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Oprah Winfrey fala sobre superação e empoderamento

A mulher que derrubou barreiras raciais e de gênero com suas conquistas conversa com CLAUDIA

Por Isabella D’Ercole e Lucy Allen/The Interview People
Atualizado em 16 abr 2024, 12h39 - Publicado em 28 fev 2018, 11h16
 (Divulgação/Getty Images)
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É preciso voltar o filme e revisitar duas cenas para entender o atual momento de Hollywood – em que se comemora o fortalecimento do feminismo em uma área até então deficitária em se tratando de posicionamento. Primeiro, rebobine até 5 de outubro do ano passado, uma quinta-feira em que a chamada mais chocante do jornal americano The New York Times era a denúncia de atrizes contra o produtor milionário Harvey Weinstein, hoje com 65 anos.

Responsável por filmes vencedores do Oscar, como Shakespeare Apaixonado e Os Oito Odiados, ele teria aparecido pelado diante de atrizes em quartos de hotel e durante filmagens, exigido favores sexuais em troca de bons papéis e estuprado mulheres nos Estados Unidos e na Inglaterra. Em pouco tempo, várias estrelas expuseram histórias assustadoras com o poderoso produtor – entre elas, Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow e Cara Delevingne.

A segunda cena-chave ocorreu em 7 de janeiro deste ano, em Los Angeles. Ao receber o Prêmio Cecil B. DeMille pelo conjunto da obra, na cerimônia do Globo de Ouro, a apresentadora e atriz Oprah Winfrey subiu ao palco para falar do impacto que certos atos de resistência e as batalhas feministas em geral causam nas meninas por todo o mundo.

“Quero expressar minha gratidão às mulheres que aguentaram anos de abuso e assédio porque, assim como minha mãe, tinham crianças para alimentar, contas para pagar e sonhos para perseguir”, disse em um discurso emocionante.

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(Divulgação/Getty Images)

A fala de Oprah celebrou a força feminina em Hollywood, encorpada pelo episódio de Harvey Weinstein. Ali, ela deu destaque ao movimento Time’s Up (algo como “O tempo acabou”, em tradução livre), criado no começo do ano por atrizes como Reese Witherspoon, America Ferrera e Natalie Portman. Unidas, elas não pretendem deixar as denúncias se esvaziarem e querem ultrapassar os domínios de Hollywood.

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Já criaram até um fundo para pagar processos legais de vítimas de assédio. “Desde as que trabalham nas fábricas e nas fazendas até as empresárias e as que atuam na mídia e além, levantem-se e venham conosco fazer sua voz ser ouvida.” Assim, o movimento conclama todas a abraçar a missão de dar mais poder de fala às mulheres. Celebridades fizeram doações milionárias ao projeto.

O ator Mark Wahlberg, por exemplo, após descobrir que Michelle Williams, com quem contracenava, recebera menos de 1% do cachê dele pelo mesmo trabalho, entregou 1,5 milhão de dólares.

Como se vê, de outubro até agora, Hollywood viveu uma verdadeira – e acelerada – revolução feminista. Ainda há muito que caminhar, mas os progressos são visíveis. Embora os salários continuem desiguais, as mulheres estão entrando nas reuniões confiantes, prontas para exigir mais. E o silêncio deixou de ser uma opção. Por anos, era impensável que segredos sobre abusos machistas viessem à tona (ou, quase certo, elas perderiam empregos e contratos).

Hoje, isso é uma realidade, e eles vão ter de aprender a lidar com o novo cenário. As mulheres estão falando mais, contando com o apoio umas das outras e expondo quem ainda acha que esquemas retrógrados funcionam. Segundo levantamento do jornal USA Today, desde outubro mais de 140 homens americanos públicos, como atores, atletas e chefs, foram acusados de assédio.

Não demorou para surgir quem criticasse o levante feminista em Hollywood. A atriz francesa Brigitte Bardot chamou as engajadas de hipócritas, afirmando que muitas delas “haviam usado charme e sedução para conquistar papéis desejados e, depois, contavam a história como se fosse assédio”. Sua compatriota Catherine Deneuve assinou uma carta aberta na qual afirmava que o movimento feminista de hoje é extremo.

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Ainda reprovava o “puritanismo” de quem não entende elogios. Após sofrer duras críticas de vítimas de violência de gênero, Catherine se desculpou publicamente. No Brasil, a escritora Danuza Leão publicou texto polêmico no jornal O Globo dizendo que esse tipo de fenômeno só combina com os Estados Unidos, porque “lá eles não entendem nada de sexo”. “É doloroso saber que uma mulher pode fazer uma acusação e tirar o emprego de um homem. É algo pecaminoso”, escreveu.

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Onda que cresce

Hollywood é terra de holofotes. Assim, não é de estranhar a repercussão desses casos de assédio. A mobilização das mulheres do cinema, porém, não constitui um episódio isolado. Insere-se em uma onda feminista recente, impulsionada por jovens que se manifestam, principalmente, usando as redes sociais, mas que acabam levando multidões às ruas.

Não por acaso o dicionário americano Merriam-Webster elegeu a palavra feminismo como a mais representativa de 2017 – foi a mais buscada na internet. E sua capacidade de viralizar é enorme. Basta dizer que a hashtag feminism já apareceu mais de 6 milhões de vezes nas redes. Mas outra hashtag causou mais furor no ano passado, levando muitos homens a refletir: #MeToo (Eu também).

A expressão tinha sido adotada uma década antes pela ativista americana Tarana Burke. No entanto, somente a partir do dia 15 de outubro de 2017 tornou- -se um lema de união entre as mulheres. No Twitter, a atriz Alyssa Milano convocou quem quisesse compartilhar histórias de assédio e abuso a usar a hashtag. Em apenas uma noite, mais de 30 mil pessoas, entre celebridades e anônimos, já tinham aderido ao movimento.

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A rede de empatia e solidariedade se expandiu e, de tão imensa que ficou, chamou a atenção da revista Time. A publicação acabou decidindo selecionar não uma pessoa, mas o movimento e todas as mulheres que quebraram o silêncio como “personalidade do ano”.

A intenção da campanha é fazer com que as vítimas não se sintam sozinhas, mesmo que a rede de apoio seja virtual. Aos poucos, homens passaram a interagir e foram convidados a ouvir a versão feminina sem julgamentos prévios ou críticas. Ao engajá-los, a proposta é educá-los, para que, no futuro, a igualdade seja o natural e o assédio algo a ser evitado. “E que ninguém nunca mais tenha de falar me too”, disse Oprah.

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(Divulgação/Getty Images)

Dama do pioneirismo

Oprah Winfrey, 64 anos, completados neste mês, tinha apenas 10 quando o ator Sidney Poitier subiu ao palco da maior premiação de cinema do mundo para receber um Oscar pela atuação em Uma Voz nas Sombras. Era 1964 e ele se tornava o primeiro negro a receber a estatueta naquela categoria.

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Ela relembrou o impacto que o episódio teve em sua vida durante seu discurso no Globo de Ouro. “Tentei muitas vezes explicar o que um momento desses significa para uma menininha que via a mãe chegando cansada depois de limpar a casa de outras pessoas o dia todo, sem poder fazer nada para ajudar.” Talvez aquela tenha sido a centelha de que precisava para voar alto.

Hoje bilionária, Oprah é a primeira negra a alcançar esse patamar em seu país. Já declarou em diversas entrevistas que sempre soube ter nascido para ser diferente e quebrar o padrão de pobreza e de tragédias da sua família. Natural do Mississippi, veio ao mundo no mesmo ano em que a segregação racial nas escolas americanas foi julgada inconstitucional.

A garota passou os primeiros anos de vida na casa da avó. Morou com a mãe depois, mas não teve coragem de contar que era estuprada por primos. Engravidou aos 14, e o bebê nasceu morto. Obstinada a conquistar uma trajetória de sonho, fugiu de casa e foi estudar. Com um carisma inquestionável, cativou o público apresentando um programa matinal na televisão. Não parou mais.

Em 1986, estreou The Oprah Winfrey Show, que ficou 25 anos no ar e chegou a ser exibido em 145 países, inclusive no Brasil. Ganhou o título de “o talk show mais visto dos Estados Unidos”. Em seu sofá, sentaram-se as mais diversas personalidades, na melhor combinação de entretenimento com jornalismo sensacionalista. Mulheres começaram a lotar seu auditório e não sentiam a menor vergonha de dividir dramas.

Ali, encontravam espaço para falar do desafio de perder peso. Ou até para pedir ajuda para a realização de projetos pessoais. Sempre achavam inspiração nas palavras motivacionais da apresentadora.

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O estúdio do programa ficou pequeno para Oprah em 2011, quando abriu o próprio canal de TV, o OWN. Hoje mantém um império de comunicação. Tem revista, livros publicados, cursos e workshops de bem-estar ministrados.

Também atuou em filmes, a maioria sobre os conflitos raciais americanos. Já foi até indicada ao Oscar. Assim que desceu do palco do Globo de Ouro, concedeu esta entrevista, que CLAUDIA publica com exclusividade no Brasil.

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CLAUDIA: Qual foi a lição mais valiosa que aprendeu em sua carreira?

Oprah Winfrey: Veio da Maya Angelou (escritora e ativista negra americana, morta em 2014), logo que eu a conheci, nos anos 1970. Ela falou: “Querida, quando alguém disser a você quem é, só acredite da primeira vez”. Com os anos, adquiri essa sabedoria de avaliar não só como o outro se descreve mas seu comportamento, suas ações. Demoramos pelo menos 29 vezes para aprender uma lição.

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(Divulgação/Getty Images)

CLAUDIA: Você vive um momento de auge. O que a faz continuar humilde?

Oprah: O reconhecimento. Quando me chamaram para contar que eu ia receber o Prêmio Cecil B. DeMille, respondi: “Mas não sou eu quem deveria ganhar isso”. Estava trabalhando com Reese Whiterspoon havia seis meses na gravação de Uma Dobra no Tempo e um dia, no camarim, perguntei a ela quantos filmes havia feito.

“Sinceramente, nem sei, foram tantos”, respondeu. Torci para ela não me fazer a mesma pergunta, porque eu teria que dizer que foram só uns cinco (risos). No universo dos filmes, sou a criança novata do pedaço, e isso me deixa intimidada. Mas o prêmio é pela obra como um todo. E, quando falamos do meu programa de TV e sobre a marca cultural que deixamos pelo mundo, tenho muito orgulho.

CLAUDIA: O que você diria às futuras gerações de Hollywood?

Oprah: Para fazer filmes, é preciso se dedicar ao que você ama. Trabalhei no meu programa por 25 anos, e meu marido (Stedman Graham, empresário e palestrante) pode contar quantas noites eu chegava em casa e nem conseguia tirar as roupas para dormir porque sabia que ia ter que acordar em menos de quatro horas.

Mas nunca fiquei esgotada. O trabalho precisa vir direto da alma, refletir o passado, mostrar histórias que aconteceram enquanto você crescia e lhe trazem paixão – e que você deve contar porque, senão, ninguém mais vai. Outro grande aprendizado foi que a chave do sucesso é se alinhar com a missão real da sua alma. Se você faz filmes que vêm do seu âmago, não há como dar errado. Mas, se a motivação é dinheiro ou fama, a expectativa não será alcançada.

CLAUDIA: Você sempre tem bons conselhos. Qual palavra de sabedoria daria para a Oprah de 7 anos sobre sobreviver neste mundo sendo mulher?

Oprah: Aos 7, eu era triste. Todo meu amor vinha das professoras. Você não faz ideia do poder que exerce quando enxerga verdadeiramente o outro. E o poder que dá àquele que é notado. Esse é o maior presente que se pode oferecer a alguém. Em todos os anos do meu programa, eu aprendi isso. Podia entrevistar um pai que matou as filhas gêmeas, um político, Barack Obama (o ex-presidente), a (cantora) Beyoncé.

Ao final, todos me faziam a mesma pergunta: “Como eu me saí?”. Entendi que há uma linha ligando a humanidade – todos querem saber se foram ouvidos, se o que falaram teve algum significado. Reconhecer isso nos outros me ajudou a ter mais compaixão e ser compreensiva.

Consigo entrevistar qualquer pessoa a respeito de qualquer assunto porque sei que, na essência, somos todos iguais. Só queremos ser ouvidos.

CLAUDIA: No ano passado, o mundo era outro. Donald Trump tinha acabado de vencer as eleições. As acusações de assédio em Hollywood ainda estavam longe de estourar com força. Agora, enquanto estava no palco e todo mundo na plateia vestia preto manifestando-se contra casos de assédio, você sentiu que nós, coletivamente, estamos caminhando em uma direção melhor?

Oprah: Pelos anos de observação e experiência, entendi que, quando algo realmente negativo está ocorrendo, há uma reação oposta possível. Toda ação tem uma reação, certo? Quando começou o caso (de assédio) do (produtor de Hollywood) Harvey Weinstein, pensei: “Meu Deus, isso é grande!”. E, a cada revelação que surgia, eu enxergava uma oportunidade para algo poderoso, um crescimento enorme.

Precisávamos aproveitar o momento para amplificar o que estava acontecendo em vez de sermos sempre vitimizadas. Usar preto em solidariedade é um passo. E o que o movimento Time’s Up vem fazendo, com o apoio legal a casos de assédio, é uma evolução enorme. Foi essencial para nós, envolvidas com o Time’s Up, extrapolar Hollywood. Já somos um grupo privilegiado, mas queremos atingir as mulheres do mundo.

Eu disse em meu discurso e repito: não houve cultura, raça, religião, política ou ambiente de trabalho que não tenha sido afetado pelo machismo. Quis contar a história de Recy Taylor (mulher negra estuprada por seis brancos nos anos 1940) para mostrar que é algo que acontece há muito tempo, quando as pessoas achavam que não podiam falar publicamente sobre isso.

Há tantas mulheres que passaram por coisas horríveis e ficaram em silêncio porque não existiam outros recursos. Agora, que somos uma só voz, sinto que estamos levando empoderamento a quem nunca teve.

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