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Fernando Meirelles fala sobre seu ativismo ambiental

Além de cineasta, Fernando Meirelles se tornou um forte ativista do meio ambiente. Tudo começou plantando árvores

Por Luara Calvi Anic
Atualizado em 12 jul 2017, 09h08 - Publicado em 15 Maio 2016, 07h04
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Quando não está filmando, o cineasta paulistano Fernando Meirelles vai até sua fazenda, no Rio Grande do Sul, e coloca as mãos na terra. “Gosto de passar a tarde toda plantando. Mexer no solo me faz bem e os calos não me incomodam”, diz. Há dez anos, ele resolveu transformar a área em que criava gado. “Comecei a estudar o aquecimento global e o peso da pecuária na emissão de gases de efeito estufa. Compreendi que vinha contribuindo para agravar o problema do clima.” Foi então que o diretor de sucessos como Cidade de Deus (2002) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) vendeu os bois, montou um viveiro de mudas, parou de comer carne e se engajou em questões ambientais. “Fui virando uma espécie de militante. Hoje planto por volta de 12 mil árvores por ano. Já há na fazenda corredores com 60 metros de largura de mata ao longo dos córregos onde antes era pasto”, conta. Como já não cabiam árvores em sua fazenda, ele passou a comprar áreas próximas para o plantio. Quem cuida delas com afinco é um jardineiro fiel, há dez anos ao lado de Meirelles. “Quem faz o trabalho pesado é o Flazomiro, que é ainda mais apaixonado por árvores do que eu.” Em dezembro passado, o cineasta esteve em Paris para a COP 21, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, que contou com a participação de 195 países. “Voltei abalado com as perspectivas para o nosso futuro. Mas a boa notícia foi o enorme número de pessoas envolvidas com o tema. Parece que finalmente muitos começaram a acordar para a questão.” A nova paixão já permeou também seu trabalho como diretor. Aos 60 anos, além de tocar o dia a dia da produtora O2 Filmes, Meirelles vem trabalhando em duas séries internacionais de ficção para a televisão (ainda sem previsão de estreia) que abordam a questão do meio ambiente. A seguir, a conversa dele com CLAUDIA.

O que esse envolvimento com questões ambientais traz para a sua vida que o cinema não é capaz de entregar?

Traz muitas histórias: drama, suspense, tensão, ação, redenção, morte, abandono do lar. Claro que o cinema também conta essas histórias, mas como ficção. Eu me vejo hoje como se vivesse no terceiro ato de um desses filmes vagabundos, naquele momento em que tudo está dando errado e começa a correria para ver se ainda há tempo para salvar o planeta. Sinto como se fosse um dos que estão correndo, enquanto tropeço em um monte de gente que fica parada atrapalhando o caminho.

Mesmo depois do desastre ambiental em Mariana (MG), quando um mar de lama foi derramado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, muitos moradores pediram para a empresa continuar na cidade, já que a economia local depende dela. Dá para conciliar progresso, preservação do meio ambiente e geração de riqueza?

É possível gerar empregos sem detonar o meio ambiente, mas esse não é um pensamento generalizado. O mote do capitalismo é crescer. Toda empresa e todo governo querem crescer e todo mundo quer ganhar mais para consumir mais. O custo disso para o meio ambiente fica em segundo plano. Só que já está claro que os recursos naturais são finitos e a conta dessa obsessão chegou: são as mudanças no clima. Não adianta dizer: “A ciência vai achar uma solução”. Não há nada a caminho. Precisamos mudar a maneira de estar no planeta, consumir muito menos, comer menos carne, gastar menos energia. Quanto antes começarmos a mudar hábitos, menos dolorosas serão as consequências.

Qual o papel do cidadão? Acredita que reciclar, usar ecobags e tomar banho rápido faz diferença?

Só existe exploração de petróleo ou carvão, com seus efeitos nocivos, porque há consumo. Diminuir essa demanda é o único jeito de reduzir as emissões de gases poluentes. Alguém que investe seu dinheiro em experiências como aulas de violão, de língua ou esporte – coisas que não pressionam o planeta – será também uma pessoa melhor e mais feliz do que quem opta por gastar com mais um par de sapatos ou um carro novo. Esta última vai continuar igual e provavelmente tão angustiada como sempre. Acredito que a mudança de hábitos pode nos fazer mais felizes.

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O cidadão comum consegue fazer isso sozinho?

Precisamos do Estado engajado. Infelizmente, o governo e o Congresso acreditam que a resposta para todos os problemas seja mais crescimento – acelerado. É por isso que, quando voto, só me interessa a posição do candidato em relação a educação e meio ambiente. Sem isso não há futuro possível. O resto se resolve.

O que mudou na sua vida pessoal desde que você se engajou nessa luta?

Eu e toda minha família paramos de comer carne: filhos, irmãs, sobrinhas. Até meus dois netinhos. Meus pais também comem muito menos do que antes. Reclamar dos efeitos do clima e comer carne três vezes por dia é como criticar a corrupção do Congresso enquanto passa um pixuleco para um guarda de trânsito.

Você também mudou a estrutura da sua casa, não é?

Meu terreno é grande. Então, tenho uma mata preservada, com uma nascente e um córrego. Capto água numa piscina que virou laguinho e, com ela, rego pomar, horta e jardim. Para evitar mosquitos na água, crio lambaris nela. Também uso um minhocário para os resíduos virarem adubo. Com as placas solares que estou instalando em uma nova casa em São Paulo, vou produzir energia, que será descontada da conta aqui de casa. A Eletropaulo permite isso, mas poucos sabem. Essa casinha nova também vai captar 80% da água que utiliza. Eu ainda dirijo um carro híbrido elétrico, uso transporte público quando posso e mantenho um padrão de consumo baixo – visto camisas ou calças de 20 anos atrás. Por outro lado, como viajo muito de avião, tenho que compensar plantando meus jequitibás, angicos e mognos.

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É difícil convencer as pessoas a pensar na natureza quando, especialmente nas grandes cidades, elas não têm contato com o resultado desse esforço. Como impactá-las?

Infelizmente, só se muda quando o efeito bate na porta. Tenho certeza de que depois de 2014 e 2015 os paulistas entenderam que a seca é iminente. Já esqueci o que é tomar banho sem desligar o chuveiro. Antes me incomodava, agora virou hábito. Secas e enchentes tendem a ser o novo padrão.

Somos vistos lá fora como um país preocupado com o meio ambiente. No entanto, a ministra Kátia Abreu (Agricultura) declarou que deseja elevar a participação do agronegócio brasileiro no comércio mundial de 7% para 10% até 2018. É possível alimentar o mundo sem provocar tanto desmatamento?

O Brasil tem perto de 30 milhões de hectares de terras degradadas e se comprometeu na última COP a recuperar metade disso. Leva um tempo para restaurar a vida e a biodiversidade de solos comprometidos pelo desmatamento ou pelo sal dos fertilizantes. Há um programa do governo federal muito interessante. Ele propõe que se plantem árvores no meio da lavoura, intercalando-a com ciclos de pasto. Seria algo que criaria áreas com o solo regenerado e grande impacto na produção. A ideia é boa, mas infelizmente muito pouco tem sido direcionado para programas de recuperação de solos. Pelo contrário: o governo gasta perto de 100 bilhões de reais para financiar a lavoura baseada em fertilizantes e pesticidas da agroindústria. Ao defender isso, Kátia Abreu fala pérolas como: “Desmatamos para fazer uma das melhores e mais produtivas agriculturas do mundo”. A ministra está colaborando para destruir o maior patrimônio que o Brasil tem, que é nossa natureza, acreditando estar salvando o país ao fazer dinheiro.

Como argumentar quando, de fato, o uso de fertilizantes e pesticidas resulta em uma produção maior?

Essa agricultura funciona como um anabolizante para quem quer ganhar músculos. Você toma e o músculo aparece; só que, depois de alguns anos, um monte de complicações vão surgindo. Lavouras assim nunca mais deixarão de ser dependentes de químicos, pois matam a vida do solo. É uma mentalidade de curto prazo, não leva em consideração o futuro.

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Qual sua sensação ao voltar da COP 21?

Fiquei muito abalado. Assisti a vídeos e vi exposições dramáticas de países como Bangladesh, que agora vive alagado pelo derretimento dos Himalaias, e Malawi, Paquistão ou Sudão, em que a seca já expulsa populações de seus territórios. Compreendi que o nosso futuro está comprometido e que não há mais volta. O que podemos fazer é tentar diminuir os efeitos do que está por vir e nos adaptar para esse futuro mais duro que já chegou.

Nos círculos que você frequenta, como seu envolvimento é recebido?

Alguns me chamam de alarmista. Quando ouço os argumentos que usam para me tranquilizar, penso naquela piada do cara que se joga do 30o andar e, ao cair, vai dizendo: “Está vendo? Passei pelo 10o andar e até agora está tudo bem”.

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