Desbravadoras: 4 mulheres que deixaram tudo para viajar o mundo sozinhas
Conheça os perfis que quebram paradigmas e reinventam a forma de se colocar, literalmente, no mundo
Algumas ainda têm medo; outras, um pouco de vergonha, mas o fato é que, diferente de momentos recentes na história, mulheres viajam cada vez mais sozinhas. Mais que turistas em longas jornadas de puro descobrimento externo e, muitas vezes, interno, elas fazem do viajar o mundo um estilo de vida e, quase todas, dizem ser um caminho sem volta. Prazer imenso alcançado em um universo ainda machista, com diversos países a torná-lo desafiador, o viajar sola se transforma em mais uma das muitas conquistas femininas do cenário contemporâneo.
Sophia costa, @whoisophia
Formada em publicidade, Sophia entendeu cedo que o diploma escolhido não era muito a sua praia. O sonho era viajar com propósito. Quando surgiu a oportunidade de um intercâmbio em Moçambique, a publicitária agarrou como pode. O programa, de um mês, não satisfazia plenamente a vontade de se aprofundar na cultura local. Sem muito planejamento, então, ela decidiu ficar três meses. Naquele momento, tentou conversar com os antigos chefes e continuar trabalhando de Moçambique. Em 2018, na vida pré-pandemia, ouviu um sonoro “não”.
Em uma dessas reviravoltas do destino, dias antes de embarcar, recebeu uma nova oferta de trabalho. Avisou que estava indo para a África e voltaria só em três meses. Para a sua surpresa, foi contratada. “Fiquei morando entre África do Sul e Moçambique, foi uma experiência incrível e, ali, eu vi que meu sonho poderia funcionar.” Da África, foi abraçar o mundo: Sophia começou a trabalhar remotamente, produzir conteúdo e compartilhar nas redes sociais. “Eu via poucas mulheres negras viajando e menos ainda produzindo conteúdo sobre viagem. É diferente você viajar o mundo sendo mulher, e muito diferente sendo mulher negra”, comenta.
Sobre os cuidados necessários ao embarcar em uma jornada, a hoje influenciadora e nômade digital comenta que já tem bastante experiência. “Quando me questionam, eu sempre respondo que como o Brasil é perigoso, os mesmos cuidados que tomamos aí, vamos tomar em qualquer lugar. E eu sempre estou conectada. Esse negócio de se desconectar é um luxo que nós mulheres não temos”, diz. Desde então, Sophia já morou em Buenos Aires, México, Tailândia, Itália, Egito, Grécia, Inglaterra, Sérvia e acaba de aterrissar em Bali.
Luisa Moraleida, @luisamoraleida
Essa mineira começou a viajar cedo. Atleta, se viu aos 9 anos sozinha pela primeira vez em um avião. “Me lembro o poder que senti quando voei. Entendi que havia muito mais vida do que já tinha visto.” Na adolescência, fez um intercâmbio e teve a oportunidade de viver com mais independência. “Saí da rotina de classe média e pude conhecer outras coisas. Quando voltei, parecia que todos tinham ficado congelados no tempo.”
Aos 18 anos, chegou a São Paulo para estudar jornalismo, sempre com a ideia de abrir horizontes. Aos 22, após se formar, vendeu tudo e partiu para o seu primeiro mochilão. Começou visitando pessoas que conhecia em outros países. “Não é muito da cultura brasileira sair viajando por aí sem rumo, especialmente se você for mulher.” Mas a decisão sempre foi clara: “Vai ser difícil de qualquer jeito, você vai deixar de viver? Viajar é só mais um dos espaços em que sofremos opressão. Viajar como mulher é igual a viver como tal”.
Juli Hirata, @juli_hirata
Quando Juli contou que largaria tudo para viajar, causou um choque na família e amigos. A paulistana, decidida, pediu divórcio de um casamento que não fazia mais sentido, demissão dos quatro (!) empregos que mantinha para conseguir viver numa cidade cara como São Paulo, vendeu tudo que tinha, arrumou a bicicleta e foi.
A primeira viagem sozinha começou aos 36 anos. Com uma passagem de ida para o Alasca, a bióloga queria pedalar na plataforma do Ártico, debaixo da aurora boreal e ir até Ushuaia. Especialista em conservação, ela sonhava com um contato mais próximo com o meio-ambiente. “Eu queria viajar de bike, de forma sustentável, como parte da natureza.” E o que a levou a deixar tudo e partir em tamanha aventura? “Uma carta que escrevi para mim mesma, na qual me perguntava o que faria se eu não tivesse medo”, conta. A resposta era viajar sozinha.
Inserida no universo de ciclo-feminismo em São Paulo, Juli comenta que a frase que mais ouve quando está pedalando, seja no interior da Croácia ou do Peru, é se ela não tem receio. “Viajar sozinha não é um luxo, é um caminho de construção social. É sair da bolha e enxergar o lugar que ocupamos”, diz. Do Oiapoque ao Chuí, ela também é confrontada com perguntas do que está por trás da decisão de ir sozinha. “Homens viajam sozinhos quando não têm opções. Mulheres viajam sozinhas por escolha. Uma espécie de encontro consigo mesma, que é muito libertador. Na estrada não precisamos de máscaras, daí descobrimos quem somos.” Hoje, aos 42 anos, ela tem o ex-marido e a família como os maiores incentivadores.
Tamara Klink, @tamaraklink
Ela nasceu com um pé na água, ou os dois, ou quase isso. A paulistana, de 25 anos, entendeu muito rápido que, além de suas raízes, seus sonhos estavam também no mar. Aos 8 anos, acompanhada dos pais, Marina e Amyr Klink, e das duas irmãs, Laura e Nina, Tamara chegou à sua primeira expedição na Antártida. Foi ali que as histórias de ninar que ouvia desde o berço, enfim, se tornariam realidade. “Fui buscando oportunidades de viajar sozinha por meio de relatos, dentro de casa e na literatura”, conta.
Mas o grande salto, ou gatilho, como ela própria chama, foi a vida na França. Depois de se mudar para Nantes para finalizar os estudos na École Supérieure d’Architecture, em 2020, Tamara entendeu que seu desejo era outro. “A vontade é nosso combustível principal, mas foi no desconforto da solidão, em um país que não era o meu, que me vi aberta ao risco de iniciar uma navegação solitária”, diz a velejadora.
Em 2021, a bordo do Sardinha, seu veleiro, Tamara começou, entre agosto e novembro, a travessia partindo da França até o Recife. Conquistou um marco e se tornou a mais jovem brasileira a cruzar o Atlântico. “O maior perigo em uma viagem, na realidade, são as paradas e a vontade de desistir. A carência afetiva, o cansaço e a insegurança nos dão vontade de desistir. Como na vida, nossa trajetória deveria ter paradas que são curtas e, muitas vezes, não são.”
E sobre as mulheres viajando sozinhas? “Me parece muito normal, algo, a meu ver, necessário. O que me soa estranho são mulheres que não viajam sozinhas.”