De maneira inteligente, certeira e um tanto quanto tragicômica, a primeira cena de GLOW já sintetiza qual é o mood da nova série da Netflix: é sobre mulheres insatisfeitas com a forma como são tratadas e subjugadas. Para quem não sabe, a atração – que estreia nessa sexta (23) – gira em torno de moças que resolvem se aventurar no mundo do wrestling – aquele tipo de luta fake, coreografada e dramática, que fez muito sucesso na televisão, nos anos 1980.
Nos primeiros minutos, a protagonista Ruth (Alison Brie) é mostrada num teste de elenco, onde apresenta a fala de uma personagem forte e empoderada. “Queria agradecer por ter sido chamada, pois não há papeis como esse para mulheres no momento. Isso aqui é ótimo”, diz ela, para logo descobrir que, na verdade, estava lendo a fala do personagem masculino por engano.
Depois desse início sagaz, ao que tudo indica, GLOW vai corresponder às expectativas. De carona no sucesso de Orange Is The New Black – a série original Netflix mais assistida do último ano -, GLOW é centrada na história de mulheres e se propõe a mostrar personagens fortes. Mas essa não é a única semelhança entre as atrações. A nova aposta da Netflix começou a gerar buzz meses atrás, quando foi anunciado envolvimento de Jenji Kohan, a criadora de OITNB.
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Em GLOW, ela tem um peso menor: é produtora executiva de dois episódios e roteirista de um. Mesmo assim, seu nome na equipe aponta um norte. Anteriormente, Kohan transformou uma série sobre presidiárias – lésbicas, latinas, negras e até trans – em um fenômeno que ultrapassa nichos. E fez isso fora da televisão tradicional, numa época em que ninguém previa que as produções dos serviços de streaming viriam a dar tanta dor de cabeça às emissoras consagradas, abocanhando prêmios e atraindo nomes oscarizados às produções.
Pois bem: a expectativa por GLOW era grande e, de início, a série mostra-se promissora. Mas a cena inicial representa uma promessa que não se cumpre.
Na fase de organização do grupo intitulado GLOW – que significa Gorgeous Ladies of Wrestling (Lindas Mulheres do Wresting, em tradução livre), somos apresentados a um leque de mulheres com personalidades bem distintas. Assim como acontece em OITNB, essa diversidade se mostra muito interessante e dá vontade de saber mais sobre cada uma delas.
Mas o roteiro não se aprofunda e aquele grupo vira um amontoado de personagens com as quais não conseguimos nos conectar de fato. E esse é apenas um dos problemas de GLOW, mas ele não é o mais gritante.
Criar uma série sobre o wrestiling entre garotas possibilita duas abordagens bem óbvias: por um lado, essas são mulheres pioneiras, que resolvem se aventurar num campo dominado por homens; por outro, explora a rivalidade entre mulheres e objetifica o corpo feminino em colants cavadíssimos e muita esfregação. E é lógico que, no contexto de produção em que GLOW está inserido, a gente já sabia que a abordagem escolhida seria a do empoderamento.
Só que o roteiro de GLOW peca por tentar ser mais inteligente do que é de fato. Peca por tentar ser espertamente irônico e, como resultado, acaba sendo apenas ofensivo. Já no segundo episódio, somos surpreendidos com a cena mais WTF? de todas: a simulação de um aborto em pleno ringue, com direito a catchup na virilha e tudo.
E o roteiro escancara o fato de que são homens toscos que estão no comando dessa empreitada inédita de wrestiling. “É tipo um pornô que você pode assistir com as crianças. Finalmente!”, explica o diretor Sam (Marc Maron) em dado momento. A trama se propõe a escancarar o machismo e os estereótipos raciais ofensivos, mas faz isso de uma maneira em que nunca fica claro se aquilo é uma crítica ou se é para fazer rir. Ao que tudo indica, os roteiristas se preocuparam tanto em não entregar uma história mastigada, que acabaram criando um material onde o tom não está definido. Onde não há um norte claro.
Isso também é flagrante pelo fato de que a série visa falar de mulheres, mas não é eficaz em fazer com que a gente conheça elas de fato. Ao invés disso, opta por se aprofundar em personagens masculinos: o diretor decadente Sam e o produtor mauricinho Bash (Chris Lowell).
Sam tem tanto tempo de tela quanto a protagonista e o roteiro se preocupa exaustivamente em mostrar o quanto ele é misógino e escroto. Depois tenta humaniza-lo, com direito a um plot twist bizarro no penúltimo episódio. E esse plot twist tenta impactar, mas não consegue de fato, por envolver uma personagem tão rasa e unidimensional, que pouco importa o que se passa com ela.
Outro ponto bem negativo em GLOW (sim, ainda tem outro) é o fato de que a trama é muito arrastada. Quando a gente se depara com uma dramédia que não se preocupa em apresentar personagens com profundidade, ao menos esperamos que ela seja ágil e de fácil digestão. Mas isso definitivamente não acontece.
Os primeiros episódios são bem arrastados e mornos, apesar do ponto de tensão que surge entre Ruth e a protagonista número dois da série: Debbie (Betty Gilpin). Em resumo, o plot delas gira em torno do fato de que ambas era BFFs, mas Debbie descobre que Ruth teve um caso com seu marido, passa a odiá-la, e Sam resolve aproveitar essa rivalidade dentro do ringue.
GLOW conta com 10 episódios de 30 minutos e parece que vai começar a fervilhar lá pelo quinto episódio. Mas fica morno novamente e apenas empolga mesmo na season finale, que até consegue deixar um gostinho de quero mais para a segunda temporada. Só que né… até que isso aconteça, já se passaram quatro horas e meia de série. Será que o público vai assistir até lá?
Por fim, dá para dizer que, ao menos, GLOW tem um bom elenco. Alison Brie é muito competente e os outros atores também entregam boas atuações. Pena que a maioria das atrizes sequer tem espaço suficiente para mostrar isso de fato.
Mesmo assim, verdade seja dita: o final da temporada abre margem para que coisas interessantes venham a acontecer nos próximos episódios. Resta saber se os roteiristas vão conseguir lapidar melhor essa história e fazer jus ao potencial que ela tem.