“Minha família se distanciou quando contei que fui abusada pelo meu tio”
A leitora Laila* foi abusada pelo tio e só contou para a família 2 décadas depois, quando foi chamada de mentirosa. Desesperada, ela tentou o suicídio
*Essa matéria aborda conteúdo delicado sobre depressão e suicídio. Se você precisa de ajuda, ligue 188
“Fui abusada pelo irmão da minha mãe aos 9 anos.
Quando eu tinha 30, criei coragem de contar para ela. Ouvi que estava mentindo. Que não era verdade porque senão eu não teria guardado por muitos anos. E que eu tinha convivido com ele depois, portanto era impossível ele ter feito algo ruim.
Ela nunca percebeu que eu não entrava no carro sozinha com ele, nunca ficava sozinha com ele, nunca brincava de qualquer coisa com ele. Ela chegou a insinuar que eu não havia revelado porque me aproveitava da boa condição financeira da família.
Um dos dias mais difíceis da minha vida foi quando eu me dei conta que esse tio estava no meu álbum de casamento. Aturei e engoli por muitos anos isso que estava bloqueado na minha cabeça por medo. E não só por isso, havia outros motivos para bloquear essa informação. A esposa dele é a pessoa mais adorável que eu já conheci. Talvez eu tenha me calado também pela minha mãe. Ele é o único parente de sangue dela e ela tem uma paixão de absurdo por ele. Os dois ficaram órfãos ainda crianças.
Não vejo minha mãe há muitos anos. Ela passa todas as festas com o irmão dela e toda a família. Eles fazem viagens, comemorações, aniversários e tudo que têm direito. Quando ela está na cidade, fica na casa dele. Ela fez a opção e escolheu o lado que gostaria de ficar.
Eu não conheço meus sobrinhos porque meus irmãos estão sempre com esse tio e a sua família e eu não faço questão alguma de me aproximar. Eu até tentei passar uma borracha na minha vida. Só que falaram que eu estava tentando machucar a minha mãe ao contar algo impossível e que o melhor que eu faria era viver longe pra não destruir a família dele.
Mas e eu? Foi pedido pela família que eu me afastasse de todos porque eles queriam continuar vivendo como uma família normal e a minha história não cabia ali. Mandaram eu esquecer tudo o que houve, pois seria até mesmo algo ‘normal’. Todos se afastaram e dizem que eu causei isso. Hoje, não tenho mais ninguém além do meu marido. Não pude ter filhos, não consegui dar continuidade ao tratamento para engravidar, porque não teria ajuda financeira para as fertilizações in vitro. Não tenho mais família para comemorar Natal, aniversário, Dia das Mães e nem Dia dos Pais, pois o meu pai também não acredita em mim.
Eu contei tudo, cada detalhe. As roupas que ele estava usando quando fez algo, os lugares. É tudo tão claro na minha cabeça. Ainda me taxam de louca, dizem que preciso ser tratada. Certa vez, parecia que eu não aguentava mais e eu tentei tirar a minha própria vida. Fiquei sete dias na UTI. Quando saí, minha mãe veio me ver para tentar me internar. Meu marido a proibiu.
Ninguém sabe a dor que é ver na internet, acompanhar de fora a felicidade de todos eles vivendo em um mundo cor de rosa enquanto eu estou me remoendo por dentro, procurando um colo para chorar, um abraço para me acalentar, um carinho ou uma frase: ‘Eu acredito em você’. Eu errei por ter escondido, ter demorado para dizer algo! Mas o meu maior erro foi ter permitido ele na minha vida por tantos anos! Quando me dei conta que tudo isso que passei era errado, já era tarde… Eu já era adulta! Mas vou vivendo um dia de cada vez e sei que um dia a felicidade plena vira até mim. E eu ainda vou conseguir construir a minha família! Este é o meu sonho de infância.”
A partir de agora, CLAUDIA mantém esse canal aberto e oferece acolhimento para quem quiser libertar as palavras e as dores que elas carregam. Fale com CLAUDIA em falecomclaudia@abril.com.br.
*Nome trocado a pedido da personagem
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