‘Inacreditável’ é uma das séries mais relevantes e imperdíveis da Netflix
Baseada numa premiada reportagem sobre casos de estupro, "Inacreditável" é uma série necessária.
“Inacreditável” – ou “Unbelivable”, no título original – é mais uma daquelas séries que trazem histórias reais e absolutamente relevantes para a TV. Depois de “Olhos que Condenam”, a Netflix acertou mais uma vez. E, assim como na produção sobre os jovens negros acusados injustamente de estupro, “Inacreditável” também é uma minissérie – que provavelmente terá apenas uma temporada.
Numa pegada à la “True Detective”, a nova série da Netflix consegue prender a atenção de quem se interessa por dramas de investigação policial, por conta do bom roteiro e de duas grandes atrizes: as premiadas Merritt Wever e Toni Collette. Ambas já têm estatuetas do Emmy em casa e merecem ser indicadas ao prêmio por “Inacreditável”. Também no hall das protagonistas, a atriz Kaitlyn Dever, de 22 anos, entrega uma performance potente – em um papel difícil de encarar.
E essa é uma história sobre mulheres. Mulheres estupradas. Mulheres desacreditadas. Mulheres que, ao contrário dos homens à sua volta, batalham para que as mulheres estupradas sejam tratadas com dignidade – e para que seus dramas recebam a atenção que merecem.
Com essa breve descrição, muita gente pode dizer que trata-se de uma produção feita sob medida para “lacrar”, com um um roteiro que faz uso de clichês feministas para “mostrar os homens como vilões”. Acontece que “Inacreditável” é baseada na história real das vítimas de um meticuloso estuprador em série e das policiais que encabeçaram a investigação desses casos de estupro.
E mais: o título da série faz referência ao fato de que a primeira vítima foi totalmente desacreditada pela polícia. Ao depor, os policiais a pressionaram e coagiram, o que fez com que ela retirasse a queixa. Com isso, a vítima de 18 anos foi processada por denunciação caluniosa – e poderia ter ido presa, mas felizmente não foi.
Antes de virar série, essa história foi contada na reportagem “An unbelivable story of rape” (Uma inacreditável história de estupro, em tradução livre), escrita por T. Christian Miller e Ken Armstrong em 2015. Eles ganharam o prêmio Pulitzer – o Oscar do jornalismo e da literatura – por esse trabalho, que acabou virando livro.
A detetive Stacy Galbraith e a sargento Edna Hendershot são as personagens reais desse drama cinematográfico, que escancara o descaso da polícia e do poder público com vítimas de estupro. A reportagem foi feita através do ProPublica e do The Marshall Project, projetos focados em jornalismo investigativo de interesse da população.
Em oito episódios, a série “Inacreditável” mostra que as duas policiais trabalharam arduamente no caso, mas que também tiveram sorte ao longo do processo. Stacy só entrou em contato com Edna – que na ficção se chamam Karen e Grace – porque relatou a seu marido detalhes de um caso de estupro que estava investigando. Ele, que também é policial, disse que havia se debruçado sobre um caso parecido quando trabalhava com Edna – e aconselhou Stacy a procurá-la. Assim, as duas passaram a trabalhar juntas e descobriram que o autor dos crimes era o mesmo. Além disso, tomaram conhecimento sobre outras vítimas, incluindo a que foi tachada de mentirosa pela polícia.
Parece improvável, mas as coisas realmente aconteceram assim, de acordo com a reportagem. E esse não foi único momento em que as mulheres envolvidas na história tiveram uma “ajudinha do destino” para que a justiça fosse feita. Só que contar mais detalhes disso entregaria spoilers da série.
No catálogo da Netflix desde sexta-feira (13), “Inacreditável” já entrou para a lista das melhores séries do ano. No IMDb, o maior banco de dados online sobre cinema e TV, a nota dada à produção é 8,7. No Rottem Tomatos, importante site que reúne críticas especializadas e a reação do público sobre filmes e séries, “Inacreditável” conta com 95% de aprovação da imprensa e 91% de aprovação dos espectadores em geral.
Apesar do roteiro envolvente e das ótimas atuações, “Inacreditável” obviamente não é uma série fácil de assistir. Para além do que é mostrado na tela, há uma questão que a torna ainda mais indigesta: já parou para pensar em quantas outras vítimas passam pelo que é mostrado na série? E quantas delas não têm a sorte de encontrar policiais como Stacy Galbraith e Edna Hendershot? Quantas são estupradas por membros da própria família? Quantas moram em países onde o descaso com vítimas de estupro é ainda maior do que nos Estados Unidos? Quantas mulheres estupradas são vistas como mentirosas e jamais conseguirão justiça? E quantas delas, ainda por cima, acabam sendo processadas por denunciação caluniosa?
Tais perguntas sem resposta não podem ser varridas para baixo do tapete. E é isso que faz de “Inacreditável” é uma série necessária.