Ingrid Guimarães conta como transformou o riso em negócio
Lotando salas de teatro e cinema, ela já levou mais de 10 milhões de pessoas às gargalhadas com a trilogia "De Pernas para o Ar"
“Ser poderosa é muito difícil”, desabafa a goiana Ingrid Guimarães, 46 anos. Em um estúdio na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, ela não fala isso em tom trágico ou com vitimismo. Explica, com calma, quais são os ônus e os bônus de deter o título de dona da bilheteria do cinema nacional.
Em cartaz com De Pernas para o Ar 3, Ingrid abre novo capítulo para a indústria. Ela integra (como atriz, depois roteirista e produtora) a primeira trilogia feminina do país. E comemora ter ultrapassado a marca de 10 milhões de espectadores. Destaca a vitória profissional de ter levado às telonas a história de Alice, uma mulher comum que, infeliz com o emprego, resolve empreender. Abre uma sex shop e descobre no prazer feminino, tão ignorado e até renegado pela sociedade, enorme fonte de lucro.
“Não é um filme sobre uma mulher correndo atrás de homem ou brigando por ele. O marido até demora a aparecer. É sobre ela. Acho revolucionário ter, no primeiro, uma cena dela gozando na montanha-russa, num jogo do filho”, conta.
No longa conclusivo, Alice se vê diante de um dilema familiar. “Valeu a pena? Ela não viu o filho se formar nem a filha dar os primeiros passos. Qual o preço de estar no topo do mundo?”, questiona Ingrid.
A atriz se identifica com a culpa da protagonista. E sente empatia. Casada com o artista visual René Machado e mãe de Clara, 9 anos, conhece os esforços para tentar alcançar uma vida mais equilibrada.
Durante a entrevista, Ingrid decidia detalhes sobre a compra de eletrodomésticos, última etapa de uma reforma longa em seu novo apartamento. Dias antes, ela havia voltado de Nova York direto para uma reunião na escola da filha. E no dia seguinte teria o primeiro ensaio da novela das 7 que estreia em julho, Bom Sucesso, na qual interpreta a diva Silvana Nolasco.
Não é de estranhar, portanto, que ela tenha chegado ao estúdio com os cabelos amarrados por uma presilha ainda com a etiqueta, arrancando risos da equipe. A cena ganhou mais sentido depois, quando ela explicou: “Ninguém escolhe a comédia, você nasce sabendo fazer. É um tempo diferente de falar, ouvir, olhar para a vida. E eu sempre fui assim”.
CLAUDIA: Você encabeça uma franquia no cinema de muito sucesso. Como se sente nesse lugar?
Nunca imaginei que fosse fazer sucesso na TV. Não via ninguém como eu ali. Mas sempre pensei que viveria de teatro. Aquele era meu lugar. Eu tinha estreado em Confissões de Adolescente antes de completar 20 anos. Viajamos o país todo por cinco anos. Era um fenômeno. Saíamos das cidades às escondidas, no meio da madrugada, porque as filas de fãs eram enormes. Depois veio Cócegas, com a Lolo (Heloísa Périssé), e ganhamos dinheiro. Eu vivia daquilo. Então ser uma representante do cinema nacional não passava pela minha cabeça. Acho que esse foi o bônus que a vida me deu. Veio até mim; eu nem estava batalhando por isso. O cinema me deu oportunidades que eu nem sequer imaginava depois de 20 anos de carreira. E esse filme andou muito em paralelo com a minha trajetória. O primeiro filmamos em 2009. Naquela época, eu estava amamentando e levava minha filha para o set. Amadureci junto com a Alice.
CLAUDIA: No terceiro filme, você assume dois papéis por trás das câmeras, o de roteirista e o de produtora. Com mais essa responsabilidade, está encarando uma briga pelos direitos do audiovisual brasileiro. Como começou a polêmica?
O que houve com a gente foi algo muito sério. As pessoas compraram ingressos para ver nosso filme e, quando chegaram ao cinema, a sessão tinha sido substituída por Vingadores: Ultimato. Isso aconteceu em 784 salas. Comecei a receber mensagens pelas redes, depois vídeos dos espectadores passando por essa situação. Os cinemas nacionais foram ocupados quase na totalidade pelo filme da Marvel – 92% dos espaços. Não estou querendo competir. Tenho o maior respeito por quem leva 100 milhões de pessoas ao cinema hoje, quando concorremos com tanta tecnologia, com quem tira adolescente do celular. Mas existe a Cota de Tela, que define um mínimo de espaço para a indústria audiovisual brasileira. Ela precisa ser renovada todo ano. Só que não foi assinada da última vez, abrindo uma brecha que permitiu essa porcentagem enorme. Nós estamos fazendo ótimos números, batemos 2 milhões de espectadores em quatro semanas. Brinco que, ao ler esses dados, me sinto forte como a Capitã Marvel. Mas era pra ser até mais. Estreamos em mais de mil salas e na terceira semana caímos para pouco mais de 500. O público queria ver, mas não encontrava em um horário decente. Se eu, que sou uma mulher de negócios, que sobrevivo de cinema, estou passando por isso, imagina os produtores menores. Agora a lei foi assinada pelo ministro da Cidadania e vai para a Casa Civil e, depois, para o presidente. Eu não me beneficio mais dela, mas estou garantindo os direitos da cultura brasileira daqui em diante. Meu desejo é que as pessoas entendam a importância de ter um cinema que fale a sua língua, que apresente personagens com quem você se identifica.
CLAUDIA: Ao encerrar essa trilogia e olhar para trás em uma autoanálise, você acha que, como atriz, escapou da bolha do humor?
Sim, porque me tornei uma atriz autoral. Não preciso que me chamem mais para trabalhar, invento as próprias produções. A série Viver do Riso, que foi transmitida no Viva e agora vai passar na Globo, eu criei, captei e só fui lá oferecer.
CLAUDIA: Quando você entendeu que detinha esse controle sobre a sua carreira?
Chegou uma hora em que eu não queria mais os papéis que me ofereciam. No começo, na TV, eu e muitas outras comediantes éramos estereotipadas. A gente fazia a feia, a gostosa ou a louquinha nos programas. Nas novelas, a secretária, a enfermeira. Umas supercomediantes inteligentes, autoras se submetendo a isso. Aí, mesmo sem ter outro emprego, falei: “Não quero mais”. E voltei para o teatro. Coloquei meu dinheiro. Por isso que me irrita quando alguém usa a expressão mamar na teta do governo. Nunca fiz isso nem com meus pais. Sempre fui empreendedora, tirei do bolso para dar certo.
CLAUDIA: Não teve medo?
Cara, eu não tinha opção. Eu, mulher independente, filha de uma advogada do setor de petróleo que nunca precisou do marido para se manter, não ia ficar ali fazendo coadjuvantes e papéis estereotipados a vida toda. E seguia o exemplo do meu pai, que tinha muitas ideias e investia nelas. Eu via isso em casa. Então, aos 17, já havia formado um grupo de animação de festa infantil, o Cambalhota, com duas amigas. Minha mãe cuidava da propaganda entre conhecidos e eu fazia um dinheiro que era meu. Convertia em dólar e guardava no cofre.
CLAUDIA: E nunca pensou em desistir?
Zero. Nenhuma possibilidade. Sou muito apaixonada pelo que faço. E não tenho outro talento. Algumas atrizes são boas em trabalhos manuais, pintam… Eu só poderia escrever ou dirigir, o que ainda é dentro da minha área.
CLAUDIA: Você vai estrear outro programa no GNT, Tem Wi-Fi?, para discutir a relação humana com a internet. De onde veio essa ideia?
É uma coisa que me mobiliza. Penso em quanto tempo dedico às redes. Nesse caso do filme, por exemplo, me peguei batendo boca já, me desgastando. Será que vale a pena? Ao mesmo tempo, é um canal de divulgação gratuito incrível. Eu, que passei anos pagando publicidade cara nos jornais para minhas peças, valorizo. Mas vejo a internet como um desafio em casa também. Minha filha ainda não tem celular, mas vai ganhar um em algum momento. Como garantir que ela não vai aprender algo primeiro lá? E se eu não tiver a chance de explicar as coisas do meu jeito antes das redes? Quero que ela saiba que nosso canal de troca tem que ser o mais valorizado. Educar, de qualquer maneira, é a coisa mais difícil do mundo.
CLAUDIA: Recentemente, você revelou que já perdeu dois bebês durante a gravidez. Normalmente, essa questão é um tabu que isola ainda mais a mulher em sofrimento. Como lidou com o processo?
Sempre quis mais crianças, mas já engravidei da Clara com 36. Depois, mais velha, é uma tensão. Nas duas vezes em que perdi, já me considerava mãe novamente. Uma delas foi depois dos dois meses completos. Para a mulher é diferente. No momento da descoberta, ela já pensa em nome, no quarto. O homem não entende o vazio que fica. E não tem muito o que fazer, o que falar na terapia. É tão físico; você está cheia de hormônios. Só parei para reavaliar se tentava mais. Fiz tratamento também e não deu certo. Fiquei à flor da pele, inchada. É desgastante. E, mesmo quando o bebê nasce, o marido até pode participar igualmente dos cuidados, mas é a mulher que encara a barra. Eu voltei ao trabalho com muita dificuldade para amamentar a Clara, parando a cada três horas as filmagens, cansada porque dormia menos, a memória falhava. Estava dispersa e emotiva. Foi tão lindo ver que, no De Pernas para o Ar 3, a equipe tinha muitas mães recentes. Quando fomos gravar em Paris, elas levaram os bebês. O set fica diferente e a abordagem de temas femininos é mais profunda. Eu lembro de quando comecei a gravar o primeiro e dar entrevistas. A imprensa me colocava no grupo de Leandro Hassum, Fábio Porchat, Bruno Mazzeo. Olha quanto andamos. Hoje a gente tem Samantha Schmütz, Mônica Martelli, Thalita Carauta, Fabiana Karla. O humor não tem livro, escola. Uma abre a porta para a outra, e é muito bom quando você se dá conta: “Caramba, eu posso!”.
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