Feminicídio aumentou e bateu recorde em SP no ano passado: o que explica?
Outros crimes violentos tiveram queda em relação aos casos de feminicídio no Estado. CLAUDIA conversou com especialistas para entender o problema
“Em briga de marido e mulher se mete a colher, sim”, afirma a advogada e jurista Jacqueline Valles. A fala da profissional é uma resposta à notícia de que os casos de feminicídio aumentaram em São Paulo, batendo o recorde no ano de 2019, sendo registrados 154 casos de janeiro a novembro. O levantamento foi feito pelo G1 e GloboNews, a partir dos boletins de ocorrência que foram concedidos pela Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP).
De acordo com o levantamento, outros crimes violentos tiveram queda em relação aos casos de feminicídio no Estado. Homicídios dolosos (quando há intenção de matar) caíram 7%, enquanto o latrocínio (roubo seguido de morte) caiu 33% em 2019. O crime de estupro registrou também um aumento de 4% no mesmo período, tendo mulheres como vítimas em sua maioria.
Os 154 registros em São Paulo representam uma alta de 29% a mais do que no ano anterior, tendo 119 ocorrências de janeiro a novembro de 2018. Esse aumento é o maior já registrado desde 2015 quando a lei nº 13.104 foi publicada, em março. Ela prevê penas mais duras para homicídios que se encaixam no feminicídio, e é tipificado como crime hediondo.
Afinal, por que os casos de feminicídio aumentaram?
Para o Coronel Ernesto Puglia Neto, secretário executivo da Associação dos Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar, a Defenda PM, a lei estabelecida trouxe luz sobre os fatos que acompanham esse tipo de crime, que por hora eram desconhecidos. “A tipificação e exposição mostrou a real gravidade do assunto, podendo também ter influenciado nesse aumento, tendo mais registros e denúncias. Isso quer dizer que, antes da lei o crime acontecia talvez em grande escala, mas não eram entendidos como feminicídio”, diz ele.
“O que a lei fez foi conceituar o que é o feminicídio, um crime cometido contra a mulher em razão de ser desprezada pela sua condição de mulher ou pela violência doméstica. Os crimes contra a mulher sempre existiram e quando você cataloga um crime, a tendência é que haja um aumento”, afirma Jacqueline.
“A maioria dos casos é consequência de conflitos mal resolvidos, geralmente domésticos. A mulher sempre foi vítima e, hoje, ela tem mais coragem de notificar que está sendo agredida”, disse Ernesto. “Daí pode-se até questionar: o número de feminicídios realmente cresceu, ou só agora tomamos real conhecimento da magnitude que ele já tinha?”
Educar é o caminho
“Os estudos criminológicos provam que os crimes em que há um laço afetivo entre vítima e agressor são muito difíceis de combater porque a relação interpessoal vai além do alcance do Estado”, disse a advogada. “Por isso, a educação e informação são o caminho mais adequado, e mais longo também para prevenir o feminicídio”, afirmou ela.
Por exemplo, a Secretaria de Administração Penitenciária precisou até proibir a visita de vítimas de violência doméstica aos seus agressores/companheiros, para que “elas não alimentem uma relação na qual podem voltar a ser vítimas”. Mesmo com esse tipo de medida tomada, a advogada ainda reforça que é sempre necessário reafirmar que a culpa não é da vítima. Por isso, a importância de ações afirmativas e de conscientização.
A Secretaria da Segurança informou em nota dizendo que “tem investido para reforçar o combate à violência doméstica em todas as suas vertentes”. As informações dos casos de feminicídio que ocorreram em dezembro de 2019 serão divulgadas dia 25 deste mês.
No ano de 2015, foram registrados 38 assassinatos de mulheres e tipificados como feminicídio. Entre janeiro e dezembro de 2016, os casos aumentaram tendo 60 ocorrências. Em 2017, foram 109. Considerando todos os anos, foram 495 boletins de ocorrência por feminicídio no Estado de São Paulo.
Nota da SSP
“A Secretaria da Segurança Pública informa que o número de prisões em flagrante por feminicídio cresceu 8,6% de janeiro a novembro deste ano ante o mesmo período de 2018. A atual gestão tem investido para reforçar o combate à violência doméstica em todas as suas vertentes. Ampliou de uma para 10 o número de DDMs 24 horas, criou o SOS Mulher – aplicativo que prioriza o atendimento às vítimas com medidas protetivas – e tem realizado campanhas para incentivar o registro dessas ocorrências, a fim de que os autores desses crimes sejam identificados e responsabilizados. A pasta também investe na capacitação dos seus profissionais ao acolhimento dessas vítimas, por meio de cursos de capacitação nas respectivas academias e um protocolo único de atendimento utilizado em todas as unidades de polícia judiciária do Estado.”
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