Parece piada, uma troça tosca de sacanagem. Não é. Aconteceu na quarta (28/10) e o protagonista é o deputado João Rodrigues (PSD-SC). Sentadinho no plenário da Câmara, ele aparece entre um impresso intitulado “Santa missa na CNBB” e um vídeo de safadezas no celular, mantido na linha do umbigo, meio camuflado pelo tampo da mesa. Nada contra a pornografia. Seria hipocrisia mentir que ela não inspira momentos de delícia entre os quatro cantos da intimidade privada. Mas o mobile com a pornografia distraía Rodrigues e colegas enquanto era discutida a reforma eleitoral. Aliás, seria essa a reforma para por fim à promiscuidade promovida pelo dinheiro das empresas irrigando as campanhas dos políticos. Eleitos, eles se curvam diante delas. Nessa quarta, o tema era o fim da reeleição do executivo. E Rodrigues nem aí.
Para mim, o deputado pornô e seu celular entupido de grosserias sexuais viraram o símbolo da Câmara. Ele e seu instrumento fálico digital são a síntese dos projetos que odeiam a paz, as mulheres, os negros, os índios, os gays, as liberdades individuais. Rodrigues e cel. tipificam o ranço, o atraso, o demagógico, o nefasto.
Quem é esse homem? Ele integra o baixo clero – a numerosa ala de parlamentares sem expressão, que, para não padecer no limbo, bajula e apoia o presidente Eduardo Cunha em seus propósitos moralistas. Ex-radialista, é membro da bancada ruralista, e não teve nenhum projeto de sua autoria aprovado até agora, segundo dados da Câmara. Defende a livre comercialização de armas, pois flerta com a bancada da bala. Já declarou que a polícia pode prender gente de qualquer idade e faz coro com a redução da idade penal. Ah: apresentou projeto para regulamentar a eficiência energética de forninho elétrico – esse mesmo, de assar pão de queijo. Sites de política informam que sua campanha foi, em parte, patrocinada por uma empresa de eletrodomésticos.
É a trupe da qual Rodrigues faz parte que comanda o show de horrores do momento. Se forem aprovados os projetos de lei que o grupo fundamentalista encampa, o Brasil será queimado na fogueira que torrou Joana Darc. Ou voltaremos à terra de ninguém. Veja os projetos que eles promovem – quando não estão tendo orgasmo no plenário. Alguns avançaram nesta mesma semana em que Rodrigues reinou com seu poderoso fálus touch screen.
1. Flexibilização do Estatuto do Desarmamento O cidadão comum passaria a ter acesso à compra e ao porte de armas. Se no Brasil o número de assassinatos, por ano, é maior do que o de mortos na guerra da Síria, imagine depois da liberação. Mais mulheres morrerão em casa. Brigas bestas de trânsito terminarão em óbito. Sem contar a escalada de jovens matando jovens na periferia. E a polícia atirando geral. Dia 27 de outubro, o texto-base recebeu o “sim” em comissão especial.
2. Proposta de Emenda Constitucional que transfere da União para um Congresso bichado a demarcação das terras indígenas, dos territórios quilombolas e das unidades de conservação. A ameaça aos direitos indígenas e dos negros quilombolas foi aprovada dia 27 de outubro, em comissão especial.
3. De autoria de Eduardo Cunha, um projeto cria pena de prisão de 6 a 20 anos para médico que auxilia a mulher no aborto. Outra pérola: só a mulher que provar um estupro receberá a pílula do dia seguinte. Oi? Até juntar Boletim de Ocorrência, fazer exames e esperar os laudos sobre o abuso, a gravidez estaria no oitavo mês. Cuidado: recebeu aval da Comissão de Constituição e Justiça dia 21 de outubro.
4. Estatuto da Família. Só será considerada a “família margarina”: mamãe, papai e filhinho. Ficarão à margem a mulher sozinha com filhos, o casal gay, as duas lésbicas com suas crianças. Numa sessão tumultuadíssima, aprovado em comissão especial no dia 27 de setembro, impedirá, por exemplo, que os degredados utilizem o SUS e frequentem escolas públicas. Eles também terão dificuldade de receber pensões ou partilhar bens. E o juiz virará as costas para a discussão sobre a guarda dos filhos de um desses desprezíveis casais.
5. Estatuto do Nescituro. O embrião vira uma personalidade jurídica desde o primeiro instante. Tem todos os direitos. E a mulher que o carrega não vale nada. Se decidir interromper a gravidez indesejada, vira artigo do Código Penal. Ao pé da lei, vai presa.
6. De novo, Cunha: segundo o seu projeto, o aborto passa a ser considerado crime hediondo.
7. Já imaginaram a farra de sangue! Um projeto de lei libera o porte de arma para deputados e senadores.
8. Estatuto Jurídico de Liberdade Religiosa. Acaba com o Estado laico. Religiosos poderão agir como bem quiserem em nome da fé. E em nome do controle, adivinhe a quem os religiosos calarão? A mulher, claro.
9. Mais uma de Cunha: a criação do Dia Nacional do Orgulho Hétero. Para que? Heterossexuais não sofrem preconceito, não são perseguidos pelo sexo que praticam nem por qualquer outro motivo. Trata-se apenas de uma provocação do dono da empresa Jesus.com. É verdade, ela existe.
Patrícia Zaidan é editora de CLAUDIA e assina esta coluna toda sexta-feira. Para falar com ela, clique aqui!