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Paulo Coelho fala sobre a situação atual do Brasil e sobre seu novo livro

Após dois anos de hiato, livro sacia a curiosidade dos fãs ao revelar a experiência de correr o mundo de mochila nas costas

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 10 jun 2018, 09h01 - Publicado em 10 jun 2018, 09h01
 (Niels Akermann/CLAUDIA)
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Paulo Coelho está resfriado. O autor de O Alquimista, livro brasileiro mais vendido no mundo, põe a culpa em um surto de vírus que se espalhou pela Europa, onde vive, durante o inverno mais rigoroso dos últimos tempos. “Há dez anos eu não via tanta gente doente”, diz ele ao telefone, com as vias aéreas congestionadas e a voz rouca. Ele fala de seu apartamento na Suíça e, apesar de morar nesse endereço há cinco anos, ainda se surpreende com a vista na chegada da primavera.

“É um belo dia de sol, e estou olhando para Mont Blanc, a mais alta montanha dos Alpes. Está totalmente descoberta, a coisa mais linda”, exclama, interrompendo uma resposta à entrevista.

Não foi a única pausa. O escritor parou depois de um acesso de tosse e também quando sua mulher, a artista plástica Christina Oiticica, o chamava. Ouvia-se ao fundo a voz dela lembrando que os dois tinham compromisso; estava na hora de sair. Mas o carioca de 70 anos é daqueles que, quando engatam a conversa, ninguém consegue deter.

Ele gosta do debate, do encontro das ideias, e a cada tema, perguntava: “O que você acha?”. Então, escutava e refletia ou fazia comentários com o sotaque que ainda mantém, às vezes usando o francês no meio das frases.

Abordamos seu novo livro, Hippie (Paralela), lançado dia 28 de abril, antes de partirmos para a política nacional, as questões sociais, as drogas. Muito disso tem a ver com o título. Autobiográfico, é um relato sobre o Paulo que usava cabelos longos, largou a família, viajou o mundo. Estava traumatizado com a ditadura militar no Brasil e havia sido preso três vezes – o que ele narra de forma resumida. Além disso, tinha levado um fora da namorada iugoslava, mais velha que ele.

Em Amsterdã, foi convencido por uma holandesa a entrar no magic bus, ônibus que em três semanas atravessava o continente europeu e passava pelo Oriente Médio até chegar a Katmandu, no Nepal. Subindo e descendo do veículo desconfortável, com apenas duas calças jeans na mochila, Paulo achou respostas para apaziguar os questionamentos internos. O processo é descrito em pormenores e no tom habitual de sua escrita.

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Este é o 29º livro do autor. Foi o segundo, O Alquimista, publicado em 1988, que o alçou à fama internacional e arrancou elogios de estrelas de Hollywood – incluindo Julia Roberts – e de líderes como o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas Ban Ki-Moon. Assim, virou embaixador da paz da ONU em 2007. Só aqui, no Brasil, a crítica insiste em dizer que o mago é clichê ou não tem estilo. Isso não incomoda Paulo, membro da Academia Brasileira de Letras desde 2002. “Às vezes surgem autores descritos como o novo Paulo Coelho. Bom sinal!”, afirma, sem se preocupar com a modéstia.

Em entrevista a CLAUDIA, o escritor conta um pouco sobre seu novo livro e sua trajetória.

CLAUDIA: Em Hippie, você fala de experiências e sensações. É um relato íntimo. Por que resolveu escrever sobre esse período?
Paulo:
Os livros se escrevem antes de você colocá-los no papel. Eu comecei a olhar para o mundo, para as pessoas, e fiquei aflito com o politicamente correto. Na minha geração, a moral era natural. Entre os hippies, era óbvio que a Guerra do Vietnã estava errada e que tratar mulher de igual para igual era certo. Não precisava explicar. Sobretudo, prezávamos pela simplicidade. Esses valores se perderam. Com o livro, eu queria dizer: “Poxa, o que vocês estão fazendo hoje? O que tem a ver esse consumo desenfreado?”.

CLAUDIA: Você descreve um episódio de prisão e tortura e explica, no final, que sintetizou ali as três vezes em que foi detido durante a ditadura militar. Em entrevistas, já declarou que demorou anos para cicatrizar esse trauma. Como foi revisitá-lo?
Paulo: No dia em que escrevi esse trecho, minha mulher disse que eu estava mau-humorado, irritadiço. E ela nem sabia em que eu vinha trabalhando. Revivi aquela dor terrível e, na verdade, o episódio foi muito pior do que relatei no livro. Fiquei desaparecido, sumi do mapa. Minha família não tinha notícia de mim. Eu demorei a entender o que estava acontecendo.

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Além disso, pensava na minha namorada da época, que também havia sido presa. Eles conseguem dobrar você, às vezes sem encostar um dedo sequer. Deixam você isolado, nu, o que é uma violência do mesmo modo. Fiquei encapuzado algumas vezes, sem ver nem falar com ninguém. Não dá para escolher o que é pior, só que também não dá para ficar se culpando ou se lamentando eternamente porque foi em cana. Tem que seguir adiante.

CLAUDIA: Há uma corrente que teme outra retomada do poder pelo Exército no Brasil. Você acha possível?
Paulo: Não acredito que eles cheguem a esse extremo. Ameaçar, qualquer um pode. E ponto. E quem já viveu tem medo, não consegue agir contra, impedir que aconteça de novo.

CLAUDIA: Para você, o plano dos hippies era sair de casa, deixar a zona de conforto, evoluir e depois voltar para transformar a sociedade. Seriam maridos não violentos, bons pais… Você acha que a mudança aconteceu?
Paulo:
Não aconteceu. Quem foi hippie continua sendo pelo resto da vida. Mas alguns eventos na sociedade impediram que o plano se completasse. Primeiro, surgiu a geração dos yuppies, que só pensava em acumular riqueza e exibi-la, o oposto de nós. Além disso, as pessoas passaram a consumir as roupas e a música dos hippies sem adotar os valores e o estilo de vida, ou seja, eram hippies de butique, só na aparência.

Perdemos o propósito. Isso se reflete hoje nessa polarização que vivemos, em que as pessoas se atacam sem nem saber por quê. Parece que todos sofreram uma lavagem cerebral, não questionam o que está acontecendo, só escutam o que querem e se relacionam exclusivamente com os semelhantes. Eles acham que são poderosos e usam essa força para a violência, para impor ideias. Isso é culpa das redes sociais.

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CLAUDIA: Como assim?
Paulo: Quando começou essa coisa de redes sociais, eu era superentusiasmado. Tenho 44 milhões de seguidores juntando o Facebook e o Twitter. Mas, a médio prazo, tribos foram sendo criadas. As pessoas não se questionam, todas pensam igual. Ou o sujeito tem certeza de que são os outros que estão errados.

O melhor da vida é o confronto com a diferença, ficar até 4 da manhã discutindo, descobrir argumentos novos, escutar a ideia alheia, a informação que está chegando a você. Estamos limitados, e, para piorar, com o anonimato que a rede dá, ela ainda aumenta os insultos e agressões. A energia negativa proveniente da internet é imensa.

CLAUDIA: Qual a solução para essa situação?
Paulo: Um caminho é a espiritualidade, o autoconhecimento. A gente não pode viver eternamente sem consciência. Não sei se sou idealista, mas é um momento-chave quando você se pergunta: “A vida é isso?”. Você tem seu dinheiro, os filhos cresceram, estão levando a vida deles. E você? É preciso refletir sobre o que pode ser feito para ajudar o próximo.

Eu tenho um instituto, ajudo entidades para pessoas carentes. Mas não é só com doações que se faz isso. Que tal agir também? Pode ser um bom exemplo e traz alegria.

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CLAUDIA: O livro fala de um lugar sagrado, a Porta do Sol, à beira do Lago Titicaca, na Bolívia. A lenda diz que dali viria a força para salvar o mundo da avidez humana. Hoje, o que nos salvaria?
Paulo:
Infelizmente, acho que caminhamos para uma guerra. As pessoas estão criando mundos próprios, isolados, e isso não vai durar. Heráclito, um dos primeiros filósofos gregos, fala que tudo no Universo é fruto do acaso ou da necessidade. Eu acredito em uma mudança de postura por obrigatoriedade, porque será impossível permanecer como está.

CLAUDIA: Uma das personagens faz uma viagem de LSD transformadora, o que dá a ela ferramentas para seguir a vida de acordo com seus princípios. Um alucinógeno é outra maneira de alcançar respostas e mudanças?
Paulo:
Não. Cada um tem seu caminho. Uma sobrinha minha se juntou ao Santo Daime, largou tudo e foi morar no interior da Amazônia. Demora um dia de viagem de barco para chegar a um lugar onde o telefone funciona. Já acho isso um distanciamento muito grande da realidade. Você deixa de fazer parte da vida em sociedade, abre mão da sua responsabilidade pelo coletivo.

O ser humano não é uma ilha, ele precisa do outro. Por um lado, a droga tem o poder de abrir a mente. Só ela, porém, não basta. É preciso querer continuar o trabalho, mudar. Eu tomei o daime uma vez só. Minha mulher tomou várias. O chá leva você a uma viagem interior muito profunda em que as pessoas acabam se liberando de uma série de coisas, sobretudo de questões ligadas à família, à infância. Mas o importante é o pós, como você lida com aquelas informações.

CLAUDIA: Há pessoas recomendando anular o voto nas próximas eleições. Você pensou em desistir de votar?
Paulo:
Cometi um erro tremendo na eleição passada. Votei no Aécio porque tínhamos amigos em comum. Eles falavam bem, recomendavam. Achei que Aécio fosse diferente, e a Dilma não me sensibilizava. Depois veio à tona a verdade. Foi horrível me sentir enganado. Mas votarei.

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CLAUDIA: Como você enxerga o futuro da política no Brasil?
Paulo:
Eu vejo uma tendência mundial dos outsiders, como Trump, que não eram políticos de carreira. Ou Macron, que nunca tinha disputado uma eleição até virar presidente da França. Eles querem trazer outras ideias e intenções. Acho que isso deve acontecer no Brasil. O Joaquim Barbosa pode vir por essa raia, mas não sei se ele tem força para se eleger.

CLAUDIA: Todo livro seu entra para a lista dos mais vendidos. O que garante esse sucesso?
Paulo:
Tenho uma linguagem pessoal, um estilo próprio. É isso que me leva a resistir há 30 anos. E faço escola. Volta e meia você vê alguém sendo descrito como “o novo Paulo Coelho”, “no estilo de Paulo Coelho”.

Claro que tenho uma técnica que é aprimorada, mas também acontece uma evolução pessoal. Você vai aprendendo, cavando lugares diferentes da sua alma. Aqui vai aparecer um diamante, ali uma turquesa. Vai de um livro para o outro. Há títulos que adorei escrever e não fizeram sucesso. Isso segundo meu padrão, claro. Por exemplo, O Vencedor Está Só e O Monte Cinco.

CLAUDIA: O que você tem lido?
Paulo: Eu raramente compro ficção. Estou acabando um livro sobre a formação do País Basco, chamado Pátria. Foi escrito por Fernando Aramburu e vendeu meio milhão de exemplares só em espanhol. Não acho que vá ser traduzido para português, mas é muito bom. Sempre me angustia pensar qual será o próximo livro que vou ler. Talvez eu parta para algo sobre física quântica. Um físico veio jantar em casa e finalmente conseguiu me fazer entender algo do assunto.

Quero me aprofundar mais. O bom é que, com os e-books, você deleta o que não gostar logo no começo. Tudo bem que tem um gasto, mas isso contribui com uma indústria cada vez mais claudicante. Assistir a essa derrocada me dá dor no coração. Vi acabar a indústria da música, do disco, da qual eu participei intensamente. E a do livro teve todos os sinais de que precisava se reinventar para não chegar àquele ponto. A música se recuperou. Agora estou pessimista com os livros. Talvez parta para uma nova linguagem, a dos aforismos, que são mais breves e condensados,
mas não superficiais.

CLAUDIA: Muitos autores vendem direitos para o cinema e ganham muito dinheiro. Você não tem interesse?
Paulo:
O livro incentiva o pensamento, descreve uma coisa e você tem que imaginar o resto, elaborar o cenário, a cena. Todo mundo comete uma burrice na vida: eu deixei que fizessem um filme de Veronika Decide Morrer. Nunca mais. O cinema não dá ao espectador a liberdade de participar do enredo. Recebo uma proposta por semana, mas recuso. O livro é único. Ele torna o leitor parte da trama. Isso é algo mágico.

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