Em sua casa, Nelson prepara o próprio pão sem trigo e toma café descafeinado. Com decoração rústica, a maioria de seus móveis são de madeira e a tecnologia passa longe – até seus textos ele escreve à mão
Foto: Miguel Sá
Não experimente entrar na casa de Nelson Xavier, 72 anos, calçando sapatos. “É um costume que não era meu. Peguei com a Via (Negromonte, 53, com quem é casado há 24 anos), que me convenceu que é melhor, a casa fica mais limpa. Tem de tirar”, explica. Isso é só um exemplo. Nelson é uma pessoa metódica. Já se mudou de casa três vezes, mas não abandona Santa Teresa, centro do Rio, por nada. Ele acorda todo dia às 6h da manhã, liga um rádio antiguíssimo, que já completa 24 anos (seu tempo de casado, não por coincidência), escuta notícias no escritório, levanta-se, deixa ele ligado e segue para a sala… Liga o outro rádio, ajusta a palha de aço na antena para melhorar o sinal, sintoniza na estação de música clássica e se concentra para começar a escrever. “Sempre fui de acordar tarde, mas descobri que levantar cedo é ótimo. O dia rende. Comecei a escrever de manhã, coisa que nunca tinha feito na vida”, analisa.
Toda manhã, ele toma meio litro de água gelada, faz ioga e toma seu desjejum, que é uma fruta, quase sempre mamão, com um suco de legume, lá pelas 11h. “Almoço mais tarde. E eu faço minha comida. Como pouco. Depois vou tocar minha vida”, vai contando Nelson sobre sua rotina quase bucólica.
Padeiro que vive só
O ator, autor e diretor está cercado por uma decoração rústica, com mesas de madeira, cristaleira colonial com temperos e copos, prateleiras repletas de livros, quadros emoldurando ilustrações, artigos e pinturas (uma de Chico Xavier, que interpretou no cinema em 2010), alguns discos de vinil como a Sinfonia no 6 em Fá Maior de Beethoven… A única interrupção em seu ritmo plácido é quando vai para seu segundo mundo, o das gravações como o Ananda, na novela Joia Rara.
Nos fins de semana, também tem seus programas favoritos. “Aos domingos, gosto de fazer feira na Glória (centro da cidade). Você come ostra por lá. Depois tem a tapioca. É uma feira especial”, conta. Para o passeio, gosta de ir a pé, claro. “Saio caminhando por essas ladeiras do bairro. É meu exercício. Gosto de andar por aí, ir até o centro… Faço isso pelo menos quatro vezes na semana”, continua.
Na cozinha, Nelson sente-se à vontade. É lá que prepara pratos compatíveis com a dieta de seu tipo sanguíneo, O. “Como não posso comer cereal, comecei a pesquisar um pão sem trigo. E sou padeiro, faço a massa em casa. Está bem gostoso, já pensei até em comercializar. Gosto de tomar com café descafeinado”, detalha enquanto se serve de mais uma fatia do pão que já estava acabando.
Detalhe: ele faz tudo sozinho. Nelson recebe a empregada apenas uma vez por semana, desde que resolveu viver separado da mulher, há três anos. “Minha filha, Sofia (21), se formou e foi morar e estudar em Nova York. Eu e Via resolvemos então morar separados: ela em Ipanema e eu aqui em Santa Teresa. Achamos que tendo cotidianos separados, seria melhor. Nos vemos quase todo dia, continuamos juntos. Ela vem mais aqui em casa, mas estamos sempre nos vendo. E completaremos bodas de prata no ano que vem. Quando me separei a primeira vez, achei que nunca fosse encontrar alguém. Completar 25 anos acho uma proeza, uma conquista. Somos muito felizes”, emociona-se o ator.
Nelson vive sozinho e conta com a ajuda de uma empregada apenas uma vez por semana
Foto: Miguel Sá
Mesmo morando separados, o casal tem planos de renovar a casa de Santa Teresa. “Esses rádios ainda são do enxoval da Via. Queremos renovar os eletrodomésticos, o liquidificador, o fax, a impressora. Preciso imprimir meus textos depois que passo para o computador (Nelson tem o hábito de escrever tudo à mão). A gente já fez um balanço, pesquisamos na internet para ver as melhores marcas e preços”, conta às gargalhadas, divertindo-se com a simplicidade do plano.
“Doença não é com o Nelson”
Via é a grande companheira de Nelson, não se engane. Há dez anos, ela é quem acompanha o ator de perto na luta contra o câncer na próstata. “A doença em si não me incomoda mais. É só o gasto e o consumo de tempo para ir ao médico, tomar os remédios, ir à clínica para receber injeção. Mas isso não me impediu de cair no abismo quando recebi a notícia. O chão some, você fica perdidão. Mas eu descobri dois anos depois que todo esse choque foi pura arrogância minha. Eu nunca acreditei que pudesse ficar doente. Pensava: Doença não é com o Nelson, sempre fui um toro! A gente acha que é só para os outros e que nunca vai ficar doente”, explica. “Eu me tornei uma pessoa mais humana. Agora, a medicação vai mantendo o câncer num nível tolerável e vou tomar enquanto eu durar. Agora é como resfriado. Já me habituei a viver assim”, diz.
Essa serenidade poderia ter encontrado um cenário ideal nos 20 dias que passou no Nepal, gravando as primeiras cenas da novela. Mas nada disso: “Fiquei muito desapontado. Katmandu (capital do Nepal), nos anos 1960, representava uma espécie de lugar mágico e paradisíaco onde havia droga e todo mundo sabia tudo da vida, essa coisa hippie. Cheguei lá e é igual a Rio das Pedras (comunidade carente carioca), parece um subúrbio sujo, poeirento, cheio de gente na rua, muita motocicleta, muita gente pobre. Uma coisa decepcionante…”, detalha o ator. Lá encontrou o budismo, mas não se encantou com a filosofia e a religião – se impressionou mais com Chico Xavier. De mais enriquecedor da viagem, ele destaca o contato com o budismo, religião que não conhecia. Aliás, Nelson não é religioso.
Até três anos atrás, se dizia ateu, mas conta que desde o longa Chico Xavier (2010), se tornou outra pessoa. “O budismo não me modificou, mas o Chico sim. Ele me permitiu entender melhor o budismo, a filosofia do desapego. Os budistas são muito alegres porque a felicidade está em dar. O Chico era feliz porque deu tudo o que tinha, assim como todos os santos que chegaram à felicidade plena, se libertaram de tudo”, conta ele. “Sempre acreditei na comunicação com os mortos, mas em relação à reencarnação tinha um pouco de resistência. Mas quando me apaixonei pela Via, e ela acreditava, comecei a querer acreditar… Fiquei tão apaixonado que achei que a morte não podia separar a gente, então seria bom existir a reencarnação”, diz ele, entre gargalhadas apaixonadas.
ESTA ENTREVISTA FAZ PARTE DA EDIÇÃO 1989 DA REVISTA CONTIGO!, NAS BANCAS EM 30/10/2013.
A escrivaninha rústica onde Nelson escreve e ouve rádio. Na parede, um quadro indígena prega que se seja alegre e brincalhão: “Che alegre, estou aruaí”
Foto: Miguel Sá