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“Todo mundo tem vergonha da própria verdade”, diz Evan Rachel Wood

A estrela de "Westworld" fala sobre a série e a experiência de contar para todo o mundo que foi estuprada dentro da própria casa.

Por Ligia Helena
Atualizado em 16 jan 2020, 14h15 - Publicado em 15 Maio 2018, 12h34
Evan Rachel Wood acusa Marilyn Manson de abuso.
Evan Rachel Wood usa as redes sociais para acusar Marilyn Manson de abuso. ((Foto: Neilson Barnard)/Getty Images)
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Evan Rachel Wood é uma mulher forte. Atriz desde os cinco anos de idade, a Dolores de “Westworld” (HBO) contou para todo o mundo, em fevereiro deste ano, que foi estuprada dentro da própria casa, não uma, mas duas vezes. Ela fez isso por uma causa nobre: defender a implementação de uma Declaração dos Direitos Civis para Sobreviventes de Assédio Sexual, no Congresso dos Estados Unidos. “O homem que dizia que me amava me estuprou acreditando que eu estava inconsciente”, ela disse, em um dos momentos mais fortes do depoimento.

Hoje, Evan Rachel Wood luta por mudanças na vida real e faz refletir sobre nossa própria condição como mulheres. Em “Westworld” não é muito diferente: Dolores questiona a realidade em sua volta, o livre-arbítrio e as relações humanas. Na primeira temporada, Dolores deixa de sofrer em silêncio pela realidade que lhe foi imposta e decide mudar. Assim como Evan Rachel Wood. Em entrevista, a atriz fala sobre o futuro da série, que está em sua segunda temporada, e sobre a relação da ficção com a realidade:

De onde a Dolores parte no começo da segunda temporada?

Não retomamos exatamente do ponto onde ela estava, mas sem dúvida veremos o seu despertar. A Dolores finalmente toma decisões por si mesma. Eu acho que a primeira escolha real dela foi matar o Ford. Agora, ficamos sabendo que ela também é outro personagem, o Wyatt. Por isso, quando a primeira temporada terminou, eu não podia esperar o início da segunda para saber quem era o Wyatt. Agora vemos todas as facetas dela. Ela não é mais só uma coisa, ela tem acesso a cada parte de si mesma, a todas as suas personalidades. Dentro dela convivem a Dolores, que vê tudo lindo, e o Wyatt, que vê tudo feio. Eles estão o tempo todo em conflito, e ela é muito criteriosa com relação a quando deixar sair cada personagem, em diferentes situações. Eu acho que agora ela só é realmente a Dolores quando está com o Teddy. E é o Wyatt quando tem que reunir tropas ou quando precisa realizar uma missão. Mas também existe outro lado dela, que ela cria, que é ela mesma. Isso é o que ela nunca foi capaz de fazer: definir a si mesma.

Como você distingue as várias facetas quando as interpreta?

É interessante, mas ninguém percebeu que nesta temporada eu não tenho sotaque, nem no trailer do Super Bowl. O sotaque sulista sumiu. E ninguém reparou. Quando ela é a Dolores o sotaque existe, mas quando é o Wyatt, ou esta coisa nova, não. Eu acho que as pessoas aprenderão e serão capazes de identificar os sinais de quando ela assume cada personalidade.

A série já não tinha nada de simples na temporada passada, mas parece ainda mais complexa este ano…

Isso foi muito difícil nesta temporada, porque todos os personagens oscilam. São eles mesmos e depois os limites mudam um pouco, depois mais um pouco, depois mais.

Na primeira temporada você disse que em certos momentos tinha se perguntado se não era um robô para quem as pessoas tivessem mentido durante anos. Como foi nesta temporada?

Agora me faço todos os tipos de pergunta a respeito das novas informações que a série nos traz. Eu literalmente tive uma crise existencial no final da segunda temporada. Um dia eu estava dirigindo, olhei em volta e não pude evitar as perguntas: Quem somos?, O que é isto?, Nada disto é real?, O que estamos fazendo? Você acaba se dando conta de que tudo é uma questão de programação. Tudo é aprendido! Nós chamamos isso de mundo real, mas é o mundo onde todos decidimos viver juntos, embora não seja necessariamente o que é real para ninguém ou o que é natural. Então é estranho. Não somos livres, sabe? Estamos em um entorno controlado que tem muita curadoria e nos alimentam com o que se supõe que devem nos alimentar, e você precisa realmente buscar a verdade, principalmente agora. Então eu acho que a série está mais aberta do que nunca.

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Você já disse que mudou radicalmente depois de interpretar a Dolores. Como foi isso?

Eu mudei em todos os sentidos. Eu realmente me envolvo com os personagens, e às vezes é difícil não passar pelas mesmas mudanças evolutivas. As mudanças da Dolores são muito profundas e estão muito arraigadas à realidade, e também são metáforas. Eu acho que todo mundo se sente identificado com Westworld, talvez de formas diferentes, e poderia representar coisas diferentes para cada um, mas no meu caso me fez descobrir um poder que eu sempre tinha tido e que simplesmente não sabia que podia acessar. Ou que não acreditava que tinha, ou ao qual tinha sido programada para renunciar. Ela me fez mudar de ideia. Me levou a fazer mais perguntas. Soa brega, mas ela me fez acreditar mais em mim mesma. Eu a vejo como um ser independente de mim, então busco minha força nela. Por isso, quando participei da marcha das mulheres e fui dar um depoimento no Congresso, usei um medalhão com a imagem da Dolores. Isso me relembra que existe uma parte de mim que é… realmente… não sei definir. Há uma parte de mim que é criada por ela, eu acho.

Evan Rachel Wood (Dolores Abernathy) e James Marsden (Teddy Flood) WESTWORLD
Dolores Abernathy (Evan Rachel Wood) e Teddy Flood (James Marsden) em cena de “Westworld” (Divulgação/HBO)

Quais são os riscos potenciais de estar tão envolvida em um personagem?

A parte mais difícil desta série é que todos nós sempre estamos muito entusiasmados para recomeçar, mas depois nos lembramos que ninguém nunca acaba bem nesta história. E estamos tão envolvidos com os personagens agora que, quando acontecem coisas ruins com eles ou alguma coisa dá errado, é realmente doloroso para nós. As lealdades mudam muito nesta série e nós nem sabemos. De repente você descobre que dois personagens estão em lados opostos e pensa: “O que aconteceu? Eu não gosto disso!” Você sente como se fosse uma violência, porque você está muito envolvido com todos.

Quanto tempo durou a filmagem desta temporada?

Seis meses. Foi como fazer dez filmes em seis meses. Foi duro para nós. Estávamos em Los Angeles, mas também estivemos em Moab, em Kanab e no Lago Powell. Foi como nos distanciarmos mais ainda em Utah.

Você mencionou o depoimento no Congresso recentemente. Como isso aconteceu?

A Amanda Nguyen, que escreveu o projeto de lei, entrou em contato comigo, simplesmente como outra sobrevivente, pedindo ajuda. Ela me disse: “Conseguimos a sanção em nível federal, mas ela ainda tem que ser aplicada em todos os estados, e precisamos gerar mais conscientização. Você tem uma plataforma e uma história. Você poderia vir contar isso no Congresso?” Eu só tinha contado a minha história para umas cinco pessoas, podia contar nos dedos, e pular disso para o mundo todo, torná-la de conhecimento público, era apavorante. Eu não sabia como seria quando todo mundo soubesse isso sobre mim, e era assustador pensar no que isso significava, no que os outros podiam pensar. Mas, o fato de eu ter tanto medo de contar a minha história, e tanta vergonha, acabou me dando mais vontade de fazer isso, porque eu senti que estava errada, que não deveria me sentir assim, então eu aceitei.

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Evan Rachel Wood (Dolores Abernathy)
(Divulgação/HBO)

É muito interessante, diante da temática da série, que tanto você como a Thandie (Newton) tenham essas histórias.

É, sim. E agora estamos em um lugar onde podemos falar abertamente.

E você tem um meio incrível para falar disso.

Eu sinto que claramente era o destino, a tal ponto que às vezes nos assustamos. A Thandie, a Lisa (Joy) e eu comentamos muitas vezes: como aconteceu essa sincronização tão perfeita? Como poderíamos saber que isso aconteceria? Como a vida pode imitar a arte em uma escala tão grande? Quando eu dei o depoimento no Congresso, mandei uma mensagem de brincadeira para a Lisa dizendo: “Vamos tocar fogo no mundo e construir um mundo novo”. Mas, falando sério, o que está acontecendo? Eu acho que no princípio nos preocupava que o público não estivesse pronto para Westworld. Por ser uma série tão honesta que nos apresentava um espelho. Hoje eu acho que o público não só estava preparado como que já estamos nesse ponto. Então este é o momento perfeito para a série.

É incrível como as coisas mudaram em um ano. Nem tínhamos a palavra “despertar” (“woke”) no nosso vocabulário.

Ou “gaslighting” [forma de manipulação e abuso emocional]. Ninguém sabia o que era, e é algo muito comum e que está presente em todos os lugares, mas ninguém conhecia até muito recentemente.

Rachel Evan Wood (Dolores) WESTWORLD
(Divulgação/HBO)
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Você acha que existe algo que Jonathan (Nolan) e Lisa (Joy, criadores e roteiristas da série) puderam absorver do entorno, no Zeitgeist, que lhes permitiria antecipar onde estaríamos?

Com certeza. Mas o importante, e é o que Westworld faz tão bem, é fazer as perguntas certas. Nada do que está acontecendo agora é realmente novo. Em todo caso, só estamos repetindo tudo de novo. Lutamos sempre pelas mesmas coisas; voltamos sempre às mesmas questões, embora com algumas variações. Mas estamos sempre discutindo basicamente as mesmas coisas. Então nem é tão surpreendente e, estranhamente, eu acho que todos sabíamos que isso estava vindo e que qualquer um pode decifrar. É quase como uma equação: bastava olhar objetivamente para ver para onde nos dirigíamos. Mas eu acho que todos nós sentimos. Só não percebemos que se concretizaria e que seria uma mudança da noite para o dia. Eu achei que talvez fôssemos construir em cima da situação atual, não esperava que fosse literalmente como uma explosão e que o mundo nunca mais seria o mesmo.

Você tem esperanças quanto ao resultado?

As pessoas não avançam lentamente na escuridão. E esse é outro tema da série, que às vezes as nossas maiores epifanias ou etapas de revelação vêm do sofrimento. Atribui-se uma conotação negativa à dor e ao sofrimento. Mas muitas vezes não é assim, assim como a carta da morte no tarô não significa necessariamente a morte e sim mudança, soltar, afastar-se de alguma coisa. É doloroso e implica um luto, mas é necessário. Se pudéssemos fazer as pazes com a nossa dor como parte do crescimento e como algo necessário para mudar, em vez de encarar como algo a ser evitado compulsivamente, estaríamos melhor. Talvez não precisemos estar completamente aniquilados para que alguma coisa boa possa acontecer.

Que impacto a série tem sobre o seu comportamento em termos de tecnologia e de redes sociais?

Hoje as nossas maiores ameaças não são as bombas e sim o ataque psicológico que sofremos todos os dias em algum nível. As pessoas precisam ser mais conscientes da fragilidade das nossas mentes, de como é fácil manipulá-las. Todos nós acreditamos demais no livre arbítrio. Não questionamos devidamente a nossa própria realidade. Houve vezes em que precisei esconder o celular ou desinstalar os aplicativos das redes sociais, porque elas te absorvem. É realmente difícil. E você pode estar se metendo em um buraco negro de propaganda sem saber. Todo mundo busca algum tipo de verdade. Estamos em uma era na qual a vulnerabilidade, a integridade e a honestidade são o revolucionário. Isso é o que surpreende as pessoas. É como quando eu fui ao Congresso. Todo mundo dizia que era incrível e um ato de coragem, e eu tinha vontade de agradecer e dizer que sim, tinha sido muito duro, exigido muita valentia, mas na verdade a única coisa que eu tinha feito era contar a minha história, ser vulnerável, ser honesta. Hoje o corajoso é ser honesto. Mas todo mundo também tem vergonha da própria verdade.

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