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A dramática situação dos imigrantes não regularizados durante a pandemia

Tramita no Congresso Nacional um PL que pede a regularização emergencial. Entenda o projeto e as enormes dificuldades que os imigrantes enfrentam no Brasil

Por Júlia Warken
Atualizado em 22 abr 2024, 12h01 - Publicado em 8 jul 2020, 12h30
 (Leonardo Fernandez Viloria e SOPA Images/Getty Images)
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A pandemia de Covid-19 transformou-se numa crise econômica e humanitária de proporção global. São inúmeras as pessoas que sofrem com a falta de recursos e, nesse cenário, os imigrantes não regularizados estão passando por enormes dificuldades. Para início de conversa, não há sequer um levantamento que aponte quantos imigrantes indocumentados vivem hoje no Brasil. Vivendo na informalidade, em condições que já eram precárias antes da pandemia, essas pessoas lutam mais do que nunca pela sobrevivência em solo brasileiro.

Jobana Moya, boliviana que mora há 13 anos no Brasil, explica que há acordos no Mercosul que possibilitam a regularização mesmo sem vínculo de matrimônio, estudo ou contrato formal de trabalho. Só que há muita burocracia envolvida e os custos são altos – além da taxa paga à Polícia Federal, a exigência de um tradutor juramentado, por exemplo, encarece muito o processo.

“Existe uma lista de documentos [obrigatórios para a regularização], mas, se a Polícia Federal entende que precisa pedir mais algum documento, eles podem fazer isso. A lei permite. Aí muitas pessoas acabam desistindo, porque você já conseguiu tudo o que precisava levar e eles dizem que você precisa levar mais alguma coisa”, aponta Jobana. Ela diz que o número de pessoas que conseguem a regularização é “ínfimo” e defende que esse processo nem deveria ser feito pela Polícia Federal e sim por um órgão civil.

“A imigração está criminalizada em todo o mundo. Então o que fazem os Estados? Não criminalizam diretamente, mas dificultam. Eu sinto que é uma estratégia para deixar as pessoas nessa situação vulnerável. Não se tem nem ao menos dados sobre quantos imigrantes estão irregulares no Brasil. E por que não tem? Porque não há interesse. Se o Estado tivesse essa informação, teria que fazer algo em relação a isso”, aponta. Jobana também chama a atenção para o fato de que muitas pessoas se beneficiam da informalidade dos imigrantes. Vulneráveis e desesperados, vários deles acabam aceitando salários baixíssimos e alugando imóveis em péssimas condições.

Jobana faz parte da Equipe de Base Warmis, um coletivo de mulheres imigrantes de São Paulo. Frente à calamidade da pandemia, o coletivo inspirou-se em um movimento nascido na Espanha, pedindo Regularização Já. Outros grupos e coletivos se uniram à campanha, fomentando o debate a respeito do tema, que chegou ao Congresso Nacional. A bancada do PSOL na Câmara de Deputados lançou o PL 2699/2020, que pede a regularização emergencial de imigrantes, citando também refugiados – sobre os quais falaremos mais a seguir. 

warmis
(Equipe de Base Warmis/Divulgação)
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Fernanda Melchionna (PSOL/RS), líder do partido na Câmara, aponta que o serviço de confecção da Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM) está suspensa durante a pandemia, o que para ela é absurdo. Segundo a deputada, isso contraria os termos de acolhida humanitária previstos na Nova Lei de Migração (1344), que está em vigor desde 2017. “O secretário geral da ONU afirmou no dia 3 de junho que os refugiados e imigrantes enfrentam três crises de uma vez só. No âmbito sócio-econômico, no âmbito da saúde e de proteção. Isso justifica a necessidade da hipótese da acolhida humanitária, que já está prevista na lei”.

Com isso, o PL 2699 não apenas prevê a retomada da confecção da Carteira de Registro Nacional Migratório, como também pede que o processo seja facilitado nesse momento de crise. A ideia é que sejam exigidos menos documentos e suspensa a obrigatoriedade do tradutor juramentado. A digitalização e a gratuidade do processo também estão previstos no projeto. No caso dos imigrantes que apenas precisam renovar a autorização de permanência, isso seria feito de maneira automática pelo prazo que durar a pandemia.

Uma das principais preocupações esboçadas pelo texto do PL refere-se ao acesso ao Auxilio Emergencial e ao Bolsa Família. Quando regularizados, os imigrantes tem direito a esses benefícios do mesmo modo que os brasileiros. Melchionna também argumenta que a CRNM facilita o atendimento das pessoas que buscam o SUS e que isso beneficia a todos, pois o tratamento de saúde adequado contribui para que a transmissão da Covid-19 seja contida.

Além disso, a deputada defende que a regularização facilitada ajudaria o poder público a lidar melhor com os imigrantes de uma maneira geral e que não teme um volume significativo de solicitações fraudulentas. “Hoje a gente não tem nenhuma estimativa oficial do governo quanto ao número de imigrantes indocumentados no Brasil, justamente por essa falha na política pública. Sendo assim, a regularização ajuda a combater fraudes e não o contrário. E eu duvido muito que haveria uma avalanche de pedidos de entrada no Brasil, já que somos um dos epicentros da Covid-19 no mundo. Fronteiras estão fechadas e muitos países não estão mandando voos para cá. O mundo está preocupado com o Brasil”.

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A bancada do PSOL apresentou o projeto de lei em 15 de maio e está tentando fazer com que ele seja votado de regime de urgência. Para que isso aconteça, precisa da assinatura de 257 deputados e tem 130 até o momento.

Imigrantes
(Pablo Rojas Madariaga/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)

Imigrantes e refugiados: entenda como a lei diferencia esses dois grupos

O Brasil é um dos países mais economicamente desenvolvidos da América do Sul e há muitos estrangeiros que saem dos países vizinhos e vem para cá em busca de uma vida melhor. A priori, essa movimentação confere a eles o status de imigrantes, mas há os que estão aptos a serem refugiados.

Segundo explica a cartilha do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “a Lei Brasileira de Refúgio considera como refugiado todo indivíduo que sai do seu país de origem devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas imputadas, ou devido a uma situação de grave e generalizada violação de direitos humanos no seu país de origem”.

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A guerra na Síria e o terror instaurado pelo Boko Haram em parte da Nigéria, por exemplo, fazem com que os estrangeiros dessas localidades estejam aptos a pedir refúgio, uma vez que a integridade física deles está sob ameaça constante. Atualmente, o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) também entende que a Venezuela como um todo passa por um momento de grave e generalizada violação de direitos humanos.

Os países têm autonomia para decidir os termos de aptidão ao refúgio. Em 1997, a Lei 9.474 reformulou completamente as diretrizes da pauta por aqui e, desde então, essa é a primeira vez que o Brasil faz divisa com um território que sofre severa crise humanitária, dentro do contexto das políticas de refúgio.

Mulher venezuelana pedindo ajuda
(VW Pics/Getty Images)

Ao fazer o pedido de refúgio no Brasil, o estrangeiro recebe um documento chamado de Protocolo Provisório e está automaticamente apto a ter número de CPF e Carteira de Trabalho. Ele também pode abrir conta em bancos, solicitar o Auxílio Emergencial e o Bolsa Família, antes mesmo de ser oficialmente reconhecido como refugiado e de receber a Carteira de Registro Nacional Migratório. Além disso, o acesso à educação e à saúde públicas são garantidos pelo Protocolo Provisório.

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O direito existe, mas ainda é desconhecido pela maioria das pessoas, o que gera problemas. “Nem todos os servidores públicos têm conhecimento do Protocolo Provisório, o que pode causar dificuldades na hora de usá-lo. Mas esses problemas acontecem não por uma questão de direito. É porque os procedimentos ainda precisam ser melhor azeitados”, aponta Maria Beatriz Nogueira, chefe do escritório do ACNUR em São Paulo. Ela diz que a instituição faz um constante trabalho de esclarecimento junto aos órgãos públicos e que dá apoio técnico ao governo.

Enquanto a regularização de imigrantes é feita através da Polícia Federal, o Comitê Nacional para os Refugiados, responsável por avaliar os pedidos de refúgio, é formado por representantes de organizações da sociedade civil. São perspectivas bem diferentes entre si, pois um processo se pauta pela segurança pública e o outro pelo humanitarismo.

“A lei de 1997 se mantém muito atual até hoje e ela faz com que o procedimento do refúgio seja feito com muita seriedade, com viés humanitário e análise técnica. Da nossa perspectiva, isso tem se mantido [no CONARE]. Um exemplo disso é o próprio reconhecimento, em números grandes, do contingente de venezuelanos que têm chegado ao Brasil. Já foram mais de 37 mil pessoas reconhecidas nos últimos meses. Durante muitos anos, o Brasil teve um número de nove, dez mil refugiados no país inteiro”, diz Maria Beatriz.

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