Leandra Leal é uma mulher que gesta por muitos anos. Pelo menos, é assim que define suas duas maternidades. A filha mais velha, Julia, veio depois de três anos e oito meses na fila da adoção, um processo extenso que demanda burocracias recorrentes, além de avaliações periódicas com psicólogos e assistentes sociais. O mais novo, um menino que nascerá em agosto, é fruto de inúmeras conversas com seu parceiro, o fotógrafo Guilherme Burgos, do processo de fertilização in vitro e, agora, finalmente, da gestação.
“Sou filha única e queria que a Julia tivesse irmãos. Inicialmente, engravidar não era uma vontade, mas despertei a curiosidade nos últimos anos”, diz. “Ser mãe é um processo individual de cada mulher. Nos dois casos, precisei me empenhar emocional e financeiramente.”
Para a atriz, os ingredientes essenciais na criação de um filho são a fé no desconhecido e a entrega aos mistérios da vida. Nesse sentido, ela preza por estimular a individualidade das crianças para que descubram quem são e o que querem — tarefas difíceis, mas que resultam no desenvolvimento de uma personalidade forte e um caminho cheio de realizações.
“Esse é um sentimento dúbio: quero protegê-los ao máximo, mas sei que eles vão ter experiências diferentes das minhas. Não vou conseguir controlar tudo. Por isso, para mim, ser mãe significa estar atenta à potência que cada um é”, afirma.
Leandra reforça que não quer romantizar a gestação. Primeiro, porque sabe que as mulheres são alvo de cobranças e muitas sofrem até conseguirem engravidar. E segundo, porque não quer passar a impressão de que gestar é mais especial do que adotar.
Para ela, a adoção sempre a preencheu profundamente. Ela acredita, ainda, que as pessoas superestimam a gravidez. “Com a Julia, minha maternidade foi questionada várias vezes — precisei responder, apontar e questionar quando me ofendi. Agora, grávida, sinto que as pessoas valorizam muito a gravidez. É claro que gerar e parir podem fazer parte, mas ser mãe é uma construção diária.”
Com a consciência desses desafios, o que tem sentido é felicidade, realização e amor incondicional pelo membro da família que está por vir. “O momento da chegada é muito maneiro, não vejo a hora de viver isso de novo”, diz sorrindo e entusiasmada.
Por enquanto, Leandra está atenta aos sinais de seu corpo, que pede meditação, exercício físico e alimentação saudável para garantir o bem-estar. “Acho que isso tem a ver com meus 41 anos”, brinca em meio a risadas. “Viver e envelhecer é incrível. Você lida melhor com os seus sentimentos, se conhece mais e aprende a ter relações mais maduras. As coisas ficam mais leves, mais tranquilas.”
Leandra Leal e a criação antirracista
Durante nossa conversa, Leandra pede licença algumas vezes para dar atenção à Julia, que estava superempolgada com os avanços nas aulas de cerâmica. “Agora, tudo o que ela quer é vender as peças que faz”, conta, orgulhosa.
De fato, é possível ver o carinho, o respeito e a paciência que tem com a filha, bem como o cuidado com as palavras quando fala com a pequena. Durante este ensaio, a troca e as brincadeiras entre as duas foram constantes — e acabaram rendendo essas belas imagens.
As duas criaram a rotina de passar todas as manhãs juntas, antes de a menina ir à escola. O tempo de qualidade envolve natação e trabalhos manuais que fortalecem a criatividade. “Tento limitar ao máximo as telas, porque as redes sociais geram muita ansiedade. Quero que ela aprenda que a tecnologia é uma ferramenta de liberdade que pode ser aliada ao pensamento, mas que as redes podem aprisionar nosso raciocínio.”
Com nove anos, Juju, como é chamada pela família, não vê a hora de assumir o papel de irmã mais velha. Afinal, é ela quem vai liderar as brincadeiras da casa e apresentar suas referências ao pequeno.
“Ela queria uma menina, mas depois ficou bem feliz de ter um irmão. Além de cuidar de quem está ao redor, ela adora organizar as coisas, então está animada”, reflete a mãe. Apesar da autoconfiança que a garota tem, Leandra estimula a autoestima da filha todos os dias, principalmente em um mundo onde as crianças negras não estão livres do racismo.
Inclusive, foi por essa razão que a estrela passou a se interessar pela educação decolonial — que se fundamenta em questionar as tradicionais estruturas de poder europeias e do Norte Global e promover a pluralidade de culturas —, o que a levou a investir na primeira escola afro-brasileira do país registrada no MEC, a Maria Felipa.
O desejo de se tornar sócia da instituição começou quando Leandra levou Julia para fazer um intercâmbio de uma semana na filial de Salvador. Quando viu que a experiência foi enriquecedora para as duas, decidiu que essa era uma iniciativa com a qual gostaria de contribuir.
“A busca pela desconstrução partiu de entender o que seria melhor para minha filha e da necessidade de dar a ela ferramentas para uma existência com mais consciência, liberdade e plenitude”. Assim, decidiu colaborar com a abertura de uma nova filial da escola, no Rio de Janeiro.
A sede carioca, no bairro da Tijuca, está prevista para ser inaugurada no ano que vem. Idealizada pela socióloga Bárbara Carine, a instituição aposta no ensino que inverte a lógica eurocêntrica. “Isso significa também aprender a história africana e a história dos povos originários para parar de pensar com o racional do colonizador e entender outros pontos de vista”, explica.
“Tem um lugar nosso enquanto branquitude que é a necessidade de olhar para si e entender que esse tal racismo estrutural não é algo externo. A estrutura somos nós.”
Esse é um dos valores primordiais a serem passados para o filho que está chegando. A ideia é que ele lute com a irmã para garantir um mundo igualitário e justo. “Não quero que ele cresça achando que o branco é o universal. Só quando crianças brancas forem educadas sem pensar que o diferente é o outro é que elas, quando ficarem mais velhas, vão se indignar com a violência. Quero que esse menino que está chegando seja um aliado da minha filha”, diz.
Dos palcos às telas
Leandra cresceu no Teatro Rival, que era do seu avô, Américo Leal, e que completa 90 anos em 2024. Sua mãe, a renomada atriz Ângela Leal, assumiu a direção em 1990. O local celebra a inovação artística com um palco que recebe música e peças clássicas e contemporâneas, consagrando-se como um ambiente tradicional para quem gosta de arte. Foi lá que ela adquiriu sua formação artística, viu shows de grandes nomes da música nacional e acompanhou a trajetória da primeira geração de artistas travestis do Brasil: Rogéria, Valéria, Jane di Castro, Camille K., Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios. A experiência foi tão inspiradora que lhe rendeu seu primeiro trabalho como diretora, o documentário, Divinas Divas, lançado em 2017.
Segundo Leandra, o lugar é tão acolhedor que se assemelha à casa de vó. “Quando tinha nove anos, fui comemorar meu aniversário no show da Elza Soares. Após todo mundo ir embora, fizeram um bolinho para mim nos bastidores. Quando vi, a Elza veio e cantou parabéns. Isso foi muito marcante”, relembra com brilho no olhar. “É um espaço que preza pela diversidade e pela democracia. Por lá, criei memórias inesquecíveis. É emocionante ver a Julia brincando nos corredores como eu.”
A influência artística de sua mãe também moldou seu caminho. Desde os oito anos, Leandra a acompanhava nas gravações de filmes e novelas. Na versão de 1990 de Pantanal, com roteiro de Benedito Ruy Barbosa, Ângela interpretou a personagem Maria Bruaca, o que levou Leandra a estrelar seu primeiro papel na televisão: Maria Marruá, filha dos protagonistas Juma e Jove.
De lá para cá, ela se tornou um rosto conhecido e querido pelos espectadores. Fez o papel da jovem sonhadora Bianca, em O Cravo e a Rosa, e conquistou o público com a paixão e simpatia de Maria do Rosário, em Cheias de Charme, que está sendo reprisada neste momento na Globo.
Na série Justiça, que acaba de ganhar a segunda temporada no Globoplay, ela dá vida à Kellen, uma cafetina ambiciosa e inteligente que traz humor e leveza à narrativa. “Ela é diferente de mim, foi divertido fazer sua construção. Voltar a interpretá-la depois de oito anos é bonito, porque envelhecemos juntas. Acho legal ver como ela conseguiu conquistar as coisas que queria e agora já tem objetivos maiores.”
Em 2010, Leandra uniu forças às amigas Carol Benjamin e Rita Toledo para fundar sua própria produtora audiovisual, a Daza Filmes, focada em projetos capazes não só de entreter, mas também despertar reflexões. O último lançamento do grupo foi a série A Vida Pela Frente, no Globoplay, que discute temas como saúde mental e a passagem da adolescência para a fase adulta.
Agora, a produtora está em uma nova aventura: o desenvolvimento do filme Bete, uma homenagem à notável atriz Bete Mendes. “Sinto que a história dela não é tão apresentada às novas gerações como deveria. Quero mostrar que Bete foi uma das primeiras mulheres eleitas deputadas e teve uma trajetória muito importante na arte e no ativismo”, relata.
O ano da atriz está agitado. No segundo semestre, além da chegada do novo filho, ela também lança a tragicomédia Os Enforcados, que protagoniza junto com o ator Irandhir Santos. A trama conta a história de um casal que resolve cometer um crime junto, mas acaba se enrolando e entra em várias enrascadas.
“Estou lidando com projetos em várias fases de desenvolvimento — e ainda por cima grávida!”, comenta. “Mas não há a mínima possibilidade de eu ser uma pessoa realizada sem trabalhar e me expressar através da arte.”
Mesmo com uma agenda lotada, ela segue compartilhando histórias que ecoam o profundo amor entre mãe e filha. Esse amor materno, aliás, é uma das forças motrizes em sua vida. Tanto que inspirou o longa-metragem Nada a Fazer, em fase de finalização.
A produção une as gerações de mulheres de sua família em uma jornada pela defesa da arte e da cultura. “Uma das primeiras coisas que entendi quando me tornei mãe foi a dimensão do amor que minha mãe tem por mim. Enquanto filha, você sente aquele amor gigante, mas não é a mesma coisa. O amor de mãe é que nem cachoeira, nunca acaba.”
TEXTO: Beatriz Lourenço
FOTO: Maga Maju
STYLING: Aline Swoboda
BELEZA: Laura Peres
CABELO: Tiara Mello
Concepção visual: Catarina Moura