Quando Mariana Ximenes encara um novo personagem, sua primeira providência é decidir que calçado usará. “Procuro escolher logo os sapatos, que é o que define o andar”, diz ela, que chegou para as fotos deste ensaio equilibrada sobre uma bota de salto fino – além de óculos escuros de oncinha, roupa toda preta e decotada. Desde que começou a gravar Haja Coração, a nova novela das 7 da Globo, porém, seu parceiro de trabalho é um par de tamancos. Com ele, vai dar vida à sua versão da feirante Tancinha, paulistana como ela, interpretada por Claudia Raia na novela Sassaricando, em 1987. “É um sapato de trabalhadora que tem seu charme”, explica.
Com estreia marcada para 16 de maio, o novo folhetim do paulistano Daniel Ortiz (autor de Alto Astral, que terminou no ano passado) será uma releitura da novela de Silvio de Abreu (de quem Ortiz foi parceiro) e vai trazer de volta às telas os personagens icônicos da trama criada por ele. Incluindo a mãe – agora vivida por Marisa Orth – e as irmãs de Tancinha. Entretanto, não foi de primeira que Mariana topou o desafio: “Hesitei em aceitar. Falei: ‘Será que sou eu mesmo?’ Mas o criador e a criatura, Silvio de Abreu e Claudia Raia, me estimularam. Então estou aí, no risco. É bom arriscar, né?” Sua apreensão tem motivo: a atriz acumula poucas comédias no currículo – a personagem pede uma dose de humor – e seu biotipo é completamente diferente do de Claudia Raia. “Mariana é pequena e muito bonita. É a Brigitte Bardot brasileira, uma francesinha. Já eu sou cavalona, morena, uma italianona”, compara Claudia, ao rememorar a Tancinha que há 30 anos ficou gravada na memória dos brasileiros. “Ela é um clássico da TV”, diz a veterana.
Com os cabelos mais castanhos e longos, Mariana, 34 anos, está focada em encontrar a própria versão da personagem, uma que seja conectada com os tempos atuais. “Conversei com alguns feirantes e percebi que, hoje em dia, com o acesso à internet, as coisas mudaram para eles. Estive na Mooca, fiz uma pesquisa grande no Brás. Mas ainda não achei uma pessoa de quem eu possa dizer: ‘Nossa, essa é a minha musa inspiradora’.” Com sua dedicação característica, a atriz tem tudo para encontrar o próprio caminho. “Estou começando a vivê-la e resolvi buscar elementos para diferenciá-la da anterior. Gosto de todo o processo criativo e adoro ensaiar. Sou quase pentelha com quem contracena comigo. Ofereço carona para irmos passando o texto no caminho, sou exigente. Na novela A Favorita, eu dormia na casa da Claudia Raia e ficávamos ensaiando até nos sentirmos seguras.”
TUDO OCUPADO
Além da novela, Mariana estará em seis filmes que serão lançados no decorrer deste ano (veja o quadro na página ao lado). Desde 31 de março, está nos cinemas Zoom, coprodução entre Brasil e Canadá dirigida pelo jovem diretor paulistano Pedro Morelli. No longa, Mariana interpreta uma modelo que mora no exterior e larga tudo para escrever um livro. Por isso, parte de suas cenas é em inglês. No elenco estão nomes como o mexicano Gael García Bernal (Diários de Motocicleta) e o canadense Jason Priestley (o Brendan do seriado Barrados no Baile). Em setembro, ela estreia Um Homem Só, filme da amiga e diretora Claudia Jouvin que Mariana produz e protagoniza ao lado de Vladimir Brichta. Sua interpretação como a coveira de um cemitério de animais rendeu a Mariana o prêmio de melhor atriz no Festival de Gramado do ano passado.
Sou louca pelo meu ofício, sempre lutei desde garota para fazer o que faço. Entretanto, agora vejo que trabalhar é bom, mas é importante tirar férias. Hoje, me preocupo com meu sono, com minha alimentação
Tanto seus trabalhos (já são 18 anos de carreira) quanto o reconhecimento trouxeram amadurecimento à atriz. “Acho que mudei, estou mais calminha. Sou louca pelo meu ofício, sempre lutei desde garota para fazer o que faço. Entretanto, agora vejo que trabalhar é bom, mas é importante tirar férias. Hoje, me preocupo com meu sono, com minha alimentação, em viver momentos mais prazerosos”, revela. “Também estou bem focada nos meus afetos: afilhados, amigos, família.” E no novo namorado. Faz menos de dois anos que ela começou o relacionamento com o empresário italiano Filippo Cattaneo Adorno. Ao ouvir o nome dele, Lavoisier, maquiador, nos interrompe: “Vi fotos de vocês juntos. Ele é um gato! Se vocês tiverem filho, ele virá com olhos transparentes de tão claros”. Por enquanto, ela garante, herdeiros não estão nos planos: “O mundo pressiona. É chato. Cada vez mais as mulheres têm filhos depois dos 40 anos. Quero ter, mas no tempo certo. Não chegou a hora”. E casamento? “Essa é uma pergunta que não faço para ele”, responde, rindo. Atualmente, Mariana divide-se entre as casas que tem no Rio e em São Paulo, onde Filippo vive.
Sou a favor da legalização do aborto, sim. Nunca fiz, mas sei que colocar filho no mundo é um assunto muito sério
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MELHOR NO FUTURO
Quando questionada sobre como se vê daqui a dez anos, ela lembra mulheres inspiradoras que já passaram dos 40. “Espero envelhecer com lucidez. Não é fácil, já senti mudanças dos 20 para os 30 anos. Não sei do futuro, mas sei dos bons exemplos da minha profissão, pessoas que têm uma sabedoria incrível.” Cita Débora Bloch, Patricia Pillar, Mariana Lima, Fernanda Torres. E se apressa a defender a atriz e escritora, que recentemente escreveu um texto em que dizia que a “vitimização das femininas” a irritava mais que o machismo e acabou rechaçada publicamente – o que a fez voltar atrás. “Adoro a Fernanda. Acho que ela escreve maravilhosamente bem, é muito inteligente, perspicaz. Às vezes, as pessoas interpretam mal o que a gente fala mesmo. E, hoje em dia, com essa coisa das redes sociais, todo mundo pode opinar. Isso é bom por um lado e complicado por outro”, acredita. Mariana não se esquiva de temas polêmicos, no entanto. “Sou a favor da legalização do aborto, sim. Nunca fiz, mas sei que colocar filho no mundo é um assunto muito sério.”
Séria é também sua relação com as artes plásticas. Ela é frequentadora assídua de exposições, amiga de artistas e até colecionadora – “Como dá, porque hoje em dia é muito caro”. Também já posou de musa para criadores renomados, como Nelson Leirner e o fotógrafo Miguel Rio Branco. Quando chegou à Casa de Vidro, onde foram feitas as fotos para CLAUDIA, cumprimentou uma funcionária e relembrou o dia em que visitou uma mostra de arte no local. Símbolo da arquitetura moderna brasileira, o espaço, no bairro do Morumbi, em São Paulo, foi criado pela ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992), em 1950, e virou ponto de encontro de artistas do período. Hoje, abriga o acervo de Lina e de seu marido, Pietro Maria Bardi. “Frequento a Casa e acho que todo mundo devia conhecê-la”, diz. Como bem define Claudia Raia, Mariana é “uma trabalhadora a serviço da arte”. Dramática ou plástica. De salto fino ou tamancos. Agora é esperar para conhecer os passos de sua Tancinha.