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Os chocantes relatos do assédio sexual praticado por Marcius Melhem

Em uma longa reportagem, a revista piauí dá detalhes das acusações contra Melhem. Dani Calabresa é a única vítima cujo nome foi divulgado, mas há outras

Por Júlia Warken
Atualizado em 16 dez 2020, 15h58 - Publicado em 4 dez 2020, 12h49
 (Victor Pollak/TV Globo)
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A revista piauí publicou uma longa matéria em que reconstitui, com base em fontes não identificadas, o assédio sexual praticado sistematicamente por Marcius Melhem contra Dani Calabresa e outras vítimas não identificadas. Antigo diretor do Departamento de Humor da Globo, Melhem era chefe de Calabresa na época dos acontecimentos.

Assinada por João Batista Jr., a matéria não poupa detalhes. O trecho mais chocante diz respeito à uma comemoração que a equipe do Zorra fez em um karaokê, no Rio de Janeiro. Confira o parágrafo na íntegra:

“A comemoração continuava animada quando Calabresa resolveu ir ao banheiro, cuja porta dá para um lavabo com espelho e não fica à vista de quem está no salão. Ao sair, a atriz deu de cara com Melhem, que estava à sua espera e tentou agarrá-la. Ela reagiu, bateu com a parte traseira da própria cabeça na parede e pediu que Melhem a deixasse passar. Em vão. Com uma das mãos, ele imobilizou os braços da atriz. Com a outra, puxou a cabeça dela para forçar um beijo. Assustada, Calabresa cerrou os lábios e virou o pescoço, mas Melhem conseguiu lamber o rosto dela. Em seguida, tirou o pênis para fora da calça. Enquanto a atriz tentava soltar os braços e escapar da situação, acabou encostando mão e quadris no pênis de Melhem. Ao reencontrar os colegas no salão, Calabresa teve uma crise de choro. Os atores Luis Miranda e George Sauma ofereceram a ela um copo d’água e confortaram a amiga”. 

De acordo com a piauí, dias depois Melhem “se justificou” dizendo, em tom de brincadeira: “Eu não tenho culpa do que aconteceu! Quem mandou você estar muito gostosa?”. Na ocasião, Calabresa teve que se esquivar do chefe e a atriz Maria Clara Gueiros pediu a Melhem que deixasse a colega em paz. 

 

Há outros relatos de assédio e também de situações em que Calabresa foi sabotada por Melhem. A reportagem relata que Melhem vetou a participação da atriz em um programa de Miguel Falabella, para o qual ela havia sido convidada.

Outro baque é referente a um programa que ela idealizou, inspirado no Furo MTV, que apresentava antes de ser contratada pela Globo. Melhem teria dito que o programa ia acontecer, e da maneira como Calabresa queria – com a participação de Bento Ribeiro, seu colega na atração original. De última hora, Melhem informou que Ribeiro estava de fora do projeto – para a surpresa de Calabresa, que sentiu-se traída.

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Nessa época, Calabresa já se esquivava de Melhem, pois episódios de assédio haviam acontecido anteriormente. A piauí relata um deles em que Melhem entrou no camarim da atriz para “conferir o figurino” dela – que se tratava de um maiô vermelho para uma paródia de SOS Malibu.

Uma fonte anônima, próxima a Calabresa, disse à piauí que a atriz passou a sofrer psicologicamente por conta dos assédios e dos boicotes praticados por Melhem. “Calabresa passou a ter ânsia de vômito quando pegava o avião de São Paulo, onde mora, para o Rio de Janeiro, onde gravava. Seu coração disparava quando tomava o táxi no Aeroporto Santos Dumont em direção aos estúdios da Globo”, diz a reportagem.

A piauí também aborda o silêncio por parte da TV Globo em relação a Marcius Melhem. Segundo a publicação, Calabresa comunicou a empresa sobre os assédios – sexual e moral – em dezembro de 2019. “Contou que seu chefe pegava em sua cintura, que a chamava de ‘gostosa’ e afagava seu cabelo, mas observou que havia coisas mais graves para relatar. Avisou, também, que tinha testemunhas”, diz a reportagem, narrando uma conversa entre Calabresa e Monica Albuquerque, antiga chefe do Desenvolvimento e Acompanhamento Artístico (DAA) – responsável por esse tipo de assunto.

Ainda de acordo com a revista, uma reunião de mais de quatro horas foi realizada entre Calabresa e o DAA da Globo. Após, houve uma reunião entre o DDA e Melhem – e o resultado disso tudo não foi favorável à Calabresa. “Mas existe apenas o seu caso”, teria ouvido a atriz de uma das chefonas do DAA. Foi aí que Calabresa resolveu levar o assunto ao mais alto escalão da emissora. “Eu sinto muito por tudo o que você passou”, teria ouvido ela de Carlos Henrique Schroder, um dos nomes mais importantes da Globo.

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Nessa época, o colunista Leo Dias já havia apurado – e publicado – que as coisas não iam bem na ala humorística da emissora. “Marcius Melhem, coordenador do Departamento de Humor da TV Globo, está sendo denunciado por assédio moral por uma série de atrizes do núcleo de humor da emissora”. Ele chegou a citar Dani Calabresa, Maria Clara Gueiros e Renata Castro. 

Frente a tudo isso, Melhem passou a reagir, difamando Calabresa e buscando aliados dentro da empresa. Mas, de acordo com a piauí, outras cinco mulheres, pelo menos, tomaram coragem de fazer denúncias internas contra ele – também de assédio sexual. “Em conversas com a reportagem, outra atriz contou que Melhem a visitou no apartamento, para onde ela acabara de se mudar, quis conhecer seu quarto e, ao chegar ali, expôs sua genitália”, publicou a revista. 

Em março deste ano, Melhem acabou por ser afastado. A Globo alegou “motivos pessoais” do humorista e não citou nada sobre as denúncias de assédio moral e sexual. A piauí conta que as vítimas se indignaram e, em julho, buscaram apoio jurídico para lidar com a situação. “Um grupo de treze pessoas – seis vítimas de assédio sexual e sete testemunhas, entre as quais alguns homens – procurou a advogada Mayra Cotta. Queriam receber orientação jurídica, traçar um plano de como proceder com a empresa”. 

Em agosto, a Globo anunciou o desligamento definitivo de Melhem. A nota da emissora, mais uma vez, não falava nada sobre assédio:

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“A Globo e Marcius Melhem, em comum acordo, encerraram a parceria de 17 anos de sucessos. O artista, que deu importante contribuição para a renovação do humor nas diversas plataformas da empresa, estava de licença desde março para acompanhar o tratamento de saúde de sua filha no exterior. Como todos sabem, a Globo tem tomado uma série de iniciativas para se preparar para os desafios do futuro e, com isso, adotado novas dinâmicas de parceria com atores e criadores em suas múltiplas plataformas. Os conteúdos de humor, assim como os de dramaturgia diária e semanal, continuam sob a liderança de Silvio de Abreu, diretor de Dramaturgia da Globo.”

“Alguns começaram a interpretar a nota como um sinal de tolerância da Globo com a prática do assédio”, disse uma fonte anônima à piauí. Trinta atores, diretores e roteiristas enviaram um email a Carlos Henrique Schroder para demonstrar indignação, segundo a reportagem. 

À piauí, Schroder disse que não pode “falar sobre casos concretos” e garantiu que “todo relato de assédio, moral ou sexual, é apurado criteriosamente assim que a empresa toma conhecimento. A empresa não tolera comportamentos abusivos em nossas equipes.”

A revista também diz que reuniões foram realizadas – por Zoom – entre o DAA e signatários do email enviado a Schroder. Tais funcionários solicitaram um relatório das investigações internas, mas o pedido foi negado – com a alegação de que era preciso proteger as partes envolvidas.

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O andar dessa reunião não agradou aos reclamantes. Com isso, em 24 de outubro a advogada Mayra Cotta, contratada pelas vítimas, ficou encarregada de falar com a imprensa. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ela declarou: “Houve um comportamento recorrente, de trancar mulheres em espaços e tentar agarrá-las, contra a vontade delas. De insistir e ficar mandando mensagem inclusive de teor sexual para mulheres que ele decidia se iam ser escaladas ou não para trabalhar, se ia ter cena ou não para elas. De prejudicar as carreiras de mulheres que o rejeitaram. De ficar obcecado, perseguindo mesmo. Foi um constrangimento sistemático e insistente.” 

No mesmo dia, Melhem publicou no Twitter que iria provar sua inocência na Justiça. Também disse que era um apoiador da causa feminista. A piauí afirma que tentou realizar uma entrevista com o humorista, mas ele não aceitou.

“Qualquer pessoa que tenha convivido comigo sabe que eu jamais cometeria algum ato de violência e que nunca forcei ninguém a nada. Mas parece que o único objetivo está sendo bem-sucedido: a minha condenação na opinião pública”, escreveu Melhem em nota enviada à revista. “Nada que eu diga sobre fatos distorcidos ou cenas que jamais ocorreram vai mudar esse perfil construído de abusador, quase psicopata”, disse ele, como justificativa para não conceder a entrevista.

Em contrapartida, Jorge Nóbrega, presidente executivo da Globo, conversou com a revista – mas disse que não poderia comentar casos específicos. Sem citar o caso Melhem, falou sobre como a empresa lida com denúncias de assédio sexual.  “Sabemos que esses processos precisam melhorar. Queremos ser justos. Queremos que nossas ações sirvam para a correção de problemas”. 

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