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Parto de 23 horas na pandemia: a gravidez e maternidade de Ingrid Silva

O isolamento gerou reflexões e a preparou para um parto potente. Ela fala de maternidade com sinceridade, afeto e interesse em acolher outras mulheres

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 28 abr 2021, 15h08 - Publicado em 16 abr 2021, 09h00
Ingrid está sentada no chão com Laura em seu colo
Ingrid usa Dior; Beleza, Markito Costa com produtos Dior; Edição de moda, Fabio Ishimoto; Styling, Acacio Acacio; Assistente de fotografia, Jorge Escudeiro; Tratamento de imagens, Nicolas Leite; Estúdio One Stop (João Arraes/CLAUDIA)
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poeta norte-america na June Jordan uma vez escreveu “Children are the way the world begins again and again” ou, em tradução livre, crianças são a maneira que o mundo começa de novo e de novo. Se já havia algo de sublime nessas palavras, escritas nos anos 1970, hoje elas fazem ainda mais sentido.

A maternidade em 2020 e 2021 é um ato de coragem e de fé. De coragem porque, em meio a uma pandemia, crescem os medos já naturais às mulheres quando se descobrem grávidas. De fé porque, num mundo que apresenta tantas reviravoltas, perdas e angústias, o nascimento é sinônimo de esperança, de crença em dias melhores.

“Eu confio que essa geração vai mudar tudo. Vai reduzir o plástico, removê-lo dos oceanos, diminuir o lixo, salvar as florestas, achar cura para doenças”, fala Ingrid Silva, 32 anos, olhando para a pequena Laura, deitada em seu colo.

A bailarina carioca mora em Nova York há mais de 10 anos. Lá, é uma das estrelas do Dance Theatre of Harlem Company, cofundadora da Blacks in Ballet, plataforma de inclusão e destaque de dançarinos negros, e criadora da plataforma EmpowHer New York, rede de ativismo e empoderamento feminino.

Ingrid dança
Ingrid usa Dior; Beleza, Markito Costa com produtos Dior; Edição de moda, Fabio Ishimoto; Styling, Acacio Acacio; Assistente de fotografia, Jorge Escudeiro; Tratamento de imagens, Nicolas Leite; Estúdio One Stop (João Arraes/CLAUDIA)

Há cinco meses, também é mãe. Não bastasse a longa lista de tarefas que ela abraça, ainda está aprendendo o malabarismo disso tudo na pandemia. Com voz potente e pensamento muito lúcido, Ingrid faz questão de dividir com outras mulheres os desafios.

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A sinceridade não a permite esconder, por exemplo, as dores do pós-parto, a dificuldade até para caminhar e o uso de fraldas. “Não sei se outras mulheres não falam disso por vergonha ou por medo de parecerem fracas, mas acontece com todas nós e deveríamos estar discutindo mais sobre isso, até mesmo pra poder oferecer apoio”, fala.

As fotos para esta matéria foram feitas no Brasil, um dia antes de Ingrid subir no avião. Ela veio ao país passar parte da licença-maternidade com os pais e o irmão e também para apresentá-los à mais nova integrante da família.

No final da nossa conversa, a carioca destacou o significado, para ela, de ver Laura estampando uma capa de revista: “É tão raro uma mulher poder incluir o bebê no seu trabalho, então eu queria dedicar essa capa à minha mãe e a todas as mães, que fazem seu melhor para criar os filhos. Quero que elas vejam que existem oportunidades e que elas não devem ter medo de aceitá-las, que não são obrigadas a escolher entre a maternidade ou a carreira.”

Ingrid, qual foi seu primeiro pensamento quando descobriu a gravidez?
Achei que era mentira, porque foi em 1º de abril (risos). Foi um choque, não era planejada, apesar de eu saber que seria mãe em algum momento da vida. O que aconteceu foi que eu senti que o anticoncepcional estava mexendo muito com meus hormônios e decidi fazer uma pausa para
limpar o organismo.

Sempre ouvi das amigas que tomaram pílula muitos anos que elas demoraram um ou dois anos depois de parar para conseguir engravidar, algumas até tratamento fizeram. Eu estava bem relaxada achando que não ia dar em nada, mas seis meses depois, estava grávida.

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Eu lembro de estar com meu marido voltando da clínica, onde tínhamos feito o exame, e falar que nós seríamos os melhores pais do mundo, que ia dar tudo certo. Hoje, olhando pra trás, vejo que, engravidar na pandemia me deu mais tempo para mim mesma, com ela, para me recuperar e voltar à rotina.

Foi a notícia mais feliz em um ano triste. Eu me lembro de quando contei pra Taís Araújo e ela falou: ‘Criança é notícia boa, é vida’. Eu comecei a ver tudo com outros olhos a partir dali.

Ingrid amamenta a filha enquanto segura sua mão
Ingrid usa Dior; Beleza, Markito Costa com produtos Dior; Edição de moda, Fabio Ishimoto; Styling, Acacio Acacio; Assistente de fotografia, Jorge Escudeiro; Tratamento de imagens, Nicolas Leite; Estúdio One Stop (João Arraes/CLAUDIA)

Qual foi seu maior medo de estar grávida numa pandemia?
Acho que minha primeira preocupação não teve a ver exatamente com a pandemia, mas com a minha carreira. Não queria parar de dançar depois de virar mãe. Depois, pensei no meu corpo, no que aconteceria com ele.

Eu uso meu corpo como instrumento de trabalho e sempre tive controle dele. Pela primeira vez, isso não seria verdade. Além disso, a gente vive numa sociedade que exige muito da mulher em todas as etapas da vida. Eu ouvi de muita gente: “Nossa, mas você vai conseguir dançar depois?”. Era como
se potencializassem um medo que eu já sentia.

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Mas me considero uma pessoa de muita sorte e sei que tive apoio. Não só as bailarinas, mas qualquer mulher precisa do apoio da empresa para conseguir conciliar o trabalho e a maternidade, caso esse seja seu desejo. A minha companhia passou a fazer aulas online em março, então pude ficar em casa a maior parte do tempo.

Quando voltei a dançar no estúdio, eu já estava com quase sete meses e fazia aula sozinha, sem ver ninguém. Ter ficado em casa, além de segurança, me deu tempo para refletir. Eu viajo muito a trabalho, raramente estou sozinha com meus pensamentos.

Fiquei ali chocando meu o ovo, fazendo conexões internas, pensando no que eu queria para aquele bebê, para mim. Conversei muito com familiares e amigos, alguns que não falava há algum tempo, reformei o apartamento pra fazer um canto pra Laura.

“Eu me isolei durante a gravidez porque precisava desse tempo sozinha para encontrar a força para
gerar minha filha e meus guias na maternidade”

 

Você se sentiu solitária?

Não, eu me isolei mesmo. Eu precisava desse tempo sozinha para encontrar a força para gerar minha filha e meus guias na maternidade. Eu acredito muito em energia e não queria entrar em contato com tudo de negativo que vinha rolando no mundo.

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Os primeiros quatro meses foram muito intensos pra mim, eu tinha sonhos, não conseguia relaxar. Era o medo tomando conta, e esse tempo de introspecção foi necessário pra mandar isso embora. Depois do parto, não deixei ninguém ir em casa, porque tinha medo de contrair o vírus ou, pior, de alguém infectar a Laura.

Mas foi muito bom, porque eu e meu marido tivemos a oportunidade de aprender tudo juntos. E ele fazia tudo, limpava casa, lavava roupa, providenciava comida. Ele nem me deixava levantar, falava que minha única preocupação tinha que ser a Laura.

Retrato do rosto de Ingrid com turbante
Ingrid usa Dior; Beleza, Markito Costa com produtos Dior; Edição de moda, Fabio Ishimoto; Styling, Acacio Acacio; Assistente de fotografia, Jorge Escudeiro; Tratamento de imagens, Nicolas Leite; Estúdio One Stop (João Arraes/CLAUDIA)

Cogitou ter o parto no Brasil para ficar mais perto da família?

Em nenhum momento. Já tinha minha ginecologista e obstetra brasileira. Encontrei a Dra. Flávia num grupo de brasileiras em Nova York há muitos anos. Por indicação de amigos, também recorri à Angela, uma doula que fundou um instituto de doulas em New Jersey.

Elas foram essenciais para o meu parto. Imagina ter que traduzir tudo que acontece. Eu tentei não conversar com ninguém sobre o parto, queria que minha experiência fosse como um livro em branco, mas eu tinha muito medo. Perguntei só pra minha mãe sobre o grande dia e ela me disse que era uma “cóliquinha”.

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Eu tinha referências de filmes e não tem nada a ver com aquilo também. Por exemplo, achei que minha bolsa ia estourar e ia sair aquele monte de água, mas, na verdade, eu fiz vários pequenos xixis na véspera. Era Dia de Ação de Graças e um dos meus melhores amigos, padrinho da Laura, estava em casa cozinhando.

Meu marido estava no trabalho, mas chegaria para jantar. Senti que tinha alguma coisa estranha e mandei mensagem pra Dra. Flávia. Ela me indicou ir até o hospital fazer um exame pra ver se a bolsa tinha estourado mesmo. Eu estava tão calma que falei pro Guilherme que ia e voltava, pra ele
continuar cozinhando. Ele e meu marido desesperados, querendo arrumar bolsa. Certos estavam eles.

“Ser mãe é uma grande responsabilidade. Quero ser um exemplo para Laura, então penso nas minhas ações nos mínimos detalhes”

 

Cheguei no hospital, o primeiro exame deu negativo e o segundo deu positivo, então me internaram e começaram os procedimentos de parto. Como eu não tinha contrações, me deram um soro de indução que fazia minhas contrações ficarem muito fortes de repente.

Eu não conseguia ficar em pé de tanta dor e stress. Perguntei pra enfermeira quanto tempo aquilo ia durar e ela me respondeu: ‘Até o bebê nascer’. Nem pensar! Pedi anestesia e veio um médico com mãos de anjo. Relaxei e dormi.

Acordei no meio da madrugada com os médicos entrando no quarto e mexendo na minha barriga. O coração da Laura tinha parado, mas eles conseguiram estabilizar. Quem disse que eu dormia depois disso? Fiquei com o olho no monitor o tempo todo.

Às seis da manhã, a Laura virou em vez de descer, foi parar nas minhas costas. Isso foi muito frustrante e queimava de dor! Rezei, mastiguei gelo. Fiquei mais 2h30 fazendo a expulsão dela. Uma hora, não aguentava mais, pensei: ‘Chega!’. Empurrei e senti ela sair.

Ouvi o chorinho dela. Quando a gente se olhou, ela ouviu minha voz, a conexão foi instantânea. Você já ama na barriga, mas depois é muito melhor. Isso tudo durou 23 horas. Eu fiquei 31 horas sem comer – e muito irritada – porque tive que passar por alguns procedimentos depois por causa de uma laceração.

Na ponta dos pés, Ingrid encosta as mãos no chão
Ingrid usa Dior; Beleza, Markito Costa com produtos Dior; Edição de moda, Fabio Ishimoto; Styling, Acacio Acacio; Assistente de fotografia, Jorge Escudeiro; Tratamento de imagens, Nicolas Leite; Estúdio One Stop (João Arraes/CLAUDIA)

Como foi a recuperação disso?

Eu estava com absorventes nos peitos, porque vazava leite, e usando fraldas durante todo o primeiro mês. Por causa dos pontos que tomei, tinha dificuldade para andar. Estava feliz, mas me sentia incapacitada. Fiquei duas semanas sem ir ao banheiro.

Toda mãe passa por isso, mas ninguém fala. Não sei se elas têm vergonha ou medo de parecerem fracas, mas falar sobre isso seria uma oportunidade de união. Não tinha posição pra dormir, meu peito estava muito inchado.

Nada é perfeito. A barriga não volta depois de três dias e eu ainda tive diástase, então estou fazendo fisioterapia. Mas os primeiros meses foram bem punk.

Ingrid apoia as mãos no chão
Ingrid usa Dior; Beleza, Markito Costa com produtos Dior; Edição de moda, Fabio Ishimoto; Styling, Acacio Acacio; Assistente de fotografia, Jorge Escudeiro; Tratamento de imagens, Nicolas Leite; Estúdio One Stop (João Arraes/CLAUDIA)

Hoje, voltando da licença-maternidade, como está se ajustando?

A companhia me deu doze semanas de licença e mais dezembro, porque estávamos em casa por decreto. É uma exceção nos Estados Unidos. As mulheres não são amparadas na maternidade. Eu tenho voltado aos poucos e com cuidado para evitar lesões.

Estou fazendo yoga, academia e voltei a dançar 1h30 por dia. No período da manhã, meu marido fica com a Laura, depois trocamos. E é bem louca essa fase também, de você entender que tem que fazer todas as suas tarefas e ainda cuidar de um bebê durante o dia.

Ela já está fazendo sons, pede atenção. Estamos encontrando nosso ritmo aos poucos. A Laura é minha prioridade, mas também sou bailarina, ativista, quero fazer filantropia, retomar todos os meus projetos de antes do parto.

Na ponta dos pés, Ingrid abraça os joelhos
Ingrid usa Dior; Beleza, Markito Costa com produtos Dior; Edição de moda, Fabio Ishimoto; Styling, Acacio Acacio; Assistente de fotografia, Jorge Escudeiro; Tratamento de imagens, Nicolas Leite; Estúdio One Stop (João Arraes/CLAUDIA)

Com tudo que estamos vivendo no cenário mundial, como é sua visão da maternidade hoje?

É uma grande responsabilidade. Quero ser um exemplo pra Laura, então penso nas minhas ações nos mínimos detalhes. Quero que ela saiba que ter sucesso não é se dar bem na profissão, mas ser uma boa pessoa; que saiba que é inteligente e capaz e que pode fazer escolhas.

Desejo que a Laura enxergue seu lugar no mundo, ocupe seu espaço, entenda seus direitos. Quero ensiná-la a ser independente e a tomar decisões sem se importar com a opinião dos outros. Parece muito, mas eu sei que é possível.

Enxergo, através da Laura, o mundo em transformação. Ela acorda todos os dias sorrindo e eu paro pra pensar: ‘Estamos vivendo esse caos e existe essa criatura tão pura, que só espalha o bem’. Esse é o melhor futuro possível.

O que você precisa saber sobre gravidez em tempos de pandemia

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