Cate Blanchett: “As mulheres precisam se preocupar menos com o que os outros vão pensar”
A atriz, que vive a madrasta de Cinderela em novo filme, fala sobre o papel da mulher hoje e o que tenta ensinar aos filhos
Cate Blanchett tem uma daquelas belezas atemporais, perfeitas para interpretar tanto personagens de hoje (como em Blue Jasmine, filme pelo qual ganhou Oscar de melhor atriz) quanto de ontem (como em O Aviador, pelo qual levou estatueta de coadjuvante). Ela agora coloca seus atributos a serviço de uma vilã dos contos de fadas: a madrasta de Cinderela, na adaptação para o cinema feita por Kenneth Branagh, com Lily James (Downton Abbey) como a dona dos sapatinhos de cristal. Para tanto, buscou inspiração em divas do passado, como Bette Davis e Gloria Swanson. Mas a australiana, de 45 anos, não se resume a beleza e talento para atuar: já dividiu a direção artística da Companhia de Teatro de Sydney com o marido, o dramaturgo Andrew Upton, 48, que segue na função. Os dois se conheceram em 1996 e têm três filhos: Dashiell John, 13, Roman Robert, 10, e Ignatius Martin, 6 e acaba de adotar uma menina. Cate mantém certa distância enquanto fala com sua voz grave. Apesar de sempre soar educada, não vacila em dizer o que pensa, ainda mais se está em jogo o papel da mulher. Em um tapete vermelho, ralhou com um câmera que tentava mostrá-la de corpo inteiro: “Você faz isso com os homens?” Nesta conversa com CLAUDIA, questionou a validade de uma das perguntas (seria feita também a um ator?). No fim, respondeu.
Foi divertido ser uma vilã muito má?
Sim! É sempre fabuloso ser malvada. Mas quis mesclar momentos de leveza e outros de extrema crueldade. Porque a madrasta, claro, tem é muita inveja de Cinderela. E a inveja entre mulheres pode ser terrivelmente feia.
Teve alguma experiência desse tipo?
Sempre tive sorte. Criei grandes relacionamentos com minhas amigas e com as atrizes com quem trabalhei. Mas acontece… óbvio que acontece com homens também, mas a rivalidade entre eles é bem diferente. Em geral, é direta. As mulheres costumam ir minando umas às outras.
É raro ter tantas personagens femininas importantes no mesmo filme. Esse foi um ponto de interesse para você?
Sim, é raro. E, com certeza, foi algo que me atraiu no projeto. Por isso, era importante para mim a história se apoiar em uma Cinderela que tem uma força calma…
Às vezes, nos filmes, a heroína sabe lutar com espada ou arco e flecha. É bom ter esse outro tipo de heroína, não?
Sim, para ser forte não precisa botar pra quebrar. Acho fantástico que garotas estejam no centro de filmes de ação e aventura, mas não precisa ser o único estilo. Kenneth Branagh se refere à bondade como um superpoder. Acho inteligente isso. Mas ele tenta deixar claro que, naquele mundo, há divisão entre os sexos. Senão, por que a madrasta não tem mais autonomia? Ela é do tipo que se liga a homens para proporcionar às filhas chances na vida – e, para conquistá-los, finge ser quem não é. A Cinderela não, tem personalidade, é ela mesma. Existe no filme esse conflito entre dois jeitos tão diferentes de ser mulher.
Você, que é mãe de três meninos, acha importante para eles também mostrar essa variedade de tipos femininos?
Com certeza. Converso muito sobre isso com eles. Só que, no fim, o que conta mais é exemplo que você dá. Eles têm uma mãe que os ama ternamente e deixaria sua vida de lado por eles, mas que também tem uma carreira. Então, percebem como essas duas coisas podem coexistir.
A atriz Frances McDormand já disse que acha mais difícil desenvolver uma personagem feminina complexa no tempo limitado de um filme, uma hora e meia. Concorda?
Ela pode estar certa. Quando é uma personagem feminina no centro da história, parece haver uma necessidade maior de explicar por que ela tem ou não tem uma família – ou por que deixou os filhos em casa para ir lutar contra o crime. Enquanto um personagem masculino simplesmente segue adiante na trama sem muitas explicações.
Na vida real, mulheres devem justificar mais suas escolhas?
Sim, com certeza. Na mídia, as mulheres constantemente são comparadas umas às outras e não são tratadas de uma maneira igual à dos homens. As redes sociais são cheias de julgamentos. Mas acho que as mulheres precisam se preocupar menos com o que os outros vão pensar e, simplesmente, fazerem. Os homens não têm de se preocupar em ser todas as coisas para todas as pessoas.
Há pressão demais sobre a mulher, que precisa ser mãe e esposa perfeita e ainda ter carreira. Como lida com isso?
Tento fazer o melhor possível. Todo pai e toda mãe, constantemente, acham que estão falhando. Se você se dedica aos filhos, pensa que não está dando a atenção devida ao trabalho. Se anda se voltando para a carreira, acredita que tem deixado as crianças desprotegidas. É a vida! Você vai errar, de qualquer forma. Então, resta fazer o seu melhor.
Suas escolhas na carreira mudaram depois de ter filhos?
Então, você não faria esse tipo de pergunta se (o ator) Willem Dafoe estivesse sentado aqui.
Na verdade, costumo perguntar isso para os homens, sim.
Tendo filhos ou não, toda vez que você aceita um trabalho, precisa pensar se vale a pena dedicar seu tempo. Vale mesmo me tirando da pilha de livros que ainda quero ler, das minhas aulas de cerâmica, dos meus filhos e do meu trabalho no teatro? De certa maneira, quanto mais eu faço hoje, menos quero fazer. Tenho gostado de ficar quieta.
Emma Watson fez discurso falando da responsabilidade dos homens na luta contra o machismo. O que acha?
Converso, por exemplo, com meus filhos sobre o rap. Mostrei a eles o antigo, que era bem político, com motivações sociais, e o rap comercial de hoje, que se resume a quantas “vagabundas” o cara pode pegar. Falei que o modo como as mulheres são chamadas nas letras ficou sexualizado. Somos tratadas como objetos. Claro que reviram os olhos, mas espero que algo entre na cabeça deles. Outro dia repetiram um termo que ouviram na escola referindo-se às mulheres e nem sabiam o que significava. Quando expliquei, ficaram chocados. Não quero que meus meninos sintam-se culpados por sua masculinidade, mas devem ser conscientes do que está por trás daquilo vendido a eles.
Discute-se tanto o que é ser homem hoje. O que você aprendeu criando três garotos? Ainda estou no processo: meu filho mais velho acabou de fazer 13. Gosto do que Richard Madden, o Príncipe, faz no filme: mostrar-se um homem aberto a experiências. A apaixonar-se, que é visto como algo para quem é fraco. Acho que isso é bom para os meninos verem. Mas o que eu aprendi? Que, em termos gerais, os meninos são emocionalmente menos complicados do que as meninas.