósito específico tem tudo a ver com o fato de a saúde mental estar finalmente sendo discutida na mídia. Junto à própria menção ao tema, tem aumentado cada vez mais o número de celebridades que admitem publicamente sofrerem de transtornos psíquicos, por exemplo. Isso é positivo, já que ajuda a diminuir o preconceito diante do sofrimento e deste tipo de doença; mas de certa forma também negativo, já que pode gerar, além de desinformação, o diagnóstico excessivo de determinados transtornos e a aparição de “soluções mágicas” para os dias em que não nos sentimos tão bem. O BuJo pode ser considerado uma destas soluções.
É claro que não se pode ignorar a popularidade deste método – e seu sucesso não se dá em vão. Em entrevista à New York Magazine, o neurocientista Daniel Levitin explica alguns dos aspectos positivos do Bullet. De acordo com ele, as vantagens são semelhantes às de outros tipos de agenda, já que, como só conseguimos focar em cerca de quatro coisas ao mesmo tempo, quando anotamos nossas tarefas, podemos “excluir” da mente algumas preocupações e realmente nos concentrar no que estamos fazendo. “Se você está no trabalho e tem vozes na sua cabeça dizendo coisas como ‘Não se esqueça de buscar as roupas na lavanderia’, ‘Precisamos comprar leite’, ‘Eu preciso pagar aquela conta hoje’ e ‘Tenho que ligar para a tia Tilly’, isso já são quatro coisas”, ele diz. “Você já estaria trabalhando sua cabeça ao máximo, sem nem ao menos estar trabalhando”.
Além disso, o BuJo é um tipo tão livre e personalizável de agenda que acaba podendo ser categorizado como trabalho manual – algo que tem sido bastante relacionado ao bem-estar mental.
Segundo Valeschka Martins Guerra, psicóloga e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), os registros diários podem ser mais efetivos quando são feitos de maneiras específicas, diferente das listas e dos quadradinhos mais comuns nos Bullet Journals. “Indivíduos que escrevem sobre suas emoções e pensamentos têm um aumento no seu nível de bem-estar, faltam menos ao trabalho, apresentam maiores notas acadêmicas e um sistema imunológico mais resistente”, explica ela. “Um tipo de anotação diária que tem sido consistentemente estudada por pesquisadores diz respeito aos diários de gratidão, em que você anota diariamente três eventos ou coisas pelos quais se sente grato. A gratidão é uma emoção que pode ser treinada com esse tipo de hábito, e esse treinamento tem demonstrado um aumento nos níveis de bem-estar e uma redução de sintomas de doenças físicas”.
Já para Christian Dunker, psicanalista e professor da Universidade de São Paulo (USP), o Bullet e os aplicativos como o Daylio são uma “nova versão” de antigas preocupações. “É sobre como devemos nos governar, nos conter, nos administrar de modo a obter ganhos de produtividade e funcionalidade”, diz.
“É uma abordagem que funciona melhor para sintomas ou dificuldades bem específicas”, explica ainda Dunker. “No geral, o que se obtém como transformação de comportamento logo é ‘devolvido’ em termos de autodecepção – mais ou menos como acontece com os regimes alimentares”.
Ou seja: sim, esta agenda pode ajudar – principalmente em termos de organização -, mas, por às vezes explicitar nossas tristezas e até nossa incapacidade de manter a disciplina, também pode nos fazer mal.
Os “gráficos de humores” feitos nos Bullet Journals e no próprio Daylio podem (e provavelmente vão) evidenciar uma verdade: existem dias tristes em nossas semanas, meses e anos. Mesmo que não seja através de registros diários ou do Bullet Journal, porém, sempre é possível encontrar e criar novas formas de lidar com a dor – e às vezes até de conseguir entender, como sugere Dunker, o que o sofrimento pode dizer sobre nós mesmos.
E, quando toda solução parecer distante demais, é importante saber que sempre há profissionais prontos para ajudar.