Maria Ribeiro: “Tenho vontade de subverter. Não gosto de caixinhas”
Das ruas de Paris, Maria Ribeiro tira inspiração para um plano de vida e um projeto cinematográfico, tão bonitos quanto a sua sensibilidade na escrita
Todo mundo (ou quase) que visita Paris sonha em passar um tempo maior por lá. Se para morar até o fim da vida ou por três meses, depende da intenção — e de como a cidade responde a você, e vice-versa. No caso de Maria Ribeiro, o contato veio antes, graças ao convívio com o padrasto, Jean Pierre, e a estadia na capital francesa entre os 17 e 18 anos. A afinidade inesperada, como há de ser, a faz voltar, vez ou outra, para, quem sabe um dia, fincar os pés nas ruas de paralelepípedo e curtir a paisagem direto da mesinha de um café. Até lá, ela desenha possíveis caminhos para exercer a segunda língua, usando a arte, é claro, como plataforma.
“Sempre sonhei em atuar em francês”, conta ela que, durante a sua última viagem, encontrou a amiga, diretora e fotógrafa Autumn Sonnichsen — uma pessoa com uma história especial com a França — e, juntas, começaram a explorar a rotina parisiense. “Quando ela começou a me dizer que tinha vontade de dirigir filmes, tivemos uma ideia de fazer um longa em colaboração.” A parceria, aliás, rendeu o poético ensaio que estampa esta entrevista — “um ensaio na literalidade da palavra”, segundo Maria, do que está por vir.
Se esse esboço de presença se revela em retratos despretensiosos, outros rascunhos a levaram para a história que gostaria de contar nas telas. “É um momento que tem muito a ver com a onda que estou, não só de unir a Maria escritora com a Maria atriz, mas também de abordar o feminismo.”
A inspiração para esse roteiro em construção veio da vivência de uma amiga próxima, nascida na França durante um exílio político dos pais — por lá, ela viveu até os 7 anos e, mais velha, ficou num certo “vai e vem” de fronteiras por questões afetivas. “É uma experiência bonita a partir de uma história ruim”, pontua ela, que, inclusive, encontrou alguns ganchos para abordar problemas de identidade. Com o título provisório de Santa Maria do Mar, o filme, além de usar o idioma, vai borrar os formatos tradicionais, por conta da abordagem visual de Autumn: uma coisa meio Nouvelle Vague, com filmagens nas ruas e figurantes que, na verdade, são pessoas comuns.
“Eu tenho vontade de misturar as linguagens, algo que seja meio ficção com documentário, que possa ter um pedaço no Instagram… Eu tenho vontade de subverter. Não gosto de caixinhas, e se tem uma, quero desorganizar. Me dá prazer isso e me instiga criativamente”, conta. A ideia é terminar de escrever esse ano para começar a rodar a partir de 2024, “agora que o cinema nacional está voltando” à ativa, depois de quatro anos ameaçado por falta de incentivos governamentais.
Com isso no horizonte, Maria celebra a possibilidade de ficar um tempo maior na França e levar os filhos João, de 20 anos, e Bento, de 13, para terem contato com essa cultura que sempre esteve tão próxima dela. “Eu acho que a questão deles estarem mais velhos foi determinante para que o plano de morar fora se tornasse realidade. Eu nunca passei mais de 10 dias longe deles. Agora, aos 47 anos, percebi que posso começar a fazer o que não fiz antes.”
Formada em jornalismo, Maria entrou para a faculdade com 17 anos e se casou aos 21. Por essas vivências terem acontecido ainda tão jovem, ela acredita ter passado meio batido por algumas coisas, como, por exemplo, uma viagem de mochilão ou acampamento, que ela nunca fez. “Existe um mundo para ser descoberto. Depois da minha segunda separação, não sei se quero me casar de novo. Eu tenho uma relação com as minhas amigas, quero viajar sozinha e fazer um filme fora do país”, reforça sobre os seus desejos.
Outra grande vontade é seguir explorando as suas diversas facetas. Mesmo tendo feito papéis emblemáticos na TV e no cinema — entre eles Maria Marta, em Império (2014), novela da Rede Globo, e Rosa, no filme Como Nossos Pais (2017), de Laís Bodanzky, que lhe rendeu o Kikito de Melhor Atriz no Festival de Gramado —, a escorpiana nunca quis se limitar a um rótulo.
Além de atriz e diretora, hoje, ela também faz questão de levar a sua opinião para as redes sociais e para o podcast Isso Não é Noronha, apresentado ao lado de Isabel Guéron, sobre assuntos dos mais diversos. Sem contar os livros que já escreveu e publicou: Trinta Oito e Meio (2014), Tudo o que eu sempre quis dizer, mas só consegui escrevendo (2018) e Crônicas Para Ler em Qualquer Lugar (2019), esse último junto de Gregório Duvivier e Xico Sá. “A personagem ‘escritora’ está, cada vez mais, ocupando espaço na minha vida. Ainda em 2023, lanço meu primeiro romance, Ilha Grande”, conta ela, que, aos seis anos de idade entendeu a escrita como uma ferramenta para expressar seus sentimentos. “Fazia poemas”, lembra.
E a conexão não se restringe ao que ela escreve (ou narra), naturalmente. Foi por meio dos livros que ela também estreitou sua conexão com uma pauta importante na sua vida, o feminismo. Não por acaso, tem como base as obras da francesa Simone de Beauvoir, com quem compartilha a visão de que o movimento é, na verdade, uma rede de afeto. “Tem uma doçura que as pessoas ainda não entenderam. Ele é um antídoto contra a solidão. O feminismo é uma lente que você coloca [para enxergar a vida] e não consegue mais tirar.”