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Alcoolismo é cada vez mais frequente entre as mulheres

O álcool seduz, afasta a solidão, dilui o stress, encoraja. Ele tem levado cada vez mais mulheres para o bar e o para o alcoolismo. E o crescimento do uso entre elas já é 140% maior do que entre os homens

Por Solange Azevedo
Atualizado em 28 out 2016, 14h40 - Publicado em 23 jul 2013, 22h00
Reportagem: Solange Azevedo / Edição: MdeMulher
Reportagem: Solange Azevedo / Edição: MdeMulher (/)
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Alcoolismo é cada vez mais frequente entre as mulheres

De cada dez dependentes de álcool, quatro são mulheres
Foto: Getty Images

No início, parece diversão e demonstração de independência. As mulheres bebem para ficar desinibidas e se relacionar melhor com as pessoas. Os sentimentos de inadequação e vazio desaparecem, a solidão também evapora como mágica. A autoestima cresce na mesma velocidade com que o teor etílico sobe no sangue. O corpo se mostra resistente. Amigos e familiares costumam comentar, alguns até em tom de admiração, que elas “bebem como os homens”, porque não revelam sinais de embriaguez facilmente. O que difere de uma história para outra é a maneira como cada mulher descobre que caiu numa armadilha e o tempo que demora para pedir ajuda. O que era prazeroso se torna um mergulho profundo no inferno. E não há mais controle; sozinha, ela não consegue parar.

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Uma das facetas mais cruéis dessa enfermidade é o estigma. “Eu digo para as pessoas próximas que não posso mais beber porque sou alcoólatra”, conta Maria Clara*, 37 anos, que atua no departamento de vendas de uma multinacional. “Elas me respondem: `Conta outra, você é engraçada’. Antes, meu preconceito também não me deixava acreditar nisso. Eu pensava que, por ser loira, bonita e saudável, não aconteceria comigo.” Maria Clara começou a perder o pé da situação na faculdade. Carregava cerveja ou destilado para consumir no trajeto ou nos intervalos das aulas. Esse tipo de comportamento, alertam especialistas, tem se tornado cada vez mais comum.

Início precoce

De acordo com o psiquiatra Arthur Guerra, de cada dez dependentes, quatro são do sexo feminino. Os números preocupam: há duas décadas, a proporção era de uma mulher para cada dez dependentes. “A expectativa é de que, nos próximos 25 anos, o padrão de consumo seja igual ao masculino”, diz o professor Amadeu Roselli Cruz, do Rio de Janeiro, que comandou um estudo com 52 mil alunos do ensino médio em 16 estados. Nos anos 1980, lembra ele, as meninas começavam, aos 17 anos, com bebidas adocicadas e de baixo teor alcoólico. Hoje iniciam aos 13 com cerveja e destilados, assim como os homens.

No mundo dos adultos, mudanças econômicas e culturais importantes – como a inserção no mercado de trabalho e o fato de que mais mulheres se tornaram chefes de família – tiveram impacto significativo na saúde delas, e isso ajuda a explicar a busca da bebida como alívio para o stress e a pressão do cotidiano. Além do alcoolismo, doenças associadas ao acúmulo de responsabilidades, como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, historicamente mais frequentes nos homens, estão em ascensão na população feminina. “Há, ainda, uma questão mercadológica, um estímulo da indústria para que mulheres consumam álcool”, avalia a psiquiatra Ilana Pinsky, de São Paulo. “Vende-se a ideia de que temos de fazer tudo igual aos homens, inclusive beber. Mas nosso corpo não aguenta. Não podemos chegar nem perto da quantidade que eles ingerem”, diz. O abuso do álcool se mostra mais nocivo em mulheres, já que elas, geralmente, têm menos massa corpórea e enzimas no fígado para metabolizar a substância.

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Aumento perigoso

Uma pesquisa recente da Unifesp revelou que o número de mulheres consideradas bebedoras frequentes, aquelas que ingerem álcool pelo menos uma vez por semana, cresceu 34,5% no período de 2006 a 2012. É um aumento 140% maior do que o registrado entre os homens – sendo que 49% das mulheres admitiram beber “em binge” (quatro doses em apenas duas horas). “Beber em binge é encher a cara”, traduz Ilana, uma das coordenadoras do estudo. “É importante detectar essa situação porque ela sinaliza padrões negativos de consumo, como a possibilidade de a pessoa se envolver em acidentes, tentar o suicídio ou manter hábitos sexuais perigosos.”

Com a vida social mais rica e cheia de opções, as oportunidades de beber também acabaram ampliadas. Executivas estão sempre às voltas com jantares e almoços de negócios onde a oferta de álcool é farta. Happy hours são rotina entre colegas de trabalho. Isso sem contar as baladas, que atraem as mais jovens, e os bares que abrem às 7 da manhã nos arredores das escolas e universidades. Se, anos atrás, beber era considerado “feio” para as mulheres, e isso ajudava a afastá-las do álcool, hoje o ato é amplamente incentivado. “Mas o homem não costuma ser solidário com a alcoolista. Ele sai da relação antes de a dependência ficar muito visível”, alerta o psiquiatra gaúcho Carlos Salgado. “Eu me dei conta do problema no dia em que fiz um escândalo e o meu marido foi embora”, relata a advogada Sara*, 43 anos. “Cada um tem o seu fundo de poço. O meu foi o barulho da porta batendo. Pensei: `O que estou fazendo comigo?’.” O marido voltou e foi quem mais sofreu com o alcoolismo dela – mais até do que os três filhos, do primeiro casamento. “Minha capacidade de trabalhar foi sendo reduzida e eu fiquei só com um cliente”, recorda-se.

Além de ter o dinheiro encurtado, ela sofreu alguns acidentes de carro. “Um dia, achei que ele tinha ficado de conversa com uma moça. Tomada pelo ciúme, descontei no acelerador. Foi perda total. Bati o carro numa árvore e levei 80 pontos no rosto”, conta. E admite: “Já coloquei a vida de várias pessoas em risco”. Há três anos, Sara está nos Alcoólicos Anônimos (AA) e limpa. “Eu me sinto mais feliz, minhas emoções estão clareando”, garante. Sobre a razão para adotar o copo como companheiro, a advogada diz: “É difícil passar pelos problemas da vida sem ter uma válvula de escape”. Há também aquela velha história: excessivamente cobradas, as mulheres sentem que não podem fracassar. No caso dela, pesou ainda uma dose de orgulho, pois acreditava que uma pessoa com doutorado seria obrigada a dar conta de tudo. Está aí uma sensação que muitas de nós conhecem bem.

*Nomes fictícios
 

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