As mulheres que lutam pela Amazônia
Neste Dia da Amazônia, conheça a plataforma da Rede Amazônia Sustentável (RAS) com informações inéditas da biodiversidade brasileira
O ambiente de trabalho de Josiane de Jesus Oliveira, 28 anos, é a Floresta Nacional do Tapajós, no Pará. A região, que concentra o maior número de pesquisas científicas da Amazônia, também é sinônimo de lar para a pedagoga, pós-graduanda em educação especial e inclusiva e assistente de laboratório. “Cresci vendo meu pai e meus irmãos trabalhando ao lado de cientistas na coleta de materiais”, conta Josiane, que é a primeira mulher da família a exercer esse tipo de atividade a entrar na faculdade.
Nos trabalhos de campo, ela é responsável pela triagem e pesagem dos materiais coletados. Além disso, Josy organiza todos os dados para a análise. O dia a dia no trabalho foi afetado duplamente. Primeiro pela licença-maternidade. “Fiquei grávida do Luis Gustavo em 2019, mas continuei na graduação. Quando estava pronta para retornar, chegou a pandemia e o isolamento”, diz a paraense, enquanto emenda um aviso de saudades para Erika Berenguer, ecóloga, pesquisadora das universidades de Lancaster e Oxford, no Reino Unido, e integrante da Rede Amazônia Sustentável.
Há 13 anos, Erika faz parte do time de cientistas que tem a Amazônia como material de pesquisa. Com a pandemia, as temporadas de estudo no Pará foram interrompidas. “Vou para o Brasil três vezes ao ano para ficar de um a dois meses. Nessas idas, conheci a Josy ainda pequena. Os moradores da comunidade que trabalharam com a gente são essenciais para entender e se proteger da dinâmica do campo”, afirma a pesquisadora.
Para Erika, ver Josy não só trabalhando dentro do laboratório, mas também dentro da academia, é um símbolo de esperança. “Ela se tornou um exemplo para essa geração mais nova, inclusive na própria família. É difícil achar profissionais preparados na região. Josy sempre esteve ativa no campo, que até então era frequentado por homens, e também lida com maestria nas atividades laboratoriais”, explica a fluminense.
Além do laboratório
Na televisão, o jogo do Flamengo era o momento de sossego e afeto, tanto para os pesquisadores de fora da região como para o resto da equipe residente da comunidade. “É uma relação familiar, daquela que as conversas duram horas, com cabeça no ombro e até envolvimento em briga de família”, brinca Erika, que, no Brasil, passa mais tempo na comunidade do Branco do que com a mãe no Rio de Janeiro ou a irmã em São Paulo.
A relação é estreitada nesse convívio complexo, que ultrapassa o manejo e estudo da biodiversidade local. “Se acontecer qualquer coisa, você sabe que a tua vida está na mão daquelas pessoas, e vice-versa. Na pandemia, a cada vacina era uma vitória, mas também sofremos a cada perda que não conseguimos dizer adeus”, reflete.
Bioma
É fato que o período foi desafiador tanto do ponto de vista profissional, já que os trabalhadores da comunidade recebem pela participação nos trabalhos, como no emocional. “Mas conseguimos ter tempo de focar na plataforma de biodiversidade brasileira, que mostra como nossa natureza é única. É uma forma de mostrar a saudade e o encantamento”, conta Erika.
A plataforma mencionada é uma iniciativa da Rede Amazônia Sustentável (RAS) em parceria com a Ambiental Media. Com um clique (veja aqui), é possível mergulhar na riqueza e também na fragilidade da biodiversidade brasileira. Todo ano, profissionais como Erika e Josy documentam entre 15 e 19 mil espécies.
O papel da RAS, que é formado por pesquisadores de mais de 30 instituições do Brasil e do exterior, é fomentar o trabalho científico na região Amazônica, fortalecendo a sustentabilidade e a proteção do bioma.
A interferência humana nociva causa sérios danos para o funcionamento desse sistema, como a extinção da fauna e flora, o aquecimento global, poluição atmosférica, desmatamento, entre outros.
O descaso dos governantes e, consequentemente, de uma parcela da sociedade civil impactam também no conhecimento, como aponta Josy. “Essas pessoas desperdiçam aprendizado. Presenciamos diariamente descobertas positivas e negativas. Hoje, consigo enxergar com outros olhos a destruição, as queimadas. Assim como os animais, nós também dependemos dessa preservação”, alerta a pedagoga.
“Na Amazônia meu sorriso é diferente. Ela está nos olhos e em cada fio de cabelo. Tudo aquilo nos faz se sentir tão humilde. Quando interagimos com a comunidade, descobrimos que éramos ignorantes e saímos com perguntas, porque as coisas que não pensamos são as que realmente importam. Sem pé no chão, unha suja, a ciência não é feita. Essas trocas, seja no bar ou no laboratório, são essenciais”, conclui Erika.