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Abuso, discriminação, diferença salarial. A longa e penosa maratona das mulheres no esporte

Faz parte do legado olímpico uma profunda revisão da forma como as mulheres são tratadas e retratadas. Há esperança, mas o trajeto é tortuoso

Por Tatiana Schibuola
Atualizado em 12 abr 2024, 14h54 - Publicado em 23 ago 2016, 16h22
Divulgação Volleyball World League
Divulgação Volleyball World League (/)
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Quem queimou a largada foi o boxeador marroquino Hassan Sada, na Vila dos Atletas. Duas camareiras contaram à polícia que ele as chamou, como se quisesse pedir uma informação. Quando entraram no quarto para saber o que ele queria, Sada as atacou, apalpando uma delas e apertando os seios da outra. Logo a seguir, o pugilista da Namíbia, Jonas Junias Jonas, de 22 anos, foi preso em 8 de agosto. Ele tentou agarrar e beijar uma camareira que trabalhava em um apartamento da Vila Olímpica. Em sua denúncia, a moça disse que o boxeador ofereceu dinheiro em troca de sexo. (Jonas foi solto três dias depois, mas seu passaporte foi retido.) Pelo menos mais duas ocorrências de violência de gênero foram levadas às delegacias cariocas durante o período das Olimpíadas. Uma envolvendo atletas das ilhas Fiji e outra, um búlgaro.

Como em uma longa maratona, os registros de violência contra a mulher e sexismo nos Jogos da Rio2016 não se limitaram aos ataques físicos. Uma extensa lista de declarações e manchetes infelizes mostram que o mundo ainda não respeita as mulheres de forma geral e dá pouco valor às suas conquistas esportivas. E não pense que se trata de sutilezas. Vamos a alguns exemplos grosseiros (há um pelotão deles):

. Quando a nadadora húngara Katinka Hosszú venceu os 400m medley, o comentarista da NBC disse que seu marido e treinador era “a pessoa responsável por sua performance.”

. Era a terceira Olimpíada da atiradora americana Cogdell-Unrein. Ela ficou em terceiro lugar, e então o jornal Chicago Tribune escreveu no Twitter: “a esposa de um jogador do Bears ganhou a medalha de bronze hoje na Olimpíada do Rio.”

. Alexa Moreno, única ginasta a representar o México, foi duramente criticada pelo público. Não por suas falhas na execução de movimentos, mas por seu peso. Chegou a ser comparada à personagem Peppa Pig. “Me senti triste, sim, doeu. Não sou um robô sem sentimentos”, disse, mais tarde.

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Não são fatos isolados. É cansativo saber que um levantamento da Universidade de Cambridge prova que o gênero muda a linguagem esportiva. Ao analisar um extenso banco de dados relacionando os conteúdos sobre esportes olímpicos, descobriram que homens são três vezes mais citados que as mulheres. Além disso, os pesquisadores lembraram que algumas modalidades são imediatamente relacionadas aos times masculinos – ninguém diz futebol “masculino”, mas você certamente leu muitas chamadas para os jogos do futebol “feminino”.

E, no que diz respeito ao esporte, há ainda uma enorme distância entre prêmios, patrocínios e incentivos – que parece tão intransponível quanto bater um queniano ao final de uma corrida. Marta, a nossa melhor jogadora de futebol, hoje integra um time da Suécia. Ganha bem, mas provavelmente menos que qualquer jogador titular de clube grande da Série A, informou a revista Veja. No Grand Prix de vôlei, realizado em julho deste ano, a seleção feminina do Brasil ficou em primeiro lugar. Nas fotos da premiação, que você vê na abertura desta reportagem, as atletas exibiam um cheque de 200 mil dólares. Nas da premiação masculina, o primeiro lugar valia cinco vezes mais: 1 milhão de dólares. A chamada no site da Liga Mundial (que reserva a cor azul para falar de homens e o rosa para as mulheres) é “Sérvia celebra os ‘garotos de um milhão de dólares’”. Já no basquete americano, um atleta da liga nacional (NBA) masculina, recebe o mínimo de 535 mil dólares por temporada. Já na feminina, o mínimo é de 109 mil dólares.

Justificativas mais rasas consideram a diferença justa. Afinal, será que os times formados por mulheres geram tanta audiência na tevê ou levam tantos torcedores aos estádios? Com exceção de alguns esportes, provavelmente não. Mas aí, chegamos ao dilema do “O que veio primeiro”? As modalidades praticadas por mulheres chamam menos atenção porque as garotas nunca foram incentivadas a praticá-las, a sociedade nunca as admirou e nem há investimento suficiente para que essas atletas incrementem seu nível técnico ou porque são mais sem graça? A resposta não é difícil.

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O alento, tal qual água gelada nos minutos finais de uma prova cheia de subidas está na intensa patrulha que, nas redes sociais, não deixou passar nenhuma declaração infeliz sem críticas severas. Que celebrou intensamente cada conquista das mulheres. Que reconheceu a grandeza da americana invencível Simone Biles e da brasileira Rafaela Silva. Que abraçou a diversidade. E que rendeu a bela hashtag #OlimpíadadasMulheres.

Ainda assim, as mulheres (atletas ou não) ainda têm muitas provas a vencer. Há muitas estratégias de fazê-lo e estamos indo muito bem. Mas vale lembrar que não é preciso mimetizar os comportamentos masculinos que sempre abominamos para atingir a igualdade. Como fez, por exemplo, o site americano Fusion. Em uma matéria intitulada “11 Olímpicos que ganham medalhas sendo um colírio para os olhos”, a autora escreveu que, “diante do sexismo galopante dos jogos, decidiu virar a mesa e se deliciar com um pouco de objetificação masculina.”  Na lista elaborada pelo veículo, em tradução livre, a descrição do nosso ginasta Arthur Nory: “Braços incríveis, sorriso devastador, biquinho sexy. Seu talento raro é a combinação entre ser sexy e fofo. Ele também tem a honra de ser o cara que Simone Biles chama de ‘baby’. Parece o Alladin, o que é um dos maior elogios que alguém pode receber de presente.”

Tenho certeza de que não é esta a mesa que as mulheres precisam virar.  

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