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Babenco esperou a morte no cinema. Fez as pazes com seus amores, com amigos e com a vida

Bárbara Paz dançou nua para o diretor, quando o coração dele parava de bater

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 out 2016, 20h53 - Publicado em 14 jul 2016, 17h14
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Vi o diretor Hector Babenco na grande mesa redonda, à esquerda, no restaurante Arábia, nos Jardins, em São Paulo. Estava careca. Tomava água. E dividia a comida libanesa com a mulher, a atriz Xuxa Lopes, e com os amigos Dráuzio Varella, seu médico particular, e Regina Braga, a atriz casada com Dráuzio. Parecia desanimado e muito sofrido. Então, era verdade: o linfoma fazia estragos no meu cineasta preferido. Dos 10 filmes que assinou, assisti a nove. Não sei de qual gosto mais. 

Eu me segurei para não ir cumprimentá-lo por Brincando nos Campos do Senhor; dizer que adorava Pixote, a Lei do Mais Fraco e também Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia. Naquela noite (teria sido no final os anos 90? Ou no começo de 2000?), eu ainda sabia de cor frases de Sonia Braga em O Beijo da Mulher Aranha – que rendeu a Babenco uma indicação para o Oscar e a estatueta de melhor ator ao americano William Hurt. Não devia perturbá-lo com perguntas sobre Ironweed e a condução magnifica de Jack Nicholson e Meryl Streep, dois amantes alcoólatras, de rua, brigando com o frio e com as piores memórias de cada um. Como teria sido a direção daqueles monstros sagrados de Hollywood? Era Babenco pertinho… O cineasta que melhor traduziu a alma e as mazelas sociais brasileiras; fez um pixote mamar no peito de uma puta tão bem acolhida no corpo de Marília Pera. Grande momento!

NELLIE SOLITRENICK/VEJA
NELLIE SOLITRENICK/VEJA ()

Como repórter, estive com ele em duas coletivas de lançamento (acho que de Carandiru, um estouro de bilheteria, e de O Passado, conturbada história de amor que juntou o nome do mexicano Gael García Bernal ao de Babenco). Nas entrevistas, me lembro de ter constatado características frequentemente atribuídas a ele: uma certa arrogância e o tom ríspido para lidar com as pessoas. Babenco é o máximo, apesar de qualquer tipo de pequenez ocorrida ao longo dos seus 70 anos. 

Teve a sorte, como raros, de se preparar para o fim. Esperou que o desfecho o alcançasse no cinema, lugar que o seduziu na infância argentina. A morte lhe ofereceu esta concessão: Meu Amigo Hindu é o inventário amoroso de Hector. “O último filme que a morte me deixou fazer”, declarou ele no lançamento, em março deste ano. A autobiografia configura uma tentativa de passar a vida a limpo, desculpar-se com amigos (no filme, fica claro que ele esfolou alguns profissionais do cinema, por exemplo), acertar contas com os erros, apaziguar-se com as mulheres que amou. 

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São reflexivos os diálogos entre o cineasta, interpretado pelo americano Willem Dafoe, e o moribundo (Selton Mello) que quer levá-lo. Qualquer arrogância, mesmo que fosse verdadeira, cairia ao tornar-se amigo de um menino hindu, tão doente quanto ele, internado no mesmo hospital americano onde Babenco se submeteu a um transplante de medula. Jogar-se no chão com o garoto, brincar com ele, um macaquinho de pano e uma arma de plástico oxigenaria os seus pulmões e lhe daria a chance de experimentar o que ainda faltava.

O balanço está concluído em Meu Amigo Hindu. A atriz Bárbara Paz é ela mesma na tela. Recém-saída de Casa dos Artistas, programa do SBT, a atriz encontra no premiado diretor a mão amiga, um amor e o orientador de sua carreira. E devolve a ele o gosto de viver. Bárbara protagoniza a cena mais bonita do filme. Dança para aquele homem cheirando a remédio uma das célebres músicas do cinema: Singin’ In The Rain, celebrizada por Gene Kelly. Fica assim o tributo de Babenco a tudo que o emocionou no cinema. Bárbara dançando na chuva comove o marido e a plateia.

Se estão certos os estudiosos da Experiência de Quase Morte (quando se está entre a vida e o fim, antes de apagar definitivamente ou de voltar à consciência), Babenco partiu revivendo aquilo que mais o tocou: a última companheira, Bárbara, com seu corpo forte, cheio de ternura e vida, bailando na sua frente com leveza de menina. Àquela altura, pouco importava se a cena era real, como a do set, ou ocorria só para distraí-lo enquanto se desprendia do leito do Hospital Sírio Libanês. Para tornar-se etéreo e também imortal.

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