As mulheres estão em plena ascensão em esportes de luta. A paranaense Jéssica Andrade, 27 anos, teve seu primeiro contato com esse universo num projeto social de judô durante o ensino médio e se encantou. Mesmo tendo que dividir seu tempo entre o trabalho na farmácia e os treinos, ela não desistiu de se tornar lutadora profissional e foi a primeira brasileira a chegar ao UFC.
Apelidada de ‘Bate-estaca’, Jéssica é tema de um dos oito episódios da série documental “Mulheres na Luta”, dirigida por Flávio Barone e coproduzida pela Conspiração, que estreia dia 2 no canal GNT. A série retrata as trajetórias das lutadoras em busca de reconhecimento num cenário masculinizado e são abordados temas como sexualidade, maternidade, casamento e família. Em entrevista à CLAUDIA, Jéssica conta um pouco mais sobre sua carreira, confira:
CLAUDIA: Como começou sua história na luta?
Jéssica: Comecei num projeto social de judô na escola. Eu tinha 17 para 18 anos, insisti com o professor para participar e finalizei todo mundo. Ele ficou impressionado, perguntou se eu já tinha praticado alguma vez e disse que eu levava jeito para luta. Me apaixonei pelo esporte, mas não tinha como pagar aulas em uma academia profissional. Quando completei 19 anos, ganhei uma bolsa de 50% em uma academia de jiu jitsu.
CLAUDIA: E no MMA?
Jéssica: Então, eu nem sabia o que era MMA. Em setembro de 2011, estavam organizando um evento na minha cidade, Umuarama, e tinha uma menina de Maringá que precisava de uma adversária para lutar. Ficaram sabendo que eu treinava e entraram em contato comigo. Treinei, fiz uma dieta para perder peso e no dia da luta eu estava morrendo de medo. Mas venci por nocaute técnico no segundo round. Depois, lutei por todas as cidades do Panará, em diferentes categorias. O que ia aparecendo, eu aceitava.
CLAUDIA: Quais foram as maiores dificuldades?
Jéssica: A maior dificuldade é encontrar quem apoie, ainda mais sendo mulher. Eu não tinha patrocinador e tive que conciliar os treinos com o meu trabalho. Passava o dia inteiro trabalhando em uma farmácia e a noite ia para os treinos. No começo, eu lutava por cerca de 400 reais e para me sustentar dependia de um salário fixo.
CLAUDIA: Você foi a primeira brasileira a entrar para o UFC, como foi esse processo?
Jéssica: Quando decidi focar no MMA, o Mestre Paraná foi quem me deu suporte. Em fevereiro de 2013, fui treinar com ele no Rio de Janeiro e no mês seguinte embarquei para uma luta na Rússia, quem vencesse entraria para o UFC. Eu perdi, mas quando eu voltei para o brasil, não demorou duas semanas, o mestre me contou que eu tinha conseguido o contrato com o UFC.
CLAUDIA: Você já passou por algum caso de preconceito por escolher uma profissão predominante masculina? Como foi?
Jéssica: Já, na minha família. Tinham pessoas que diziam ‘Tem certeza que é isso que você quer? Tomar porrada na cara? Isso não é coisa de mulher’. Mas eu não abaixava a cabeça, sabia que eu era boa e ser lutadora era meu sonho. Eu falava vocês vão ver que eu vou lutar no UFC e vão me ver na TV.
CLAUDIA: Você acha que hoje as pessoas ainda tem esse pensamento?
Jéssica: Acho que as coisas mudaram. Hoje as lutas femininas já estão entre as mais esperadas da noite. Conseguimos patrocínio de marcas, podemos até não ganhar em questão financeira, mas hoje você vê marcas querendo apoiar as mulheres. As empresas querem mostrar o lado feminino das atletas, mostrar que por trás daquela leoa existe uma mulher feminina.
CLAUDIA: Depois de ver suas conquistas, sua família mudou de opinião?
Jéssica: Hoje eu sou o orgulho da família, eles me aceitam do jeito que sou e entenderam que não é minha orientação sexual ou minha profissão que vai mudar meu caráter. Mas minha mãe ainda não assiste todas as minhas lutas, porque ela não gosta de ver, ela só assiste se eu ganhar.
CLAUDIA: Qual o sentimento de fazer parte de um projeto que dá destaque a carreira das lutadoras de MMA?
Jéssica: É uma alegria muito grande poder contar para o mundo um pouco da sua história, é como se você deixasse o público chegar um pouco mais próximo da sua realidade. É gratificante ver o trabalho que você está fazendo ficar eternizado para outras gerações. Além disso, foi muito bom saber que eu estou no mesmo barco que outras meninas.
CLAUDIA: Qual foi o momento mais marcante da sua carreira no UFC?
Jéssica: Para mim, foi a disputa de cinturão, mesmo perdendo foi como se eu tivesse vencido. Quando eu lutei com a Joana [Edrzejczyk], fiz tudo o que eu podia para vencer, mas não deu. No final da luta, pedi minha mulher em casamento e as pessoas não ficaram comentando a minha derrota e sim, o fato de eu ter noivado. Não fui julgada, nem criticada, ganhei muito mais o amor dos fãs.
CLAUDIA: O que você ainda deseja conquistar?
Jéssica: Como todo lutador, quero conquistar o cinturão. Também quero conseguir casar, construir uma família e ajudar meus familiares. Uma outra grande realização seria ver as meninas da PRVT Girls [melhor time feminino do MMA brasileiro] com uma carreira no UFC.
CLAUDIA: Como é olhar para trás e ver tudo o que você já conquistou?
Jéssica: É como se eu tivesse realizado os mais belos sonhos. Eu e minha irmã fomos para Disney, consegui ajudar minha família, minha equipe e também outras meninas que sonham em ser atletas, e isso só foi possível graças ao MMA. É muito bom olhar para trás e ver a pessoa que eu me tornei, mesmo com muita gente dizendo que não ia dar certo, mas eu me apeguei as pessoas que acreditavam em mim. Acredito que vou conquistar muito mais ainda, não vim para ser só mais uma pessoa, vim para deixar um legado.
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