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“A violência de gênero gera danos às mulheres, não aos homens”

A advogada Marina Ganzarolli, cofundadora da Rede Feminista de Juristas, falou sobre a Lei Maria da Penha, que completa 11 anos no dia 7 de agosto.

Por Beatriz Roscoe (colaboradora)
Atualizado em 7 ago 2017, 13h21 - Publicado em 5 ago 2017, 10h00
Advogada Marina Ganzarolli (Victor Moriyama/Reprodução)
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A Lei Maria da Penha (nº 11340/06) completa 11 anos no dia 7 de agosto, próxima segunda-feira. A existência desse instrumento legal representa uma conquista para as brasileiras porque cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Lei Maria da Penha contribuiu para evitar 10% das mortes de mulheres dentro de casa. No entanto, apesar dos avanços, os índices de agressões contra as mulheres ainda são alarmantes.

Todos os dias, a redação de CLAUDIA recebe muitas dúvidas sobre a aplicação dessa lei. Convidamos três especialistas para responder às principais questões.

O primeiro deles foi Deyvis Marques, juiz do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte e presidente do Fórum Nacional de Violência Doméstica. Marques abordou temas como a violência reiterada e a falta de estrutura de delegacias e de formação adequada de profissionais para lidar com as vítimas que procuram auxílio.

Conversamos com a juíza Adriana Ramos, titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que falou sobre as diferentes violências das quais as mulheres são vítimas – não só a física como a psicológica, patrimonial e verbal.

Hoje trazemos a entrevista com Marina Ganzarolli, advogada e cofundadora da Rede Feminista de Juristas, que atua em São Paulo.

“Para garantir o direito fundamental à igualdade, é preciso tratar os desiguais de forma desigual, a fim de balancear as disparidades. A violência baseada no gênero tem consequências danosas apenas para as mulheres, e não para os homens. Portanto, a lei busca proteger e sanar essa vulnerabilidade específica das mulheres”

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CLAUDIA – Crianças e adolescentes (meninos e meninas) vítimas de pais violentos são protegidos pela Lei Maria da Penha ou devem recorrer a outro instrumento legal?

Marina Ganzarolli – Crianças e adolescentes estão protegidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Lei Maria da Penha (LMP) pode e deve ser usada como uma ferramenta de auxílio ao ECA nos casos de violência contra vítimas meninas.

Como se trata de uma lei de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, isso inclui as meninas. Violência entre marido e mulher, pai e filha, irmão e irmã, avô e neta.

A Lei Maria da Penha é essencial nos casos de abuso contra meninas graças às medidas protetivas de urgência previstas, como a possibilidade de suspensão do direito de visita do pai, afastamento do lar ou proibição de contato logo após o ocorrência da violência/crime, tirando as crianças da situação de risco. Além disso, com a LMP é criada uma série de políticas públicas específicas para a proteção da mulher, que inclui também as meninas.

Para que a LMP seja aplicada, é preciso que a vítima seja mulher (cis ou trans, não importa, a identidade de gênero tem que ser feminina). Todavia, há casos bem isolados de decisões judiciais aplicando a lei para violência contra meninos, à luz da Constituição. Mas são muito raros.

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Isso não significa que os meninos não estejam amparados pela lei! Nos casos de abusos contra eles, são utilizadas as medidas preventivas do Código de Processo Penal (art. 313).

Além disso, quando a mãe sofre violência, as crianças e adolescentes, com a aplicação da LMP e do ECA, podem e devem ser considerados vítimas indiretas, pois passam por constrangimento e as sequelas psicológicas são severas, sendo que essas crianças têm maior probabilidade tanto de se tornarem agressores como de serem vítimas de relacionamentos violentos.

Leia mais: Em 75% dos casos de estupro, o autor do crime é próximo à vítima

CLAUDIA – Na madrugada ou em fins de semana, as Delegacias de Atendimento à Mulher não funcionam. Assim, a agredida procura uma delegacia do bairro. A investigação será conduzida por essa delegacia ou encaminhada a uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher?

Marina Ganzarolli – Se houver delegacia especializada, a investigação será conduzida pela especializada, sempre. As delegacias comuns também devem estar aptas a receber denúncias de violência contra a mulher.

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Infelizmente, não é incomum faltar a capacitação necessária para tanto. Mas, do ponto de vista legal, a delegacia comum também é competente para fazer o boletim de ocorrência de violência doméstica.

Se houver pedido de medida protetiva, por exemplo, como é um pedido cautelar, será encaminhado direto da delegacia comum para a Vara Especializada de Violência Doméstica competente. Mas o inquérito, após o B.O. na delegacia comum, sempre será encaminhado para a delegacia especializada competente, que dará continuidade ao inquérito/investigação com os depoimentos, eventuais laudos periciais etc.

Normalmente a delegacia competente para apurar um crime é aquela do local do fato. Mas é bom lembrar que eventuais medidas protetivas em relação à ofendida podem ser postuladas no juízo de residência, considerando previsão da LMP (art. 14).

CLAUDIA – No caso de pessoas transgêneras ofendidas ou agredidas fisicamente em casa, elas podem recorrer à proteção da Lei Maria da Penha?

Marina Ganzarolli – A Lei Maria da Penha se aplica às mulheres, sejam elas cis e trans. O que importa é que a identidade de gênero da vítima seja feminina. Eu entendo que essa aplicação inclusive independe da necessidade de realização de cirurgia transexualizadora ou de alteração judicial de prenome e sexo no registro civil.

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É bom lembrar que a lei também se aplica aos casais homoafetivos de mulheres, ou seja, a orientação sexual (lésbica, heterossexual, bissexual etc.) da vítima não importa, apenas sua identidade de gênero é necessária para a aplicação da LMP.

Leia mais: Lei que despenaliza violência doméstica avança na Rússia

 CLAUDIA – O homem que apanha da mulher ou sofre violência psicológica ou patrimonial pode procurar defesa na Lei Maria da Penha? Ele deve fazer um Boletim de Ocorrência na Delegacia da Mulher ou a delegacia comum?

Marina Ganzarolli – A intenção do legislador ao criar a lei específica foi proteger a mulher sujeita à violência baseada no gênero. No Direito, para garantir o direito fundamental à igualdade, é preciso tratar os desiguais de forma desigual, a fim de balancear as disparidades.

A violência baseada no gênero tem consequências danosas apenas para as mulheres, e não para os homens. Portanto, a lei busca proteger e sanar essa vulnerabilidade específica das mulheres.

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Isso não significa que a lei não proteja os homens! De forma alguma. Eles estão protegidos pelo Código Penal e amparados pelo Sistema de Justiça e pela Constituição assim como as mulheres. Só não se utiliza o instrumento específico da Lei Maria da Penha para os casos deles.

A denúncia pode ser feita na delegacia comum por lesão corporal leve ou grave, dependendo do caso.

CLAUDIA – Um amigo, na balada, dopa e estupra a mulher que confiava nele. Por ele não ser um desconhecido, o caso será tratado sob o Código Penal ou Lei Maria da Penha? Amizade é considerada “relação afetiva”?

Marina Ganzarolli – Se eles já tinham tido relações sexuais anteriormente ou mesmo apenas se beijado, a Lei Maria da Penha se aplica. Vamos dizer que, se a amizade for colorida, sim, mas, se for só amizade, não.

Se ele é só um amigo, a dopou e a estuprou, é um caso de estupro de vulnerável, que restará comprovado por exame toxicológico a fim de atestar o estado de vulnerabilidade da vítima. Isso significa que ela não tinha condições de agir com pleno exercício de suas faculdades mentais ou mesmo de reagir, se forçada.

A Lei Maria da Penha se aplica a toda relação doméstica e familiar, ou seja, ficante, namorado, marido, companheiro, ex, pai, irmão, padrasto, avô, primo, tio, sogro, cunhado, todos os familiares. Já foi aplicada até mesmo a vizinhos, em casos de moradia precária – em que a divisão entre as casas não era clara – ou em situações semelhantes a cortiços.

Leia mais: “Não podemos ter vergonha”, diz brasileira após abuso na Tailândia

CLAUDIA – As delegacias estão preparadas para receber queixas de violência verbal e psicológica, que não têm materialidade?

Marina Ganzarolli – Infelizmente, ainda falta capacitação para sensibilização dos agentes de segurança, bem como para escuta qualificada nos casos de violência psicológica, moral e patrimonial. Mas também é violência! E esses casos estão previstos na Lei Maria da Penha, ainda que não tenham um tipo penal específico.

Muitas vezes acabamos enquadrando como ameaça ou mesmo contravenção penal de constrangimento ilegal e perturbação da tranquilidade. Todavia, nos casos de violência moral e psicológica, é possível utilizar o artigo de lesão corporal, entendendo que houve lesão à integridade psicológica da mulher. Mas, para isso, é preciso obter um laudo (de perito que seja psicólogo ou psicóloga) que ateste a extensão do dano causado, configurando assim a materialidade do delito de lesão à integridade psicológica da mulher.

 

 

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