A condenação a dois meses de prisão de uma ativista LGBT gerou uma onda de protestos e novas prisões de manifestantes na Polônia, no último final de semana. O país vive uma série de conflitos entre militantes de esquerda e de direita – este segundo grupo defende a “família tradicional” e um “país forte”.
Margot, como a ativista é conhecida, é uma mulher trans que foi presa no final de junho por pendurar bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo LGBT, em estátuas religiosas; ter furado os pneus de uma van com slogans homofóbicos (pertencentes a uma entidade contra o aborto), além de ter pintado o veículo e colocado faixas coloridas sobre ele. Na ocasião, ela foi solta após pagar fiança.
Porém, na sexta-feira (7), o tribunal decidiu que ela voltaria a ser presa, cumprindo pena de 2 meses de detenção. A prisão da ativista foi o estopim para um grande protesto no sábado (8), em Varsóvia, a capital da Polônia. Os manifestantes visam chamar a atenção da União Europeia e do mundo para a LGBTfobia institucionalizada no país.
Um exemplo do problema são mais de 100 cidades polonesas que já prometeram, segundo ativistas, “desencorajar a tolerância” e evitar o repasse de recursos públicos a entidades de combate à homofobia ou que lutam pela igualdade de direitos. Além disso, seis desses municípios já se declararam “zonas livres de LGBT” – ou seja, municípios onde há, abertamente, discriminação a pessoas homossexuais, bissexuais e transsexuais.
Na semana passada, a Comissão Europeia chegou a rejeitar pedidos de subsídios dessas cidades, mas o ato foi encarado como algo simbólico, já que ainda há uma centena de municípios hostis à comunidade LGBT.
Além disso, o governo do partido conservador Lei e Justiça (PiS) tem tomado várias ações para limitar direitos homossexuais, como a proibição de adoção e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Para somar, o presidente Andrzej Duda, durante sua campanha para reeleição, prometeu proibir o ensino de “questões de gênero” nas escolas e afirmou em discursos que os homossexuais eram “inimigos piores do que os comunistas” e que “estão tentando nos convencer de que eles são gente”.
As manifestações a favor dos direitos LGBT já estão sendo apelidadas de “Stonewall da Polônia”, em referência à Revolta de Stonewall, de 1969, que é considerada marco da luta pelo respeito aos LGBT e o início do movimento existente até os dias atuais.
A brutalidade policial durante as manifestações também está sendo denunciada, através das redes sociais. Alguns dos manifestantes foram espancados e outras 48 pessoas, que tentavam impedir a prisão de Margot, foram presas. Veja o vídeo abaixo:
tw // violence
please stop scrolling
in poland an lgbt+ activist was falsely accused and brutally arrested, the protests are happening
as lgbt community we dont have any rightsplease rt to spread awareness of what is happening pic.twitter.com/1p2DkF8sHt
— ً acab (@taecultz) August 7, 2020
Deputados pressionam União Europeia
Enquanto as ruas eram tomadas por manifestantes contra a LGBTfobia existente no país, no Parlamento Europeu deputadas se vestiam com roupas com as cores da bandeira LGBT, a fim de se manifestarem a favor dos direitos da comunidade. O ato aconteceu durante um evento que contava com a presença do presidente Andrzej Duda.
As parlamentares também pressionam a União Europeia para impor sanções à Polônia, “pelas violações generalizadas e persistentes do Estado de direito, dos direitos fundamentais e dos valores da UE”.
Em rede social, a comissária Dunja Mijatovic, do Conselho da Europa, entidade de defesa dos direitos humanos, pediu a libertação de Margot, afirmando que a detenção “envia um sinal assustador sobre a liberdade de expressão e os direitos LGBT na Polônia”.
Michael Simecka, relator paralelo sobre a Polônia no Parlamento Europeu, também se manifestou contra as prisões de ativistas. “As detenções são um excelente exemplo de como as violações dos direitos humanos andam de mãos dadas com a destruição da supervisão judicial independente no país.”
Já para a eurodeputada Sophie in ‘t Veld, vice-presidente do intergrupo LGBTI e coordenadora na Comissão das Liberdades Civis, os conflitos dos últimos dias mostram um avanço do governo “para o próximo nível de sua campanha homofóbica”. “Estamos passando rapidamente do discurso de ódio para realmente prender e intimidar as pessoas. Não se trata apenas do desmantelamento deliberado do regime democrático de lei, é também um ato de desafio à UE”, afirma.
Homofobia disfarçada de nacionalismo
Além das manifestações que eclodiram após a condenação de Margot, a Polônia passou por outra situação bastante emblemática. No dia 1º de agosto, militantes de direita fizeram uma passeata em comemoração aos 76 anos da Revolta da Varsóvia – que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial e se tratou de uma luta armada para libertar a cidade do controle dos nazistas.
A questão é que os militantes de direita utilizam a ideologia nacionalista para também protestar contra os direitos LGBT. Durante a manifestação, que foi chamada de Marcha da Revolta de Varsóvia, os manifestantes seguravam cartazes com os dizeres “fim do totalitarismo” – se referindo às demandas LGBT e de esquerda como uma ditadura totalitária –, “família normal, Polônia forte” e “movimento nacional”.
Muitos participantes cantavam os slogans “Uma vez com uma foice, uma vez com um martelo, uma ralé vermelha” e “Não é um arco-íris, não é vermelha, apenas a Polônia nacional”. Também colocaram fogo em uma bandeira LGBT.
Na ocasião, houve, ainda, conflitos entre manifestantes de direita e de esquerda. Ativistas pró-LGBT e feministas penduraram a bandeira do arco-íris e faixas com os dizeres “levante-se contra o fascismo” e “feminismo, não o fascismo” nas janelas de um prédio, em frente ao local onde os ativistas nacionalistas passavam. Em resposta, os manifestantes de direita atiraram garrafas contra o prédio e ameaçaram os ativistas de esquerda, que foram acusados pela polícia de “perturbar a ordem”.
Petição arrecada mais de 500 mil assinaturas
Uma petição com o objetivo de abolir leis anti-LGBT existentes na Polônia, além de proteger a comunidade e convocar a União Europeia para intervir no país, já conseguiu quase 600 mil assinaturas – até o momento da publicação desta matéria.
O texto da petição afirma que “a comunidade LGBT da Polônia sofre com homofobia e transfobia por parte dos políticos, religiosos e líderes e com a falta de leis de proteção”. Diz ainda: “Exigimos que o governo polonês tome medidas contra a homofobia e aprove leis que protejam as pessoas LGBT nas escolas, locais de trabalho e acabe com as leis homofóbicas e transfóbicas atuais, como as ‘zonas livres de LGBT’ e a proposta de ‘proibição de propagação da ideologia LGBT’, que é uma forma de censura”.