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Por que precisamos do 8 de março

Lady Gaga, Fernanda Torres e as militantes que foram às ruas precisam gritar ainda mais alto para sacudir a sociedade

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
1 mar 2016, 16h53
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  • Nunca esteve tão bom. O debate em torno da mulher tem mobilizado não só as militantes, como no passado, mas os teimosos ouvidos moucos. O sangue anda quente, com vários quebra-paus. Em um deles, Fernanda Torres pediu desculpas por sua análise “de mulher branca, de classe média”. A atriz e escritora foi corajosa, tomou o caminho da humildade e recuou.

    Fernanda não se comporta como uma defensora da supremacia do macho; sua carreira e trajetória pessoal não refletem isso. Mas no artigo intitulado Mulher, transpirou a cultura real que o país escravocrata nos deixou. Herança maldita. Os homens podem tanto que, às vezes, fica a vontade de ter a força e a liberdade deles. Quem nunca quis? O lado B é o uso que o mundo masculino faz dos poderes para interditar a mulher, rebaixá-la, usurpar suas chances no trabalho, comandar seu desejo, esfolar seu corpo. Sobretudo quando a carne é de uma negra – são elas as mais maltratadas e assassinadas. Maldita herança. Então, foi ótimo, Fernanda Torres suscitou a fúria de milhares de brasileiras que se defenderam, umas às outras. Ela acabou levando à reflexão sobre o quanto ainda precisamos batalhar para mudar pensamentos e atos que vão muito além do fiu-fiu que os homens assobiam.

    Já escrevi aqui que, particularmente, gosto do jogo da sedução, do olhar de cobiça. Essa sou eu. Outras não querem nem algo assim. Na rua, e ainda propalada em bando, a cantada constrange e oprime uma mulher que passa, no Capão Redondo ou em Ipanema. Mas é preciso cuidado para não ficar a ideia de que somos bibelôs, que não sabemos nos impor, nos proteger. As velhas feministas lutaram para que a mulher não se acue nem se encolha. Ou não? Ora, se não quero que me dirijam um olhar guloso, fecho a cara, faço um gesto que desbanca o inconveniente. E se o caso é mais pesado, tem a lei, a polícia, a Justiça. Quando o direito falta, nós chamamos por ele. Muitas vezes, “no berro”.

    O episódio Fernanda Torres, que provocou a ira de muitas feministas, mostra como a discussão é importante para virar o jogo, ainda favorável a eles. Falta salário igual, creche para todas, punição aos homens que praticam violência verbal, patrimonial ou financeira contra suas mulheres. No campo sutil da vida doméstica, essas agressões vão demolindo aos poucos. Precisam ser combatidas, assim como o feminicídio. Afinal, os ataques aparentemente sem poder ofensivo pavimentam a via, facilitam o percurso do ciumento, depois do matador.

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    Tudo que ferve no tema feminismo, contribui com os propósitos da mulher. Se, por um lado, Lady Gaga ajudou a indústria cinematográfica americana a lavar sua imagem (que ficou suja ao excluir negros da disputa pelo Oscar e tratar as atrizes de forma desigual), por outro, expôs um problema grave. A letra que a estrela pop cantou neste domingo (28/02), Til It Happens To You, composta para a trilha sonora do documentário The Hunting Ground, fala de algo que aconteceu com ela: o estupro.

    Você diz que vou me sentir melhor com o passar do tempo.

    Você me diz que eu vou me recompor

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    Vou me recompor, que vou ficar bem

    Me diga, o que você sabe? O que você sabe?

    Me diz como é que você pode saber? Como pode saber?

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    Até que aconteça com você

    Você não sabe como é, como é

    Até que aconteça com você, você não saberá, não será real.

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    Não será real, não vai saber como é

    Só quem passou por esse inferno pode dizer o quanto sofreu. Ao lado de Lady Gaga, as mulheres saíram do escuro, das estatísticas, e se revelaram no palco da premiação, como vítimas de estupros nas universidades americanas. São de carne e osso como outras tantas que permanecem chorando sozinhas. Pelas contas da ONU, 99,3% das egípcias já enfrentaram assédio em público, foram forçadas a trabalhar por horas extras desnecessárias ou sofreram severas violações físicas e emocionais. Na Índia, o estupro coletivo é quase um esporte. Entre os alemães, a conjunção carnal criminosa não ocorreu só no último réveillon da cidade de Colônia: é constante em toda Oktoberfest. As mulheres estão produzindo o maior barulho para dar visibilidade à truculência no mundo. E isso já produz resultados palpáveis.

    No Brasil, as feministas saíram do fechado e se puseram em franca artilharia no ano passado. Foram às ruas no Fora Cunha, movimento que tornou o presidente da Câmara dos Deputados o inimigo público número1 das mulheres. Baluarte de todos os retrocessos que tramitam no Congresso Nacional, Eduardo Cunha pretende dificultar o acesso à pílula do dia seguinte, representa a ala forte que quer rever o Estatuto do Desarmamento, criar o Estatuto da Família, reduzir a maioridade penal e endurecer a punição contra quem aborta. Também em 2015, meninas estiveram no grupo de comando de todas as escolas ocupadas para contrapor à política de Geraldo Alckmin, que previa o fechamento de colégios e o remanejamento de alunos. O governo recuou à pressão.

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    Na Universidade de São Paulo, as alunas denunciaram abusos nos trotes e nas festas. Pelo menos um caso já tem réu: Daniel Tarciso da Silva Cardoso, estudante de medicina, acusado pelo estupro de uma mulher do curso de enfermagem. Ele teria cometido o mesmo crime contra mais uma colega.

    Estão ainda em curso inúmeras iniciativas em defesa das mulheres negras, lésbicas, transexuais e grávidas que contraíram zika, querem interromper a gestação e sofrem a violência de Estado – que as impede de exercer o seu direito de escolha.

    O resultado do efervescente 2015 é a agenda lotada de eventos neste março. Haverá muitos debates, palestras, exibições de filmes, discussões sobre demandas específicas. O Dia Internacional da Mulher nunca foi tão necessário para a tomada de consciência.

     

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