Nos últimos dias, três brasileiras fervilharam no entroncamento entre o direito da mulher, a política e o machismo. A hashtag bela, recatada e do lar (#belarecatadaedolar) descolou-se do perfil de Marcela Temer, mulher do vice-presidente da República, Michel Temer, e virou a estampa de uma ideologia. Recato quer dizer submissão, falta de expressão e de importância. Se bela tiver a conotação de intocável, princesinha, porcelana… Vixe! Fragilidade já não cola mais nem entre adolescentes. Há muitas décadas se esgarçou.
Marcela não fala com a imprensa. O marido preferiu resguardá-la longe da política desde a posse no governo, há cinco anos. Por isso, não se sabe o que ela pensa, fechada em sua casa no bairro paulistano do Alto de Pinheiros. Viu-se arrastada para o centro da ardente discussão política exatamente no que menos importa: o jeito de se vestir. E de se portar. Se usa a saia abaixo dos joelhos e escolheu ser mãe em tempo integral, tanto faz. O feminismo foi à rua gritar pelo direito de decidir. O cerceamento e a anulação é que seriam o problema. Não cabe mais uma mulher sem voz. E Marcela deve ter uma.
A propósito dessa discussão, um nome ressurgiu: o da irmã caçula de Marcela, a advogada Fernanda Tedeschi. O fato relembrado: ela sairia nua nas páginas da Playboy de dezembro de 2011. Dois meses antes, uma foto sua foi publicada na revista como “aperitivo” do que viria na edição de fim de ano. Usava lingerie e uma trança lateral, como a que se tornou famosa nos cabelos da irmã. Ex-aeromoça, a então universitária Fernanda chegou a declarar que compraria um apartamento com o dinheiro da Playboy. Sobre o cunhado não estar gostando, afirmou que iria até o fim. “Não acho justo perder um contrato por causa desse parentesco.” O que Fernanda faria do próprio corpo nu era algo só dela. A ninguém mais caberia opinar. Pouco depois, a cunhada de Temer sumiu, não atendeu aos chamados e e-mails da redação. O contrato terminou rompido com o pagamento de uma multa muito salgada. Naquela época, não houve dúvidas: o recato compulsório foi imposto a Fernanda.
O terceiro nome se tornou conhecido nesta segunda (25/4). Trata-se de Milena Santos (foto abaixo), mulher de Alessandro Teixeira, recém-empossado ministro do Turismo. Tal qual a hashtag da bela do lar, sua aparição se espalhou com feérica rapidez. Assim como Marcela e Fernanda, Milena tem direito de construir sua imagem como preferir. Pode exibir seus joelhos na fenda da saia, o decote fundo e revelador, sua pele inteira. Nosso corpo nos pertence! Como não apareceu uma voz para defendê-la com o mesmo vigor das pauladas sobre a ideologia do recato (bem dadas, registre-se), pairou uma ideia de hipocrisia. Por que as feministas não apoiam Milena?
Ela faz o que quiser, despida, no mundo privado, nas suas redes sociais, na sua casa, na dos amigos etc. Mas o Ministério do Turismo não é seu quintal. Pertence ao povo brasileiro. Posar para um ensaio fotográfico ali é o mesmo que um deputado oferecer como homenagem ao netinho e à esposa o seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff. Uma mulher no ministério em pose íntima com o chefe da pasta tem o significado de apropriação – o que Alessandro tinha a obrigação de evitar. O gabinete não é do marido de Milena. E ali devem ser tomadas muitas decisões sérias e enérgicas. Uma delas: a cruzada contra o perfil da brasileira-objeto, de uso e gozo barato. Ainda é comum o Brasil adotar o estereótipo da mulher-bunda, da mulher-peitão-bocão em feiras no exterior. Divulga chocolates, cafés, cervejas, o encanto de suas praias e atrações turísticas com mulheres peladas rebolando no stand. Não por acaso, o nosso país é conhecido como o paraíso do turismo sexual. Da mulata tipo exportação. Das meninas que servem de acompanhantes em barcos de pesca – lotados de gringos – nos rios do Pantanal. E de crianças sem peito que fazem programa nas orlas do Nordeste. Essa é a razão de não haver defesa para a atitude de Milena.