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“Não precisa me dar um tapa para ferir”, desabafa vítima de violência doméstica

Humilhações, traições e jogos de controle são características de abuso psicológico. Conheça a história de duas mulheres que estão aprendendo a se amar

Por Aline Takashima (colaboradora)
Atualizado em 12 abr 2024, 16h39 - Publicado em 9 set 2016, 14h45
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Letícia* descobriu duas traições do marido – cada uma no início de suas duas gestações. Casada há 16 anos, a dona de casa já pensou em se jogar em frente aos carros de uma rodovia movimentada, no município de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, onde vive. Mas sempre engoliu o choro e se conformou com o caráter infiel do marido, “porque ele sempre volta para casa”, resume. O marido de Letícia sai de casa na sexta-feira de manhã e retorna somente no domingo à noite – ela nunca sabe com quem ou fazendo o quê. 

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Já o marido de Amanda* tem outra rotina: seu programa favorito é assistir televisão, sentado no sofá. Ele não procura emprego, não limpa a casa e não cuida do filho de oito anos, que sofre de transtorno global de desenvolvimento. Para completar, grita, xinga e humilha a esposa. “Eu nunca sofri agressão física, mas eu apanho verbalmente”, confessa Amanda. 

As duas se conheceram na Associação Mulheres de Atitude para o Compromisso Social (Amac). O grupo oferece apoio a vítimas de violência doméstica e estimula o empreendedorismo entre mulheres, em Duque de Caxias. “Algumas mulheres não percebem que estão em situação de violência doméstica, pois não ficam com olho roxo. Mas nas rodas de conversa entre mulheres, elas acabam se identificando com abusos psicológicos que sofrem em casa”, explica Nilcimar Maria Silvestre dos Santos, uma das fundadoras do grupo e finalista do Prêmio CLAUDIA, na categoria Consultora NATURA. 

Neste mês, a chamada de capa da revista CLAUDIA com a empresária, modelo e atriz Luiza Brunet, provoca: “o que a história de uma branca, rica e famosa tem a ver com a de milhares de vítimas de violência doméstica no Brasil”. A assistente social do Centro de Referência de Atendimento a Mulher, de Duque de Caxias, Renata Lemos Coloneze, é categórica sobre a questão: “a violência doméstica não atinge somente as classes C e D. Mas as que chegam aos serviços públicos governamentais são as mais humildes”.

Leia também: “Seja forte”: Luiza Brunet dá recado para vítimas de violência doméstica

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Independentemente das peculiaridades de cada mulher, elas geralmente só procuram ajuda – seja através de órgãos públicos ou particulares – quando sofrem agressão física. Mas suportam violência psicológica durante anos, conforme explica Tânia Maria Leitão Nunes, psicóloga do Centro de Referência de Atendimento a Mulher, de Duque de Caxias. “O objetivo do meu trabalho é empoderar essas mulheres e desmitificar o conceito de violência doméstica como sendo só física. Os xingamentos e a desvalorização culminam na violência física“, ressalta a especialista. 

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Amanda* e Letícia*, vítimas de violência psicológica, contam suas histórias:
 
“Não precisa dar um tapa para ferir”

Eu sou casada há oito anos e nunca sofri agressão física. Mas eu apanho verbalmente. Meu marido me xinga, me chama de cobra. Ele grita e fala coisas horríveis. As palavras machucam. Não precisa me dar um tapa para me ferir. Meu filho é especial, tem uma doença chamada transtorno global de desenvolvimento. Ele é mais sensível. E quando o pai dele grita e discute comigo eu tento ficar calma para não assustá-lo. Ele chora e tem medo. Eu abraço o meu filho num cantinho e digo: ‘Fica calmo, fica calmo. Papai só tá falando. Ele vai parar de falar’. Eu me controlava para acalmar o meu filho.  

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No primeiro ano de casamento foi bom. A gente nunca brigava e concordava com tudo. Depois as coisas desandaram. Após três anos de casada, eu percebi que os problemas aumentavam e eu estava sobrecarregada e sozinha. O meu marido não trabalha, ele fica em casa o dia todo e ainda não ajuda com os afazeres domésticos. Ele saiu do último serviço, pois tem escoliose, desvio na coluna. Só que isso não o impede de trabalhar em algo que não existe esforço físico. Mas ele não quer. Ele não tem ânimo para procurar nada. 

Sempre levo meu filho para terapia e para acompanhamentos psicopedagógicos. Eu sustento a casa com o dinheiro que o meu filho recebe. Quando eu quero ir para a igreja, eu quero deixar meu filho com o meu marido. Mas eu não posso, porque ele não quer cuidar do próprio filho. 

No fim do ano, se o meu marido não mudar, eu vou sair daqui. Vou alugar uma casinha e me mudar com o meu filho. As mulheres da Amac falaram que eu não preciso ficar num relacionamento que me faz mal com medo que o meu filho sofra com a separação. Eu não vou tirar o meu filho do pai dele. Mas eu não preciso sofrer a vida toda.

As meninas da Amac ajudaram a aumentar a minha auto-estima. Sempre gostei de artesanato. E lá, aprendi novas técnicas de bordado e aplicação. Eu gosto de me sentir útil. Eu aprendi que não preciso baixar a cabeça e fazer tudo o que o meu marido manda. Hoje eu sinto que posso resolver os meus problemas sozinha, posso lidar com as minhas frustrações e tenho capacidade de resolver e vencer. – Amanda*, artesã, 35 anos

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“Achava melhor me enganar. Doía menos”

Eu sempre fui muito caseira e o meu marido sempre gostou de festa. No primeiro final de semana que estávamos casados, eu queria que ele ficasse comigo em casa, mas ele me deixou e saiu. Daí vieram as traições. 

Em certo momento, eu achei que deveria acompanhá-lo nos lugares. E eu percebi que sempre tinha uma mulher nos observando em todos os locais que ia. Ela ficava nas esquinas e nos jogos de futebol olhando para nós dois. Até que certo dia, ele saiu e passou a noite fora. Quando ele chegou de manhã, eu encontrei um celular nos bolsos da calça dele. Assim que liguei estava escrito o nome da mulher que nos espionava e do meu marido. Foi aí que o meu mundo caiu, eu me afundei e não tinha parede para me segurar. 

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Para completar o meu sofrimento, eu descobri que estava grávida. Não senti nada pela criança e queria abortar. Então, meu marido assumiu a traição. Disse que foi um momento de fraqueza e que iria lutar pela família. Isso aconteceu há 11 anos. Eu não sei se a minha sogra suspeitava, mas ela disse que nunca iria aceitar que uma nora tirasse um filho. Ai eu decidi realizar um ultrassom e descobri que estava esperando uma menina. Naquele momento, nasceu um amor pela minha filha. 

Mesmo assim, eu passava todo dia por uma rodovia movimentada e escutava uma voz dizendo para me jogar na frente dos carros. Eu até pensei em me jogar, mas tinha medo de não morrer e ficar alejada para o resto da vida. 

A minha filha nasceu com oito meses. Eu achei que a minha filha não ia sobreviver. E eu me sentia culpada por tudo o que eu passei durante a gravidez. Na minha cabeça, ela estava passando por todo o sofrimento por minha conta. 

Durante sete anos depois do nascimento da minha filha, a minha vida foi assim: meu marido saía e passava noites fora de casa. Eu tinha certeza que ele estava com aquela mulher. Mas achava melhor me enganar, porque doía menos. Eu me conformava, porque ele sempre voltava para casa.

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Até que descobri a segunda traição. E descobri novamente que estava grávida. Encontrei outro celular no bolso dele. Encontrei o nome de uma mulher. Conversei com a minha sogra. Ela me contou que ele estava tendo mais um caso. Meu marido disse que estava gostando da mulher e que ia morar com ela. E como eu ia viver sozinha com os filhos? Mas ele não foi embora. 

No começo desse ano, meu marido estava desempregado. Então eu fui na Amac  trabalhar em uma feira de artesanato. Eu disse que não sabia fazer nada, mas estava disposta a aprender. Disse que gostava de cozinhar. Foi aí que comecei a fazer bolos em potes. Hoje em dia eu sei fazer bastante coisa e vejo a vida de uma forma diferente.  – Letícia*, dona de casa, 36 anos

*Nomes fictícios para preservar a identidade das entrevistadas 

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